Taxa de juros ou depósito compulsório?

A atual prioridade concedida pelo Ministério da Fazenda, em termos de política econômica, tem sido direcionada à obtenção da meta de superávit primário. Apesar de todas as dificuldades para cumprir com os objetivos de redução de despesas do Orçamento da União, permanece a intenção oficial de atingir os 1,1% do PIB como valores assegurados para o pagamento dos juros da dívida pública.

Ocorre que a adoção de tal estratégia de promoção do ajuste fiscal se dá em um contexto de redução do ritmo da atividade econômica. As expectativas para o desempenho do PIB apontam para uma retração de -1,3% ao longo de 2015. Esse processo deve provocar uma frustração na receita tributária, implicando maiores cortes nos gastos sociais.

O crescimento dos preços faz com que o governo mantenha a política monetária restritiva para corrigir a distorção inflacionária. Assim, optou-se por uma política persistente de elevação da taxa de juros. Essa estratégia altista mais recente do COPOM teve início no final de outubro do ano passado, quando a taxa foi aumentada de 11% para 11,25%. A partir daí, foram realizadas mais 5 reuniões, com igual número de elevações da taxa, até atingir os atuais 13,75%.

A fixação da SELIC em tais níveis acaba por comprometer a própria tentativa de conter gastos públicos, tal como recomendado pela política de ajuste fiscal. Com o estoque da dívida pública se aproximando de R$ 2,5 trilhões, cada ponto percentual de aumento da taxa de juros corresponde uma elevação de despesas com serviços da dívida de R$ 25 bilhões anuais. Ou seja, apenas com os aumentos praticados ao longo de 2015, os gastos federais já teriam subido por volta de R$ 38 bilhões.

A lógica neoclássica encara a inflação apenas como um problema de descompasso entre oferta e demanda de bens e serviços. Em razão da livre ação das forças no mercado, um determinado volume de demanda agregada maior do que a oferta agregada pode significar fator de desequilíbrio. Sob tais circunstâncias, esse fenômeno tende a provocar preços mais altos nos mercados, em comparação ao que seriam em situação de suposto equilíbrio.

De acordo com esse raciocínio, a política monetária entraria em ação para retirar recursos dessa pressão da demanda sobre a oferta. Esse seria o caminho para reequilibrar os preços de uma forma geral e evitar a inflação. E aqui entra o pulo do gato da política monetária contracionista.

A hipótese subjacente é que a elevação dos juros operaria como atrativo para uma parcela desses recursos da demanda, que deixariam de se dirigir ao consumo e seriam reorientados à poupança, em busca da maior rentabilidade oferecida pelos títulos no mercado financeiro.

Como se pode perceber, trata-se de um mundo bastante idealizado, muito distante de nossa realidade concreta. As pressões inflacionárias mais recentes não serão resolvidas apenas pelo aumento da SELIC, pois a maior parte da pressão sobre a demanda vem de setores que não possuem capacidade de poupança e muito menos que deixariam de consumir para aplicar seus recursos em títulos oferecidos pelas instituições financeiras.

Alguns aumentos de preços não devem ser combatidos por juros altos. É o caso típico da tão famosa “inflação do tomate” que ressurge todos os anos, em função de um ciclo típico desse produto. Os preços recuaram pela dinâmica cíclica da produção e oferta de determinados alimentos. Tampouco não são afetados pela SELIC os aumentos mais recentes dos preços administrados, como transportes e energia elétrica, que tanto contribuíram para a alta do IPCA.

Além disso, é importante mencionar o efeito perverso da taxa de juros elevada sobre a realidade cambial. A opção pela “livre flutuação” da taxa de câmbio com o ingresso maciço de recursos externos especulativos contribui para uma sobrevalorização artificial do real, acentuando a desindustrialização e o desequilíbrio no setor externo.

Mas imaginemos que o problema fosse realmente o excesso de demanda agregada e que ela deva mesmo ser reduzida. Nesse caso, qualquer manual básico de macroeconomia tradicional oferece uma alternativa à elevação da taxa de juros para se obter o mesmo resultado de redução da pressão da demanda sobre a oferta. Trata-se do aumento da alíquota do depósito compulsório. É interessante observar que tal opção não encontra espaço nos meios do sistema financeiro e quase nunca aparece na imprensa.

O depósito compulsório é um instrumento já existente na regulamentação de nosso sistema financeiro e prevê que os bancos sejam obrigados recolher junto ao Banco Central um percentual de todos os seus depósitos. A ideia é evitar que os bancos emprestem a terceiros um volume muito grande dos recursos que ali são depositados.

Esse mecanismo de controle sobre a chamada “criação monetária” pelo sistema bancário permite, assim, atuar sobre a quantidade de recursos que são canalizados para consumo. Com isso, tem-se uma redução da massa monetária disponível para a demanda agregada.

Atualmente, por exemplo, a alíquota de recolhimento compulsório sobre os depósitos à vista nas instituições financeiras é de 44%. Em outros tempos, já foi bem maior. No primeiro semestre de 2003, por exemplo, estava em 60%. Em 1999, oscilou entre 65% e 75%. Ou seja, há espaço para uma eventual mudança.

Assim, se o governo pretende endurecer a política monetária, ele pode aumentar o compulsório, ao invés de elevar a SELIC. O efeito sobre a redução da demanda agregada será no mesmo sentido. O impacto sobre o nível de preços será da mesma magnitude.

Já os efeitos sobre a redução do nível de investimento não serão tão negativos, uma vez que as taxas de juros sobre operações poderão ser mais baixas. E a maior parte da sociedade ficará agradecida, uma vez que não haverá o enorme impacto negativo sobre as despesas financeiras do orçamento do Estado nem sobre a valorização indesejada do câmbio.

Crédito da foto da página inicial: Tânia Rego/Agência Brasil

Comentários

4 respostas para “Taxa de juros ou depósito compulsório?”

  1. […] carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, do governo federal. Ver AQUI. Ele pensa como eu, salvo […]

  2. Avatar de Luiz Novi
    Luiz Novi

    Primeiramente parabéns pelo artigo. Concordo que há espaço para subir o compulsório, no entanto o que o governo sempre faz é subir a SELIC. Sobre o câmbio, penso que se o governo transmitisse confiança ele iria se valorizar automaticamente e com investimentos diretos e não especulativos como é feito com uma alta taxa de juros.
    Sobre desindustrialização, acho sim que uma valorização artificial do câmbio, feito com juros elevados, contribuiria para sua elevação, porém, no meu ponto de vista, os maiores fatores da desindustrialização é a alta carga tributária e o alto custo Brasil.
    Grande Abraço.
    Luiz Novi

  3. Avatar de Luiz Novi
    Luiz Novi

    Completando a ideia anterior, acredito que a elevação da taxa de juro tem relação com interesses políticos, uma vez que os banqueiros também contribuem para o financiamento de campanhas políticas e por este motivo a elevação do compulsório nunca faz parte de planos de política econômica.

  4. Avatar de sandra
    sandra

    Prezado Paulo;
    Vc mencionou sobre o percentual dos depósitos compulsórios em 1999 com alíquotas de 65% a 70% e 3m 2003 com alíquotas de 60% contudo nesses período a taxa Selic estavam em 20% a.a em 1999 e em 2003 – 25% a.a. Hoje os depósitos estão em 44% e a Selic em 14,25% a.a. Você não acha que se aumentar o percentual dos depósitos compulsórios consequentemente a taxa de juros aumentará também, pois haverá um volume menor de recursos disponível?
    Atc

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