Sem ciência e tecnologia estamos fadados ao subdesenvolvimento

A superação do subdesenvolvimento de diferentes países demandou, dentre outros, investimentos pesados, tanto públicos quanto privados, em pesquisa científica e tecnológica. Hoje, países reconhecidamente desenvolvidos, como é o caso da Alemanha, EUA e França investem 2,83%, 2,74% e 2,24% do seu PIB em P&D. Países em processo de emparelhamento, como a Coreia do Sul e a China despendem 4,15% e 2,01%[1]. Um percentual significativo desses investimentos é feito pelo setor público: variando de 20 a 35% (China e França, respectivamente).

Os dispêndios brasileiros em P&D em relação ao PIB, na última década, passaram de 1,04%, em 2000, a 1,24%, em 2013. Diferentemente dos países anteriores, o maior percentual de investimento em P&D no Brasil ocorre como iniciativa do setor público: dos US$ 39,7 bilhões gastos em 2013, aproximadamente US$ 22,9 bilhões (i.e., 57%) foram realizados pelo governo[2].

Outro fator importante para a superação do subdesenvolvimento é a formação de mão de obra altamente qualificada. França, Alemanha e EUA investem, com recursos públicos, em educação superior 1,3%, 1,1% e 0,9% do PIB[3].  O Brasil aumentou seus dispêndios públicos de 0,7% do PIB, em 2000, para 0,9% em 2011 e ampliou o número de universidades federais e de institutos federais de educação, ciência e tecnologia (IFETs).

O incremento dos investimentos em P&D e em instituições de nível superior no Brasil foi resultado de diversas políticas ativas forjadas nos últimos anos de incentivo à pesquisa científica e tecnológica e ampliação das universidades públicas (como o ProUni, UAB, REUNI etc.).

Vale ressaltar que os institutos públicos de pesquisa e as universidades desempenham papel central em um Sistema de Inovação, ao criar e difundir conhecimento através de suas funções tradicionais, como o ensino, a formação de recursos humanos e a pesquisa científica e tecnológica.

Adicionalmente, tais instituições desenvolvem e provêm novos conhecimentos capazes de influenciar o setor produtivo por meio da pesquisa disseminada em publicações, projetos de pesquisa cooperativos ou consultorias. Ou seja, no Sistema de Inovação, essas instituições apresentam um papel de produtores e difusores de conhecimento científico e também de formação e qualificação dos recursos humanos.

Entretanto, esse parece não ser o entendimento do atual governo liderado por Michel Temer. A despeito dos esforços em aumentar os dispêndios brasileiros em P&D em relação ao PIB, existe ainda no Brasil um reconhecido desbalanceamento entre os investimentos em pesquisa científica em detrimento do desenvolvimento tecnológico e inovação. Produzimos ciência, mas não desenvolvemos produtos nacionais inovadores para o mercado. A maior parte da inovação no Brasil é oriunda da importação de máquinas para implantação de novos produtos e novos processos e não do desenvolvimento de novas tecnologias.

Ademais, pesquisas recentes demonstram que a ausência de mão de obra qualificada capaz de sugerir aprimoramentos no processo produtivo e criar novos produtos é apontada como obstáculo crescente para inovar[4].

Ou seja, os esforços dos últimos governos na última década em estimular a ampliação dos investimentos em P&D (como o projeto EMBRAPII) e da capacidade em ampliar a formação de recursos humanos foram importantes, mas não suficientes para equacionar os problemas apontados e nem para incentivar o setor privado a ampliar significativamente sua participação em P&D e inovação.

Entretanto, as medidas descabidas propostas pelo governo Temer como o desligamento do supercomputador[5] localizado no Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), a desativação[6] de parte da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa, os cortes de bolsas de pesquisa[7] do CNPq, as reduções orçamentárias no MCTI, as pressões para redução do orçamento[8] e das vagas[9] nas universidades federais também não equacionarão os problemas. Pelo contrário, terão impactos catastróficos nos próximos anos. Sem falar dos possíveis impactos negativos da PEC 241 (agora PEC 55) sobre o avanço da ciência e do desenvolvimento tecnológico e inovação[10].

O atual governo parece não entender que ciência e tecnologia devem ser encaradas como investimento e não como gasto.

O atual governo parece não entender que as universidades e os institutos públicos de pesquisa têm caráter vital não somente na formação de recursos humanos, mas também na geração de conhecimentos técnico-científicos.

O atual governo parece não entender que os avanços científicos impulsionam o progresso industrial e o desenvolvimento dos países.

O atual governo parece não entender que ao ampliar o estoque de conhecimento, ampliam-se as oportunidades tecnológicas.

O atual governo parece não entender que avanços científicos e tecnológicos geram inovações e produtos com competitividade.

O atual governo parece não entender que para se desenvolver é preciso inovar constantemente.

O atual governo parece não entender que a história do desenvolvimento das nações mostra que a superação do subdesenvolvimento foi possível graças aos investimentos pesados em educação, desde a básica até a superior, e em atividades científicas e tecnológicas com forte amparo governamental, a exemplo da Coreia do Sul.

É desastroso o corte de investimento em ciência e tecnologia.

Os pensamentos e ideias expressos neste trabalho não refletem necessariamente aqueles do INT/MCTI. Os eventuais erros são de inteira responsabilidade dos autores.

Notas

[1]           Dados referentes a 2013 e disponibilizados pela OECD: Main science and technology indicators 2016.

[2]           Dados disponibilizados pelo MCTI.

[3]           Dados referentes a 2011 e disponibilizados pela OECD: Education at a glance 2014.

[4]           http://brasildebate.com.br/obstaculos-para-inovacao-dois-lados-da-mesma-moeda/

[5]           http://portalctb.org.br/site/noticias/brasil/29516-sem-repasse-do-ministerio-da-ciencia-supercomputador-que-pesquisa-o-pre-sal-e-desligado-no-rio

[6]           http://portalctb.org.br/site/noticias/brasil/29960-por-ma-vontade-ou-incompetencia-governo-esta-prestes-a-desligar-a-rede-brasileira-de-pesquisa-cientifica

[7]           http://educacao.uol.com.br/noticias/agencia-estado/2016/08/06/cnpq-corta-20-das-bolsas-no-pais.htm

[8]           http://g1.globo.com/educacao/noticia/mec-preve-orcamento-15-menor-para-universidades-federais-em-2017.ghtml

[9]           http://jornalggn.com.br/noticia/temer-corta-vagas-nas-universidades-publicas-sem-explicar-motivos

[10]          http://ciencia.estadao.com.br/blogs/herton-escobar/pesquisadores-temem-desastre-na-ciencia-com-aprovacao-da-pec-241/

Comentários

4 respostas para “Sem ciência e tecnologia estamos fadados ao subdesenvolvimento”

  1. Avatar de Suzana Sattamini

    Trabalho como pesquisadora há 36 anos no Centro de Pesquisas da Petrobras-CENPES. No mes que vem me aposentarei. Lendo o artigo , sinto como se eu mesma o tivesse escrito. Parabéns!!!

  2. Avatar de juan carlos gomez
    juan carlos gomez

    ¡Igual que na Argentina!

  3. Avatar de hilario muylaert
    hilario muylaert

    Na verdade, não se trata de não entender……até pelo contrário…..
    O projeto da “restauração conservadora” tem como objetivo derrubar a educação e ciência do Brasil, em todos os níveis.

    O pior é que são brasileiros operando a agenda estadunidense.

    Esses traidores da nação merecem é a forca !!!

  4. Avatar de Lizia Helena Nagel
    Lizia Helena Nagel

    Na medida em que cortam disciplinas,carga horária, reduzem professores, e “perguntam aos alunos o quê estudar”, a equipe Temer nada mais deseja do que transformar nossos brasileiros em simples consumidores de produtos de monopólios e/ou de oligopólios. É um projeto que contempla, com muita inteligência, a entrega de nossas riquezas como pré-sal, a privatização generalizada, a redução do Estado ao mínimo do mínimo com relação às políticas públicas, favorecendo a todos os cidadãos de amanhã a incapacidade de pensar politica e economicamente o Brasil ou o mundo.

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