Seis meses de reforma trabalhista: um balanço

A reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) acaba de completar seis meses de vigência. Seus primeiros efeitos, contudo, são de difícil mensuração, em especial por duas razões:

1. “Segurança jurídica”. À época da tramitação da reforma no Congresso Nacional, argumentava-se que ela traria maior segurança jurídica para os empregadores, o que equivaleria a dizer menor segurança jurídica aos empregados. No entanto, a reforma contém inconsistências do ponto de vista jurídico. Aponta-se para a inconstitucionalidade de diversos artigos nela contidos, como, por exemplo, o desrespeito ao salário mínimo por meio da contratação de autônomos e intermitentes.

Ademais, houve, no meio do caminho, o percalço da MP 808/2017, emitida em 15 de novembro de 2017, que alterou diversos pontos da reforma até 23 de abril. Sem ser aprovada pelo Congresso Nacional, contudo, a MP findou seu período de vigência e caducou. Isso implica retorno ao texto anterior. Por essa razão, as empresas foram mais cautelosas na aplicação da reforma.

2. Limitações estatísticas.  Do ponto de vista estatístico, a reforma cria novos empecilhos, pois: i) possibilita a formalização de contratos anteriormente considerados fraudulentos, como os de terceirização de atividades-fim, intermitente e autônomo com exclusividade e ii) traz problemas para a mensuração da desocupação, afinal, um intermitente que não é convocado a realizar serviços por mais de um ano, em tese, possui vínculo ativo de emprego, embora não esteja efetivamente empregado. Além das novas formas, o país conta há um bom tempo com diversas formas burladas de terceirização, sob contratos de falsas cooperativas, contratos de natureza civil etc.

Estas formas existem para dificultar a caracterização da terceirização, sobretudo quando atinge as atividades-fim ou essenciais da tomadora, dada sua ilegalidade de acordo com normas anteriores à reforma (Súmula 331 do TST). Com a autorização da terceirização irrestrita, serão estes contratos reconhecidos como terceirização? Se sim, como será realizada a mensuração? Então, além de manifesta necessidade de revisão de conceitos fundamentais às estatísticas do trabalho, como desocupação e informalidade, a reforma trabalhista entra em vigor em um período de profunda crise econômica e persistente piora nos indicadores do mercado de trabalho, o que dificulta a distinção entre fenômenos associados aos reflexos da reforma daqueles associados à recessão na economia brasileira.

O Ministério do Trabalho e Emprego, sensível às mudanças que a reforma acarreta, buscou implementar alterações nos registros administrativos sobre emprego que estão sob sua responsabilidade, como RAIS e CAGED. As novas informações ainda não foram disponibilizadas nos bancos de dados públicos do MTE, mas o Ministério tem publicado sínteses das coletas realizadas desde a entrada em vigor da reforma.

Nível de emprego

A análise do saldo de empregos formais não aponta para recuperação dos níveis de ocupação. Depois de dois anos com saldos negativos de empregos formais em quase todos os meses, 2017 registrou saldo positivo de abril a outubro. A tímida recuperação de 2018 (+311.059) está longe de significar recomposição do estoque de empregos. Analisando os estoques de emprego formal entre janeiro de 2013 e abril de 2018, tem-se que em setembro de 2015 o estoque de empregos chegou a 41.328.193 postos (nível máximo da série), caindo para 38.205.186 para em abril de 2018.

Quanto à variação do saldo de emprego nas regiões do país, pode ser constatado que entre janeiro e abril de 2018, o Nordeste foi a única região que apresenta saldo negativo de emprego formal (-0,61%) e o Norte apresentou crescimento inexpressivo (0,04%). Considerando-se que o estoque de empregos formais é muito maior nos estados do Sudeste e Sul, e estas regiões registraram crescimento no acumulado do ano, verifica-se uma ampliação da desigualdade regional na geração de empregos formais no país.  Os dados apontam para uma retomada das características estruturais do mercado de trabalho nestas regiões, marcadas por menores salários e maior informalidade.

Por outro lado, já se percebe os efeitos da reforma em dois aspectos:

1. Demissões por “comum acordo”. A reforma trabalhista criou um novo tipo de desligamento (Art. 484 A), a demissão por comum acordo, que autoriza extinção de contrato de trabalho mediante pagamento de metade do aviso prévio e metade da indenização sobre o FGTS; movimentação de 80% do saldo do FGTS e, ainda, retira o acesso ao seguro-desemprego.

De janeiro a abril já foram realizados 52.898 desligamentos nesta modalidade. Além do expressivo volume, nota-se o aumento da utilização desta forma de desligamento, exceto para o mês de abril, quando foram realizados menos desligamentos na economia em geral.

As ocupações mais sujeitas a este tipo de desligamento entre novembro de 2017 e abril de 2018 foram de “Vendedor do comércio varejista”. O setor de atividade (Classe CNAE) com maior incidência de demissão por “comum acordo” foi “Restaurantes e outros estabelecimentos de serviços de alimentação e bebida”, conforme as Tabelas abaixo. Quanto ao perfil, tem-se que 61% dos desligados nesta modalidade eram do sexo masculino, 39% possuíam até 29 anos e 80% possuíam escolaridade até ensino médio completo.

2. Trabalho intermitente. Desde a aprovação da reforma trabalhista, foram contratados quase 17 mil trabalhadores nesta modalidade. O trabalho intermitente foi mais utilizado nos setores do comércio, serviços e construção civil. As ocupações com maior saldo de empregos nesta modalidade de contrato são respectivamente “assistente de vendas”, “servente de obras” e “faxineiro”, apontando, mais uma vez, que a “moderna” reforma trabalhista é largamente utilizada em ocupações precárias e mais sujeitas a terceirização. Isso sem contar que 93% dos trabalhadores com contratos intermitentes possuem até o ensino médio.

É evidente que a implementação de novas formas de contratação criados pela reforma trabalhista dependerá da estratégia das empresas de cada setor, além das disputas no seio das entidades de regulação do direito do trabalho, como sindicatos, Justiça do Trabalho, Ministérios etc. Há que se destacar a urgente necessidade de se repensar conceitos utilizados nas estatísticas de mercado de trabalho, como os conceitos de desemprego e informalidade.

De toda forma, com os dados iniciais, pode-se inferir que a reforma tem impactado setores marcados por baixos salários e alta rotatividade, como o comércio, relegando os empregados desse setor a uma situação mais aguda de precariedade. Desde o início, críticos da reforma indicaram seu alto potencial de aumentar a desigualdade.

Por fim, não está provado que flexibilizar o mercado de trabalho, como realizado pela reforma, efetivamente gere empregos: o que os estudos mostram é que a geração de empregos está ligada ao crescimento econômico. Mas, com os gastos do governo engessados e o crédito escasso, o crescimento hoje no Brasil patina por depender quase que somente do consumo das famílias (e por isso obviamente do mercado de trabalho), que é justamente a variável que se queria ajustar em 2015 com o choque recessivo.

Crédito da foto da página inicial: EBC

Comentários

13 respostas para “Seis meses de reforma trabalhista: um balanço”

  1. Avatar de Provitamon
    Provitamon

    Thanks a lot for the article post.Much thanks again. Fantastic.

  2. Avatar de José Alves da Rocha Junior
    José Alves da Rocha Junior

    A reforma trabalhista foi tímida, e colocou o Brasil mais próximo das leis trabalhistas do mundo desenvolvido.
    O texto tenta demonstrar que a reforma não teve impacto positivo nenhum para as relações do trabalho. Pelo contrário deixa a entender que a reforma foi negativa.
    Com isso parece que a situação anterior da legislação trabalhista não devia ser alterada por ser boa.
    Então como explicar:
    1 – que o trabalho formal, onde todos os direitos descritos na legislação são garantidos, atinge apenas 45% dos trabalhadores?
    2 – que 80% de todas as ações trabalhistas do mundo estão no Brasil?
    3 – que a justiça trabalhista custa, anualmente, mais que o dobro do total de indenizações garantidas nas ações?
    Se alguém acha mesmo que uma reforma tem que garantir mais direitos apenas, deve repensar se não está fazendo análise com viés puramente ideológico.

    1. Avatar de Luiz Felipe
      Luiz Felipe

      Não sei de onde você tirou seus dados. Os dados que tenho apontam exatamente para o contrário de que você falou. Dizer que 80% das ações trabalhistas no mundo são do NBrasil é de uma idiotice sem precedentes. Você está repetindo o que o imbecil do Barroso disse sem nenhum compromisso com a verdade. Ele não disse para você que nos EUA não tem Justiça do Trabalho. Lá, as ações trabalhistas são julgadas pelo magistrado comum, não computando reservadamente como ações trabalhistas. Em vários países não tem Justiça do Trabalho, sendo as ações trabalhistas realizadas pelos magistrados comuns. Dessa forma, você pode ver a ignorância que foi dita. De mais a mais, em nenhum lugar do mundo os empresários descumprem as normas como aqui. Trabalho na Fiscalização do Trabalho e diariamente vejo essas atrocidades.

      1. Avatar de BRYAN MARINHO HALL
        BRYAN MARINHO HALL

        Vê atrocidades….. isso não significa que é a legislação que será o salva guarda protetivo. Na verdade o trabalho de fiscalização é o único remédio contra ações abusivas (e, nesse aspecto, o seu trabalho é necessário – muito mais que qualquer lei), e não um pedaço de papel. Achar que uma lei favorece a condição do trabalho é tão inocente quanto achar que o desarmamento diminui o crime. Concordo integralmente com causas trabalhistas serem levadas à juízo comum. São problemas contratuais entre duas partes, isso é direito privado. Só cabeça comunista pra pensar na classe trabalhadora como uma massa amorfa, seguindo os dizeres de seus sempre iluminados líderes.

  3. […] Um balanço sobre os seis meses da reforma trabalhista (11 de novembro a 11 de maio), realizado pelos economistas Barbara Vazquez, Euzebio de Sousa e Ana Luiza Oliveira, foi divulgado no último dia 21 no site Brasil Debate. […]

  4. Avatar de BRYAN MARINHO HALL
    BRYAN MARINHO HALL

    Vou te contar… com economistas tão profundamente ligados à dialética de classes, não dá nem pra terminar de ler o primeiro parágrafo. “À época da tramitação da reforma no Congresso Nacional, argumentava-se que ela traria maior segurança jurídica para os empregadores, o que equivaleria a dizer menor segurança jurídica aos empregados.” Não existem dois arcabouços legais, um pra empregado e outro pra empregador. Todos estão submetidos às mesmas leis. Segurança jurídica significa apenas que a interpretação da lei é coerente, concisa e tradicional, e que possíveis modificações tanto no texto quanto no entendimento tem baixíssima probabilidade. Não dá pra concordar mais com Roberto Campos quando ele dizia que deveríamos acabar com a faculdade de economia da UNICAMP, antes que ela acabasse com o Brasil. E o que mais me entristece: óbvias meias-verdades, meticulosamente costuradas para dar a sensação de ciência, financiadas com dinheiro público.

    1. Avatar de felipe
      felipe

      Falou tudo.

      Além disso, a conclusão de que o aumento de empregos intermitente está “relegando os empregados desse setor a uma situação mais aguda de precariedade” pode ser falsa no sentido de que está se diminuindo a informalidade em vez de diminuindo a formalidade.

      Muito ruim o estudo, que não leva a conclusão nenhuma, uma vez como eles mesmo comentaram, a situação econômica do país tem muito mais impacto no nível de empregos do que qualquer outro fator.

  5. […] Vallejos Vazquez, Euzebio Jorge Silveira de Sousa e Ana Luíza Matos de Oliveira, no Brasil Debate | Imagem: Roberto Mansi, Trabalhadoras que Esperam […]

  6. […] Por fim, não está provado que flexibilizar o mercado de trabalho, como realizado pela reforma, efetivamente gere empregos: o que os estudos mostram é que a geração de empregos está ligada ao crescimento econômico. Mas, com os gastos do governo engessados e o crédito escasso, o crescimento hoje no Brasil patina por depender quase que somente do consumo das famílias (e por isso obviamente do mercado de trabalho), que é justamente a variável que se queria ajustar em 2015 com o choque recessivo. (Do Brasil Debate) […]

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