Reduzir o tempo de campanha é ruim para a democracia

No meio da reforma política conservadora aprovada na Câmara dos Deputados, sob a liderança de Eduardo Cunha, um ponto muito preocupante não está recebendo atenção dos setores mais progressistas do Brasil. Trata-se da redução de 90 para 45 dias do tempo de campanha eleitoral, nas ruas e nas redes. Também foi aprovada pela Câmara a redução do tempo de propaganda eleitoral gratuita (gratuita para os candidatos, porque para o Estado não é) de 45 para 30 dias.

Para ambas as medidas, o argumento foi a redução de custo das campanhas. Mas é preciso separá-las: uma coisa é reduzir o tempo que o Estado vai pagar para os candidatos poderem se expressar na televisão em rede nacional. Outra coisa é proibir todos os candidatos de fazerem qualquer tipo de campanha nas ruas e nas redes.

Essa segunda proibição é especialmente séria, porque reduz o tempo para o livre debate de argumentos e propostas, prejudicando o aprofundamento dessa argumentação e a circulação o mais ampla possível das informações, para um melhor embasamento do voto. Assim, campanhas mais curtas favorecem as candidaturas mais conservadoras, pois há mais dificuldade para se chegar à verdade e aos diagnósticos dos problemas e soluções.

É verdade que a medida ainda teria que ser aprovada no Senado para entrar em vigor, mas pelo andamento do assunto na Comissão da Reforma Política do Senado e entre os senadores em geral, parece não haver muita preocupação com a medida, sendo que talvez haja até uma ligeira simpatia, não necessariamente à redução para 45 dias, mas talvez para 60 dias de campanha.

Além disso, essa mudança não é constitucional, e por isso precisa de um número menor de votos para ser aprovada. O fato é que não parece haver no Senado a percepção majoritária de que qualquer redução no tempo de campanha é uma redução na qualidade da democracia brasileira.

Não é à redução do tempo de televisão que estou me referindo, que talvez até possa ser reduzido, e sim à campanha sem interferência ou gasto do Estado, nas ruas e nas redes.

O gasto do Estado nas campanhas é um tema importante, mas não pode ser confundido com a campanha livre, popular, nas ruas e nas redes, que não exige necessariamente dinheiro, mas disposição voluntária das pessoas. Essa campanha é umas das propriedades mais valiosas de uma democracia, e seu tempo não pode ser sacrificado para se reduzir o valor gasto nas campanhas, uma vez que isso pode ser alcançado com a colocação de um teto razoável, por exemplo.

Aliás, o fato de a campanha ser proibida fora desses 90 dias, apesar de fazer parte da nossa cultura e da nossa história, pode ser questionado também. Por que mesmo impedimos a campanha a qualquer tempo? Qual é a vantagem de proibir esse debate?

Proibir o debate de um assunto sempre tem um lado ruim para a democracia, e por isso essa proibição tem que ter um forte lado bom para justificá-la.

Qual é o lado bom de proibir uma pessoa ou partido de fazer campanha fora desses 90 dias? Redução da influência relativa do poder econômico? Ao contrário, pois a campanha existe dia e noite, ela não para nunca, seja nos meios de comunicação, seja na pressão dos setores econômicos e organizações sociais.

A única coisa que se consegue proibindo a explicitação da campanha é mantê-la implícita, dificultando que seja analisada em maior profundidade, o que – novamente – favorece as candidaturas mais conservadoras. Vale lembrar que o nosso Código Eleitoral básico é de 1965, um ano depois do golpe de Estado que acabou com a democracia brasileira.

O progressismo brasileiro esteve concentrado nos últimos meses em algumas pautas conservadoras vindas da Câmara dos Deputados, mas alguns pontos passaram batidos, como essa redução do tempo de campanha e o fim da reeleição, sendo que este último reflete o pavor do conservadorismo brasileiro de ter mais dois mandatos de Lula depois de Dilma, ficando assim o progressismo 24 anos seguidos encabeçando o governo federal (ainda longe, entretanto, dos 38 anos seguidos que o conservadorismo esteve nessa situação anteriormente, de 1964 a 2002).

O PT e o progressismo brasileiro em geral têm um trauma com a reeleição pela forma como foi aprovada no Brasil, nos anos 1990. Mas a razão profunda pela qual a reeleição deveria ser permitida, inclusive indefinidamente, é a mesma que se aplica ao tempo de campanha: sem reeleição, a máquina do Estado pode ser usada do mesmo jeito, mas de forma mais disfarçada, pois “não é para o mesmo candidato”.

Ou seja, ao ser mais disfarçado, o uso da máquina do Estado é mais dificilmente discutido, favorecendo – novamente – as candidaturas mais conservadoras.

Crédito da foto da página inicial: Elza Fiúza/ABr

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