A crescente incerteza em relação às perspectivas econômicas provoca uma queda na propensão a consumir, face à necessidade de um aumento da poupança para investimentos financeiros planejados, e uma maior demanda por ativos seguros para proteção da riqueza financeira já acumulada. Como não se adiciona valor novo, a disputa passa a ser por ativos já existentes.
O caminho natural, por exclusão da renda fixa com baixos juros, tem sido maior demanda por ativos de risco, como ações, debêntures, high yield e imóveis. Estes ativos, após anos de afrouxamento monetário e juros baixos, firmaram tendência firme de alta das cotações, embora seus preços já se encontrem em patamares recordes.
A recomendação é a compra de ativos capazes de manter seu valor mesmo diante de uma depreciação da moeda pela qual são cotados. Preferencialmente, se tiverem alguma limitação de oferta, o choque de demanda inflará as bolhas de ativos por mais algum tempo. São ativos propícios à especulação as ações de empresas com algum poder de imposição de preço ou rendimentos previsíveis e recorrentes, por exemplo, recebíveis de companhias de eletricidade ou outras concessionárias de serviços de utilidade pública sem os quais não se vive. Também interessam os imóveis em locais onde a oferta não possa ser facilmente expandida, bem como outros ativos existentes, cuja oferta não seja infinita, como ouro e determinadas commodities.
Lembrando do Modelo de Dois Preços de Hyman Minsky, nesses casos, o ganho de capital pelo aumento do valor de mercado do existente torna-se superior à rentabilidade esperada da produção de novo. A inflação de ativos supera a inflação corrente, devido à especulação com ativos existentes, por exemplo, imóveis usados.
Caso a inflação de ativos contamine as demais formas de manutenção de riqueza, inclusive a financeira, elevando os juros de mercado, o custo do serviço da dívida pode se tornar superior à rentabilidade esperada, seja com o aluguel, seja com o ganho de capital com a venda do imóvel. Agrava-se a fragilidade financeira do devedor em busca de maior rentabilidade patrimonial via alavancagem com recursos de terceiros.
A reversão de expectativas precipita a crise financeira. Sem refinanciamento das dívidas no futuro, há deflação de ativos, caindo em ritmos distintos, tanto o preço médio de imóveis novos, quanto o de usados. Cai até o ponto dos preços destes se tornar superior aos dos primeiros, valendo a pena voltar a construir novos imóveis.
Nesse período de crise imobiliária, inclusive com uma onda de distratos dos contratos de compras já contabilizados, em geral, ocorre um processo de fusões das incorporadoras e/ou de vendas/aquisições dos ativos existentes. Em termos marxistas, esta é classificada como “a fase de queima do capital excedente”. Quando, novamente, há aumento do preço de demanda (imóveis usados) e ele se torna superior ao preço de oferta (imóveis novos), volta o investimento em ativos novos, ou seja, há retomada do crescimento econômico com geração de empregos e renda.
Hoje, as ações já estão supervalorizadas. Os preços estão excepcionalmente elevados face a fundamentos como o volume de vendas e os dividendos pagos pelas empresas. Dificultam ganhos de capital em função de variações do valor de ativos. Há pessimismo em relação ao Produto Interno Bruto, outro fundamento facilmente observado.
Ter de encarar o pagamento por dinheiro em caixa (depósitos voluntários) como um custo pela segurança acontecerá com os depositantes no varejo bancário? Por que os investidores com excesso de liquidez não deveriam pagar para ter dinheiro armazenado? Eles já́ fazem o mesmo para guardar investimentos passionais, isto é, “movidos pela paixão de colecionadores de fortunas”.
Daí a dúvida: se é preciso pagar para manter dinheiro no banco, por que não economizar e guardá-lo em casa? Resposta óbvia: por razão de segurança. Investidores institucionais e bancos optam por pagar pelo menor risco soberano ao fazerem depósitos voluntários em Banco Central.
A próxima recessão poderá se transformar, rapidamente, em um colapso deflacionário mundial. Isso exigirá uma mistura de política fiscal extrema e “dinheiro de helicóptero”, o que empurraria as taxas ainda mais para baixo. Pior, todo esse drama monetário pode ser facilmente agravado pela histeria geopolítica e pelo populismo de direita. Esses eventos políticos são mais facilmente enfrentados por países desenvolvidos com instituições democráticas sólidas. Não sabemos se é o nosso caso brasileiro.
Daí pessoa física pensa em alternativas para preservação de sua riqueza financeira para a aposentadoria. Procurar um bom cofre para comprar? Se é preciso pagar para manter seu dinheiro no banco, por que não economizar um pouquinho e guardá-lo em casa? Ou investir em fundos de renda fixa com risco soberano, embora com juros negativos?
Em um mundo cheio de dívidas, ou seja, ainda em fase de desalavancagem financeira, e com envelhecimento das populações, as taxas de retorno provavelmente continuarão a cair por conta de os preços dos títulos subirem. Se, finalmente, a inflação for desencadeada aparecerá o risco de eutanásia dos rentistas: a inflação superar os juros prefixados até o vencimento da aplicação.
Sobre as possíveis consequências desse quadro nas finanças pessoais, primeiramente, será necessário mais dinheiro para se aposentar. Um fenômeno de “ilusão de riqueza” foi criado pelo ambiente de juro real mais alto, experimentado na geração anterior.
O problema nem é tanto o dos juros reais, ou seja, da evolução do poder aquisitivo. Só interessa caso a riqueza for sacada para o consumo. O maior problema é mesmo a queda dos elevadíssimos juros nominais em vigor no Brasil desde os anos 90. Eles colaboravam para a rápida acumulação financeira. O país sempre esteve no ranking mundial como o mais alto. Agora, fixado em 5,5% aa, o Brasil passou para 59º lugar, abaixo do México, Rússia, África do Sul, entre outros. No BRICS, supera a Índia (64º com 5,4%) e a China (81º com 4,25%).
De acordo com o algoritmo denominado “1-3-6-9”, variando a renda anual por esses múltiplos a cada dez anos, desde os 35 anos, ele sugere acumular, para manter o padrão de vida (ou de consumo) na aposentadoria, nove vezes a remuneração anual aos 65 anos. Com esse valor, é possível um saque mensal por cerca de vinte anos (240 meses) no mesmo valor presente da receita total líquida, considerando juros de 0,5% a.m. capitalizando a sobra. Porém, os juros atuais já estão abaixo desse “juro de poupança”.
O mundo rico ainda continua na situação mais endividada de sua história. Lá como cá, os governos permanecem com a relação dívida/PIB em máximas históricas e também com déficits primários. As famílias e empresas de todo o mundo rico estão ainda com estoques de dívida enormes. Em geral, estão acima de 100% do PIB nos países desenvolvidos, apesar de alguma desalavancagem financeira ter ocorrido desde de 2008.
Daí os juros não sobem, porque o peso dessa dívida gigante dificultaria ainda mais o crescimento das economias ricas. Sem crescimento capaz de ocupar a capacidade produtiva ociosa não há pressão inflacionária – e sem inflação não há elevação de juros.
A globalização comercial e a fragilidade do poder de barganha sindical também contribuem para a manutenção da inflação sob controle. Em um sistema extremamente alavancado, como o atual, os Bancos Centrais receiam elevar as taxas de juros de curto prazo acima das longas, sinalizando recessão.
Hoje, mais de US$ 17 trilhões em títulos públicos e privados oferecem rendimento negativo, em cenário de elevada incerteza, desaceleração do crescimento mundial e mudanças demográficas e tecnológicas. Esse quadro levanta dúvidas sobre a eficácia da política monetária para combater a próxima recessão global, porque as taxas de juros já estão baixas demais. Em cenário de juros muito baixos ou negativos, caso haja uma piora acentuada da atividade econômica, a política monetária vai precisar de uma ajuda da política fiscal nos países onde há ainda sensibilidade política dos economistas para isso.
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