Precarização por quê? Um comentário sobre a terceirização do trabalho

A PL 4330 prevê a terceirização das atividades fim das firmas do setor privado. Há dois lados em debate. O lado pró enxerga na terceirização a possibilidade de elevação da eficiência produtiva, pela tendência à maior especialização do trabalhador, pois vinculado a firmas de prestação de serviços específicos. Isso possibilitaria aumento da divisão do trabalho e da perícia envolvida.

Essencialmente, portanto, defende os possíveis impactos positivos na produtividade da mão de obra que, no Brasil, é tida como baixa e, por isso, um dos principais redutores da competitividade da indústria e da economia.

O aprofundamento da especialização/produtividade também aumentaria a concorrência entre as empresas prestadoras de serviços, reduzindo os custos que elas representam para as empresas contratantes, que passam a ter opção de escolha sempre pela opção mais barata. Isso ocasionaria maior flexibilidade dos arranjos produtivos, melhorando o ambiente de negócios e eliminando as “travas” que brecam os empresários em novos investimentos num cenário de incerteza como o nosso.

O lado contra entende que o problema mora justamente na redução dessas “restrições” à contratação de mão de obra, procurando entender porque elas seriam importantes. Compara estatisticamente o salário e a jornada do trabalhador terceirizado com o padrão, apontando que os terceirizados recebem em torno de 30% menos e trabalham em torno de 3 horas a mais que os outros (DIEESE).

Por isso, a terceirização tenderia a reduzir o número de empregos, já que menos pessoas são necessárias para a mesma produção. Aponta para a maior incidência de acidentes de trabalho porque as firmas terceirizadas não possuem o mesmo porte e condições tecnológicas, econômicas e de fiscalização das firmas maiores.

Daí também que seus trabalhadores possuem mais dificuldades para pressionar por benefícios legais, geralmente não se encontrando amparados por sindicatos. Essencialmente, portanto, são trabalhadores que custam menos porque têm menos mecanismos de proteção (social, sindical, jurídica, segurança no trabalho) incorporados aos seus salários.

Os defensores da terceirização, entretanto, alegam que, como os benefícios da CLT estão mantidos no projeto, não haveria razão para a precarização do trabalho. Logo, a pergunta central deste debate é: afinal, a terceirização precariza o trabalho?

Antes de considerar a CLT, é preciso ficar claro que a PL 4330 prevê explicitamente a possibilidade de terceirização não apenas pela contratante original, mas também pela firma contratada, ou seja, uma espécie de quarteirização que pode também se estender para uma quinterização etc.

Além disso, devemos separar a noção de empregado, contida na abordagem convencional, da noção de prestador de serviço, contida na abordagem pela terceirização. Como esta última está associada à flexibilidade e à liberdade que o trabalhador passaria a ter sobre a alocação do seu trabalho, isso lhe conferiria uma condição de “empreendedor individual”. Nesta, ele estaria livre para oferecer os seus serviços no mercado, pelo salário oferecido, supostamente associado à sua produtividade. Já o empregado formal precisaria se “submeter” a uma extensa legislação trabalhista que oneraria seu salário para além da sua produtividade, dificultando a conquista de um emprego.

Entendidos esses pontos, pensemos sob a lógica concorrencial dos mercados: se eu represento uma firma terceirizada e meus concorrentes também e, mesmo que nós dois precisemos manter a CLT para nossos trabalhadores, aquele de nós que de alguma forma conseguir reduzir algum custo ganhará a concorrência.

Qualquer redução marginal importa para a contratante. Mas qualquer redução marginal minha pode ser contra-atacada por outra redução marginal do meu concorrente e assim sucessivamente. É normal que a empresa queira reduzir seus custos, sempre que puder fazê-lo obtendo aproximadamente o mesmo volume de produto. Se a redução pudesse se dar com menores salários, isso não seria um problema para a firma e sim para o trabalhador.

Meus incentivos para piorar as condições ou a segurança do trabalho ou burlar algum benefício seriam grandes, porém contra a lei. Mas podem ser contornados: posso quarteirizar uma parcela desses serviços, subcontratando uma firma que me forneça trabalhadores mais baratos que os que posso manter.

Se a escolha do trabalhador for entre isso e nada, ele não aceitaria trabalhar por menos? Além do que, se ele não aceitasse, outro certamente aceitaria, então esta passa a ser a melhor opção dele. Assim, transfiro todo o meu problema social e jurídico para outrem. E essa lógica se estende às firmas quarteirizadas. Seu limite pode não ser claro, mas uma coisa é provável: tendência de aumento da jornada, redução dos salários ou piora das condições de trabalho, senão pela via legal, pela via corruptiva.

Chegamos noutro contra: tendência à corrupção, sonegação de impostos e negligência aos direitos trabalhistas, que geram queda da arrecadação do governo. Desnecessário mencionar os efeitos desastrosos disso no médio prazo sobre o crescimento econômico, ainda mais num país como o Brasil, que já vem adotando severas restrições fiscais. Estes são os aspectos econômicos da precarização da mão de obra. Mas há também aspectos sociológicos.

Um “empreendedor individual” nos moldes sugeridos concorre com o Estado na proteção social de que necessita para corrigir as distorções do mercado sobre si mesmo. Por exemplo, num mercado desregulado, qualquer alteração de produtividade pode causar demissão. Isso não seria nenhum problema se o cidadão dispusesse, individualmente, de mecanismos de defesa satisfatórios enquanto estiver desempregado.

O problema é que a terceirização, ao desvincular os trabalhadores entre si e entre variados empregadores, dilui consigo sua noção de identidade coletiva, seus vínculos de solidariedade e sua própria compreensão do valor relativo de seu trabalho, assim como os direitos e deveres que lhe devem ser atribuídos.

De fato, causa uma grande desorganização da mão de obra, com patrões e salários diferentes em um mesmo local, de forma a tornar inexequível a compreensão sobre benefícios legalmente cabíveis; afinal, o que cabe a quem, se cada um é diferente e não há métricas consensuais? E como identificar os erros e acertos no processo de trabalho sem reunir e discutir a experiência coletiva (greves, por exemplo)?

Não é nivelando por baixo, tornando todos terceirizados e reduzindo o custo empresarial, via mercantilização da condição humana, que vamos resolver dois problemas: o do amparo legal inadequado para aqueles que já são terceirizados e o do baixo dinamismo empresarial brasileiro. Isso, na verdade, só gera um terceiro problema.

Imagem da página inicial: “Operários”, de Tarsila do Amaral (1933)

Comentários

9 respostas para “Precarização por quê? Um comentário sobre a terceirização do trabalho”

  1. Avatar de Elen Weiss
    Elen Weiss

    Artigo esclarecedor para todos que desejem entender melhor esta questão tão crucial para o trabalhador brasileiro.

  2. Avatar de Sergio Telles
    Sergio Telles

    Parabéns Dra. Vivian! Inteligência a serviço do Brasil! Estamos precisando, tem muita gente remando contra se vendendo ao capital que não possui solidariedade nem pátria.

  3. Avatar de Paulo Viana
    Paulo Viana

    Muito bom o artigo. Discute claramente as vantagens e desvantagens e principalmente os desdobramentos focados para a realidade do Brasil. Na minha opinião a teoria que a terceirização é uma boa prática administrativa, pra mim traz a tona a incompetência administrativa. Gerenciar pessoas faz parte de empreender e precisar de uma pessoa em tempo integral na sua empresa é bem diferente de precisar de uma prestação de serviços ocasional.

  4. Vivian Garrido Moreira
    Vivian Garrido Moreira

    Agradeço pelos comentários. O mais importante é tornar este debate o mais esclarecido e o mais público possível. Isso fortalece a participação popular, um passo imprescindível para a democracia brasileira.

  5. Avatar de Mogiseno
    Mogiseno

    Boa tarde senhores,

    o artigo trata do tema com um olhar econômico e social. Nesse sentido, a abordagem me pareceu bem ponderada e sincera por parte da autora.

    Todavia, agora é tarde…

    Isso porque, toda e qualquer análise econômica e social ocorre ANTES da elaboração do projeto. Ou seja, o projeto já está ai transitando pelas casas legislativas em busca de aprovação.

    Aliás, deram encaminhamento ao projeto ao arrepio de diversas opiniões econômicas, sociológicas e até mesmo jurídicas.
    É certo que acataram uma pequena modificação para os celetistas de empresa pública e economia mista. Mas pararam por ai.

    E o papo furado de insegurança jurídica ou de definição de direitos para os trabalhadores já terceirizados não engana ninguém, exceto, os otários.

    Mais cuidado pessoal! Já conseguiram aprová-lo na principal casa legislativa do Brasil que é a câmara federal.

    Alguns vão dizer: mas agora está no Senado e, portanto, ainda não foi aprovado.
    Sim, está certo. Mas, para que tem alguma noção de como funciona o processo legislativo brasileiro, saberá perceber a “malandragem” que vem ocorrendo. Notem bem: agora, ou o Senado arquiva o projeto, ou propõe alguma modificação. Ocorre que pelo que se percebe o Senado Federal pretende modificá-lo e não, arquivá-lo. Porém, se houver modificações este projeto volta para a Câmara. E esta casa pode, simplesmente, desconsiderar todas as alterações propostas pelo Senado e encaminhá-lo, exatamente como foi aprovado, para a sanção ou veto da presidência da república.
    Alguns, menos atentos, vão dizer: mas a presidência poderá vetá-lo. Sim, é verdade. Mas é verdade também que o veto pode ser derrubado publicando-se uma lei , exatamente de acordo com o projeto original já aprovado na Câmara.
    E como dito, o debate ( ou a falta de debate, melhor dizendo) sobre questões econômicas e sociais na câmara já ocorreu.

    Um debate típico dos adoráveis representantes que só representam seus umbigos!

    Eis o jogo político brasileiro!

    Uma enganação que fomenta a eterna ignorância dos eternos mentecaptos que vivem como gados!

    Noutra linha, vale dizer que terceirização no Brasil já não é de hoje.
    Na própria CLT já há sinais terceirizantes com a empreitada e sub empreitada. Não é mais é.
    Antes disso, já temos ai, rolando solto a “PJtização” . Total desrespeito ao direito fundamental que é o trabalho no Brasil.

    Efetivamente, já na década de 1970 surge a terceirização , com a onda do Keynes está morto! e a propagação do novo liberalismo que de novo nada tem.

    Relembrando: “No longo prazo todos nós estaremos mortos”.

    Só que agora querem matar o seu direito no curto prazo!
    No curto, não se engane, seus direitos morrerão também com este projeto absurdo proposto pelos “senhores de engenho” em pleno século XXI.

    A “casa grande” em sua versão XXI, ao arrepio de Piketty!

    Ora, se querem mudar as regras do jogo que mudem a constituição da república brasileira, sem fazer “puxadinhos”.

    Dito isso, volto ao início. Volto, especificamente, a tal de produtividade.

    O tema “Produtividade no Brasil” é mais uma baboseira que deve se incluída no conjunto das baboseiras brasileiras. Neste conjunto de baboseiras cito alguns elementos pertinentes:

    Baboseira da Educação, baboseira do desenvolvimento ou nacional desenvolvimentismo com ou sem ” substituições de importação”, baboseira da proteção do meio ambiente e também a baboseira da “defesa do consumidor idiota”!

    Tudo isso é tratado de forma estúpida neste país de falácias com a ajuda daquela famigerada voz grave “das oito”.

    Vejamos um exemplo recente:

    Os códigos florestais no brasil são ótimos. São de “primeiro mundo”. Todavia, apenas são ótimos enquanto estão se empoeirando na prateleira e no escuro. Quando começam a funcionar pra valer vem um “representante” desta república democrática furada e propõe alguma mudança em prol do “desenvolvimento”, isto é, do seu umbigo! É o que aconteceu, recentemente.

    Por fim, entrem no sítio do Senado e digam NÃO ao projeto. Mas o não quer dizer: arquivem o projeto! Esse é o ponto!

    E quanto aos interesses sindicais… francamente.
    Muita coisa precisa ser resolvida neste país cuja revolução capitalista, dizem, ocorrera logo ali, em 1930.

    Saudações

    Tratar

  6. Avatar de ZENIO SILVA
    ZENIO SILVA

    Perfeito o raciocínio, a despeito de solucionar um problema (!?), estamos criando outros. Isso está claro, só não vê os de má fé que “ignoram” a precarização das relações de trabalho existentes. Se, realmente, não haverá a, no meu entender, inevitável redução dos salários dos terceirizados de onde virá a economia decorrente da terceirização. A alegada produtividade não decorre da forma jurídica da contratação da mão de obra, nem aqui e nem na China!

  7. Avatar de Eduardo
    Eduardo

    Não é uma análise um tanto superficial para um sistema que envolve muito mais variáveis? Eu comparo essas análises de “tema proposto para redação” (eu sei, não é um TCC) como tentar prever se vai chover ou não, apenas olhando para o céu. Que tal levantar todas as variáveis microeconômicas (um trabalho medonho) e joga-las em um software de análise de sistemas dinâmicos para tentar criar uma “previsão do tempo” mais elaborada? Análises de visão macro ignoram tantas variáveis que eu não me atrevo a aventuras de bola de cristal. Talvez observar sistemas parecidos ao redor do mundo e como eles se comportam também ajude na análise. Sei lá… o tema é importante demais para conclusões precipitadas, concorda?

    1. Vivian Garrido Moreira
      Vivian Garrido Moreira

      Oi Eduardo. O que você falou é muito válido, mas acho que não se aplica bem ao texto. Primeiro porque se trata de um texto de caráter jornalístico, publicado num blog informátivo cuja exigência é de não ultrapassar uma página e meia aproximadamente. Seria impossível análisar como um artigo científico sequer uma variável relevante, quanto mais tantas! Mas em segundo lugar, acho que é importante dar à análise micro e à macro suas respectivas aplicações. Você está sugerindo uma análise micro num texto cujo objetivo é trabalhar, em geral, um aspecto macro. E acho que se tratam de dois trabalhos diferentes, não só na metodologia, mas nos objetivos.Se macro não fosse importante, não deveria sequer existir porque poderia-se entender, por definição, que o todo é sempre a soma das partes. Na matemática euclidiana pode até ser, mas em economia, a falácia da composição pode ser observada em inúmeras situações. Os aspectos e o prisma a partir do qual eu estou observando o problema tratado no texto se aplicam aos trabalhadores enquanto classe, ao jogo político desta classe com a empresarial e também à relação disso com as políticas públicas.

  8. Avatar de Damaris
    Damaris

    Muito boa a colocação. O que se pretende na verdade é desmobilizar o trabalhador, pois organizados não se sujeitam aos caprichos do mercado.O mercado vislumbra apenas o lucro. Trabalhador, que se dane….

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