Por que o SUS não pode perder R$ 35 bi em 2021, em meio à pandemia?

O objetivo deste texto é subsidiar a resposta para a pergunta expressa no título. Entre 2020 e 2021, com a retomada da Emenda Constitucional nº 95, de 2016, o orçamento federal de ações e serviços públicos de saúde deve perder cerca de R$ 35 bilhões. A conta é simples, resultado da diferença entre os valores autorizados em 2020,[1] inclusive os créditos extraordinários da pandemia (R$ 159,2 bilhões), e o piso congelado da EC 95 para 2021 (R$ 123,8 bilhões), dado pelo piso de 2020, acrescido da inflação de doze meses até junho de 2020 (IPCA de 2,13%).

A larga diferença de valores entre 2020 e 2021 é explicada a partir da comparação entre as regras de gasto: em 2020, a ampliação do orçamento de saúde – apesar de cerca de metade dos recursos extraordinários ainda não ter sido paga – foi autorizada e viabilizada pela suspensão das regras fiscais por meio do Decreto Legislativo nº 6, da Emenda Constitucional nº 106, ambos de 2020, e pela não contabilização dos créditos extraordinários no teto de gastos.[2]

A proposta orçamentária de 2021, que será entregue ao Congresso Nacional no fim deste mês de agosto, tem como base o limite global de despesa da EC 95 e, especialmente, o congelamento do valor mínimo obrigatório de saúde no piso de 2017. É o rebaixamento do piso que permite que a saúde seja instrumento no curto prazo de ajuste da despesa ao teto (estimado em cerca de quatro pontos do PIB até 2026, fora o Regime Geral da Previdência Social – RGPS).

Por essa razão, estamos de acordo com a Petição Pública lançada pelo Conselho Nacional de Saúde no dia 11 de agosto e defendemos um piso emergencial de R$ 168,7 bilhões para o SUS em 2021, evitando a redução do seu orçamento em R$ 35 bilhões (veja aqui). [3] Mas por que o SUS deve manter, no mínimo, estes R$ 35 bilhões para o próximo exercício?

A tabela a seguir compara as dotações da Lei Orçamentária Anual (LOA) entre 2018 e 2021 e o valor necessário para recompor o orçamento autorizado do exercício anterior, de acordo com a inflação e o crescimento da população. Vale dizer, para o ano de 2020, não são computados os recursos adicionais, já que partimos dos valores autorizados na LOA, desconsiderando autorizações extraordinárias associadas à pandemia.

Se o orçamento da saúde observasse ao menos a manutenção do patamar orçado no ano anterior seriam necessários mais R$ 36,7 bilhões para o setor entre 2018 e 2021. Isto é, estabelecer uma regra orçamentária que defina um piso emergencial para 2021 e evite a perda de R$ 35 bilhões em relação a 2020 apenas repõe os valores que seriam necessários, entre 2018 e 2021, para manter o orçamento da saúde constante em relação ao ano anterior, levando em conta a inflação do setor saúde e o crescimento da população.

Evitar a perda de R$ 35 bilhões na Lei Orçamentária de 2021 é fundamental, mas sequer resolveria as pressões por crescimento real dos gastos de saúde, tanto estruturais, como a transição demográfica e epidemiológica e mudanças tecnológicas, como conjunturais, em função da demanda represada por procedimentos durante a pandemia e o desemprego.

Neste último caso, vale lembrar, apenas no segundo trimestre de 2020, foram perdidas, segundo dados da PNADC/IBGE, 8,9 milhões de ocupações em relação ao trimestre anterior, o que reduzirá o acesso à saúde suplementar e pressionará ainda mais o SUS. Além disso, o setor saúde representa, segundo a Conta-Satélite de Saúde do IBGE, cerca de 10% do PIB da economia brasileira e tem papel central na retomada da economia.

A pandemia reforçou o papel do SUS para salvar vidas e produzir maior igualdade no acesso à saúde. Mesmo diante do subfinanciamento crônico (o setor público gasta R$ 3,60 per capita/dia para garantir da vacina ao transplante para 210 milhões de brasileiros) e da retirada de recursos do SUS pela EC 95, foram abertos mais de 11 mil leitos durante a pandemia, com destaque para os gestores estaduais e municipais de saúde.

O Congresso Nacional não pode ficar de costas para os anseios da sociedade. Reconhecer a importância do SUS requer, no curto prazo, a aprovação de um piso emergencial para 2021, que evite as perdas bilionárias relativamente a 2020, fruto da retomada da EC 95 e do congelamento em termos reais do valor mínimo obrigatório de aplicação, num momento em que o país requer mais serviços públicos de saúde, tanto por razões sociais como econômicas.

Crédito da foto da página inicial: Brasil 61


[1] Não considera crédito extraordinário de aproximadamente R$ 2 bilhões para o desenvolvimento de vacina da Covid-19, editado recentemente.

[2] Independente das consequências da Pandemia, entre 2018 e 2020, nós demonstramos em outros textos que a saúde perdeu R$ 22,5 bilhões em razão da EC 95, cf. https://diplomatique.org.br/o-teto-dos-gastos-e-o-desfinanciamento-do-sus/.

[3] http://cebes.org.br/2020/07/para-nao-morrer-resistir-e-preciso-o-futuro-comeca-agora/


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4 respostas para “Por que o SUS não pode perder R$ 35 bi em 2021, em meio à pandemia?”

  1. […] 21 de agosto de 2020 Facebook Twitter Pinterest WhatsApp Por Bruno Moretti, Carlos Ocké e Francisco Funcia no site Brasil Debate: […]

  2. […] R$ 35 bilhões. A conta é simples, resultado da diferença entre os valores autorizados em 2020 [1], inclusive os créditos extraordinários da pandemia (R$ 159,2 bilhões), e o piso congelado da EC […]

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