Para muitos observadores, parece paradoxal a atitude da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo diante dos eventos políticos que sacudiram a democracia brasileira. Ao apoiar o golpe e demais medidas ortodoxas na economia, a Fiesp pareceu corroborar para o fracasso da própria indústria no país.
Ou seja, medidas que limitem gastos públicos destroem a demanda efetiva que pode ser capturada pelas firmas não financeiras na forma de receitas adicionais. Quanto maior o gasto, maior o emprego. Maior o emprego, maior o faturamento das empresas. Maiores faturamentos, lucros mais elevados e, portanto, mais acelerado o processo de acumulação.
O objetivo do presente artigo é mostrar por que a Fiesp trabalha para diminuir o ritmo de acumulação de seus associados industriais. De onde vem o interesse no Golpe que, em última instância, persegue como objetivo implementar agenda econômica neoliberal?
A resposta vem do modo de operação do capitalismo no Brasil desde o início dos anos 1990. Bancos e firmas industriais aproveitam-se dos diferenciais criados entre a taxa de juros brasileira e as taxas de captação em dólares para aqueles com atuação internacional.
No caso das firmas industriais com receitas em dólares, principalmente, desde há muito se tornou inevitável o “endividamento excessivo” para se viabilizar operações de tesouraria bem mais rentáveis que as precárias operações industriais que justificam a existência das firmas! Ou seja, as receitas financeiras obtidas em fundos de investimento, em Reais, mais que compensaram a queda nas receitas com mercadorias. Na prática, as firmas industriais com acesso a linhas em dólares foram se tornando progressivamente firmas híbridas, nas quais a função industrial se tornou menos importante que a gestão das finanças de curto prazo.
Na Figura 1 é possível se perceber o quanto cresceu o endividamento de bancos e firmas não industriais durante todo o ciclo político do PT (2003-2015). O montante de empréstimos intercompany mostra subsidiárias brasileiras de firmas industriais estrangeiras se alavancando com vistas ao aproveitamento de operações financeiras de curto prazo. Trata-se de firmas com ramificações e holdings internacionais, o que as permite acesso a linhas externas baratas de médio prazo.
Fonte: Banco Central, elaboração própria
Com a desvalorização do Real perante o dólar observada entre meados de 2014 e meados de 2015, o endividamento externo de bancos e firmas industriais elevou-se substancialmente. Não por efeito de aceleração na entrada de recursos, mas pela simples “marcação a mercado”.
As perdas incorridas com esta “pedalada fiscal” por parte das grandes firmas estrangeiras passaram a se avolumar, levando a protestos da Fiesp contra o governo Dilma. Cumpria-se levar o Real novamente à condição de sobrevalor, ainda que isso prejudicasse ainda mais a função industrial nas firmas no país.
Ocorre que a burguesia industrial brasileira, reduzidíssima nestes últimos cerca de 25 anos, fica em boa parte de fora desta festa financeira. O motivo é que não possui acesso direto a recursos baratos em dólares, dependendo dos bancos para repasses nem sempre tão “atraentes”.
Se tomado como referência o câmbio em dezembro de 2005, marcando-se o início do período Dilma, bem como os fluxos para liquidação de compromissos, podem-se estimar perdas (ou ganhos) decorrentes de flutuações cambiais para firmas endividadas em dólares.
Na Figura 2 pode-se perceber qual o tamanho das perdas incorridas por transnacionais como resultado do processo de alavancagem financeira em conjuntura de desvalorização cambial. Fica bastante claro que a Fiesp, e não apenas os bancos, possuíam razões de sobra para a implementação de política econômica que levasse o dólar novamente a valorizar-se. Como, aliás, tem acontecido desde o desfecho do golpe.
Fonte: Banco Central, elaboração própria
Desde dezembro de 2013 até a consumação do Golpe, quando o dólar voltou a se revalorizar, as perdas incorridas por bancos e transnacionais atingem cerca de 180 bilhões de Reais. Quantia mais que suficiente para justificar o enorme preço pago pela sociedade brasileira com o Golpe de 2015.
A estratégia do Governo para a atração de capital estrangeiro para o país tem como sustentáculo as elevadas taxas de juros, mas também inclui a entrada de recursos de longo prazo alocáveis em concessões públicas. A vantagem de aceleração do programa de concessões, bem como o fim do monopólio da Petrobras, reside em ancorar a valorização cambial em bases mais firmes, de maneira a diminuir a importância dos juros como estabilizador do câmbio.
Neste contexto, a própria Petrobras se beneficiou enormemente da valorização cambial e do fim dos ataques na imprensa à empresa desde implementado o golpe. A enorme dívida externa da petroleira foi reduzida em Reais e a perspectiva de ganhos bursáteis voltou ao coração da gananciosa elite entreguista brasileira.
Agora, esta estratégia só terá efeito em médio prazo se e somente houver garantias políticas, para o investidor estrangeiro, de que o neoliberalismo continuará hegemônico no país. Estas garantias políticas dificilmente poderão ser dadas se prevalecer a plena democracia no Brasil.
Ou seja, não se pode esperar que as eleições de 2018 venham a ocorrer em regime considerado democrático, prevalecendo-se a prisão e a perseguição de líderes que se oponham às políticas neoliberais.
Em síntese, o golpe teve forte componente de participação da Fiesp, que atuou em nome das firmas transnacionais no país para que o Governo implementasse políticas neoliberais que conduziram novamente à valorização do câmbio. A interrupção de perdas financeiras em firmas industriais e bancos mais do que compensou o custo incorrido com a disruptura política. Naturalmente, a soma só é positiva para um conjunto reduzido de interesses estrangeiros e patrimonialistas no país.
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