Publicado no blog Três Temas em 13-9-2016
Em tempos de paraolimpíadas no Rio de Janeiro, com várias questões circulando por aí, resolvi sair da inércia e acabar com o silêncio aqui no blog e dar uns “pitacos”.
Em primeiro lugar, os aspectos positivos dos Jogos. A invisibilidade sempre foi um dos maiores problemas enfrentados pelas pessoas com deficiência. Historicamente, esse grupo foi ignorado em diferentes sociedades e culturas, jogado “à sua própria sorte” (quando não, de forma deliberada, marginalizado e excluído). A deficiência era uma questão meramente individual e, apenas de forma gradual e irregular, foi sendo tratada como um tema coletivo, objeto da intervenção da sociedade e do Estado.
Eventos como as paraolimpíadas nos lembram, a todos, que as pessoas com deficiência estão vivas e ativas, não podendo ser esquecidas.
As trajetórias pessoais que aparecem nos Jogos Paraolímpicos são, desculpem o termo batido, exemplos de vida que podem estimular aqueles com ou sem deficiência. Eu mesmo, talvez influenciado pela correria toda de companheiros cadeirantes, deixei a “vagabundagem” de lado e essa semana consegui fazer exercícios caseiros de fisioterapia (a questão é durar; não posso parar quando acabarem as paraolimpíadas, né?). Se foi assim para mim, imagino o efeito positivo que pode haver naqueles que vivem parados ou reclamando da vida…
Isso dito, vamos aos pontos negativos.
A forma pela qual as trajetórias acima são retratadas, invariavelmente, reforçam estereótipos associados às pessoas com deficiência. Notadamente, a ideia de que se tratam de “cavaleiros do apocalipse”, “extraterrestres”, enfim, heróis! Tal forma de abordagem é muito comum e, ao longo do tempo, conviveu com outra em que, de maneira oposta, as pessoas com deficiência eram apresentadas como “fracas”, “inválidas” e/ou coitadinhas. Como diria o outro, nem uma coisa, nem outra, jacaré!
Há uma tremenda dificuldade, e talvez por essa questões culturais arraigadas não seja fácil mesmo, em apresentar as pessoas com deficiência enquanto, pausa, reflexão: simplesmente pessoas!
Outro aspecto em que, pelo menos do meu ponto de vista, as paraolimpíadas deixam a desejar é o esportivo, puro e simples. Juro que tentei acompanhar, mas domingo passado, por exemplo, certa hora estava passando: a final do US Open de tênis, Corinthians x Santos e jogos de futebol americano (NFL). Tudo bem que eu só passei raiva com o jogo do Timão (como perdeu gol no primeiro tempo!), mas, como fã de esportes, naquele momento as paraolimpíadas eram minha quarta opção. Mesmo rolando modalidades que eu gosto, como natação e atletismo, acho meio maçante pelo excesso de provas e alguns desequilíbrios flagrantes na competição, em que pese o agrupamento por classes e níveis de funcionalidade/deficiência.
Para terminar, esse último ponto serve para uma reflexão sobre os Jogos e as políticas públicas que existem nessa área, em especial aquelas de ação afirmativa, como vagas e cotas. As diferentes e múltiplas classes em que são separados os competidores com deficiência chamam atenção para uma questão pouco lembrada: a grande heterogeneidade desse grupo populacional.
Tal característica deveria ser levada em conta quando se desenha e/ou fiscaliza políticas públicas nessa área. Em relação às cotas no mercado de trabalho, por exemplo, é comum que empresas prefiram contratar pessoas “com deficiência leve”, em detrimento daqueles com maiores níveis de dificuldade funcional (justamente para os quais as ações afirmativas foram pensadas e devem atuar). Distorções análogas se verificam em concursos públicos, onde vagas reservadas ignoram situações onde há grande variedade em termos da limitação física, sensorial e/ou cognitiva.
O tema é controverso e sei que alguns colegas do movimento social têm arrepios ao ouvir falar de classificações ou similares que envolvam pessoas com deficiência. Elas não fazem o menor sentido mesmo quando discutimos políticas públicas de acessibilidade e outras de cunho universal. Mas, para o aperfeiçoamento de legislações e ações de caráter mais focalizado, devemos enfrentar esse debate e as paraolimpíadas evidenciam que equiparar oportunidades não é algo trivial.
Ufa, se eu fosse atleta paraolímpico estava perdido, já estou cansado, e só de escrever!
Deixe um comentário