Para identificar uma política verdadeiramente popular
24/09/2014
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Não é a origem popular que define uma candidatura comprometida com interesses populares. Não é porque uma candidatura se apresenta como de origem humilde, das camadas de trabalhadores e menos favorecidas, que merece de imediato o voto da população humilde, de trabalhadores e menos favorecida.
É claro que um critério decisivo está no programa defendido, no que se refere aos interesses populares que o mesmo contempla ou não; se atende às demandas que favorecem as camadas populares. Há necessidade, nesse âmbito, de conhecimento dos compromissos programáticos para poder caracterizar uma determinada política como sendo “para o povo”.
No entanto, embora esse critério seja decisivo, ainda não basta.
O que caracteriza uma política popular são, além disso, as possibilidades de apresentação e de expressão dos interesses populares, de modo que a política, além de ser para o povo, seja também do povo e pelo povo.
Hannah Arendt caracterizou a política tendo em vista exatamente essa questão. Ela condicionava essa atividade à existência de “espaços públicos de aparição”. Ou seja, no caso de políticas populares, isso quer dizer: garantia de espaços de participação popular no plano das políticas destinadas à defesa dos interesses populares, isto é, das políticas para o povo.
Esse é o critério que se soma ao conteúdo programático de defesa dos autênticos interesses populares, para juntos caracterizarem de fato políticas populares, do povo, pelo povo e para o povo.
A política deve não só defender interesses populares, mas criar condições para que cada vez mais possa ser desenvolvida por aqueles a quem mais interessa. Assim não só o povo faz a sua política, mas cada vez mais se desenvolvem também as condições em que pode fazê-la.
O Partido dos Trabalhadores foi o primeiro a garantir voz própria ao povo brasileiro. Representa a única vez em que, em nosso País, as políticas “para o povo” também procuraram ser políticas “do povo e pelo povo”, isso é, que se aproximam do que seria uma “soberania popular”. Não é por acaso que o PT surgiu do sindicalismo autêntico, que se opunha ao sindicalismo pelego, para os trabalhadores, mas não deles próprios.
Estamos diante das iniciativas de participação, como nos orçamentos participativos e nas iniciativas populares legislativas.
Somam-se as inúmeras mobilizações realizadas em torno de discussões e de consultas públicas de planos de políticas sociais e populares, que sem dúvida são de grande valia, reunidas agora no plano dos Conselhos Populares.
Aliás, é por isso que a iniciativa voltada aos Conselhos Populares encontra resistência de quem se coloca na postura de governar “para o povo”, mas sem soberania popular. Quem não tolera a ideia da soberania popular rotula de “assistencialismo” as políticas sociais de combate à desigualdade, que querem reduzir a todo custo.
A rigor trata-se de políticas que se voltam às condições de possibilidade de desenvolver participação onde ela se encontra inexistente ou fortemente truncada, garantindo-lhe bases materiais, que inicialmente podem até ser incipientes, mas com forte potencial de evolução.
As políticas de combate à miséria e de valorização do poder de compra do salário mínimo significam, nessa medida, melhorias das condições materiais da expressão dos interesses populares. Inserem-se aqui também as políticas de acesso à educação (Enem, Prouni, ampliação de universidades e institutos técnicos), de acesso à saúde (reforço do SUS, Mais Médicos), de acesso à moradia (Construção de casas populares), de infraestrutura de mobilidade popular etc..
O que está em causa no Brasil hoje – e essa é a grande conquista dos governos Lula/Dilma – é a possibilidade de participação do povo e a realização de políticas pelo povo para além do espaço que lhe foi tradicionalmente reservado – ou seja, negado, como sempre destaca Fábio Konder Comparato – na história do Brasil.
Mas ainda mais do que isso: o estabelecimento de condições para que possa exercer sua soberania nesse espaço, constantemente alienado dos interesses do povo mediante iniciativas conservadoras – sobretudo pela via dos meios de comunicação de massa.
As práticas de manipulação crescem tanto mais quanto mais o espaço popular se consolida inexoravelmente, para se decantar em configurações da classe trabalhadora.
Não que a passagem entre popular e classe seja imediata, já que é mediada por um processo de formação consciente. Mas convenhamos que ela tem muito mais condições de ocorrer do que nunca.
É por isso que a questão da chamada “nova classe média”- a rigor: novas camadas populares em ascensão potencialmente participativa – tanto incomoda as lides dos detentores tradicionais do mando na sociedade brasileira, sedentos de lhe cortarem qualquer pretensão de expressão política.
Não se teme que ganhem mais; isso é tolerável. Teme-se que eles ganhem mais por força própria. Nas condições concretas do Brasil hoje, as camadas populares sabem que estão num curso de avanço político. E sabem quem ameaça essa situação.
Renda, propriedade, classe. Esses conceitos são fundamentais. Há no Brasil uma resistência a qualquer mínima redistribuição de renda ou propriedade – qualquer coisa que afete as fronteiras de classe. Mas ao lado disso há outros poréns: status ou prestígio e poder. Uma parte grande da reação aos programas de redução da pobreza e da desigualdade vem não exatamente da questão “renda”, mas do que isso implica na “invasão de fronteiras”. Onde já se viu pobre/preto entrando em universidade de branco/rico? Onde já se viu “essa gente” viajando de avião? Onde já se viu estação de metrô no meu bairro chic? Essas pequenas coisas vao estourando aqui e ali. Acho que o Lula pegou no nervo, uma certa ocasião, quando disse que o que incomodava muita gente era que o faxineiro do prédio já não votava necessariamente no candidato “indicado” pelo sindico- proprietário. Isso dói feito injeção de cortizona. Nas nádegas.