Para identificar uma política verdadeiramente popular

Não é a origem popular que define uma candidatura comprometida com interesses populares. Não é porque uma candidatura se apresenta como de origem humilde, das camadas de trabalhadores e menos favorecidas, que merece de imediato o voto da população humilde, de trabalhadores e menos favorecida.

É claro que um critério decisivo está no programa defendido, no que se refere aos interesses populares que o mesmo contempla ou não; se atende às demandas que favorecem as camadas populares. Há necessidade, nesse âmbito, de conhecimento dos compromissos programáticos para poder caracterizar uma determinada política como sendo “para o povo”.

No entanto, embora esse critério seja decisivo, ainda não basta.

O que caracteriza uma política popular são, além disso, as possibilidades de apresentação e de expressão dos interesses populares, de modo que a política, além de ser para o povo, seja também do povo e pelo povo.

Hannah Arendt caracterizou a política tendo em vista exatamente essa questão. Ela condicionava essa atividade à existência de “espaços públicos de aparição”. Ou seja, no caso de políticas populares, isso quer dizer: garantia de espaços de participação popular no plano das políticas destinadas à defesa dos interesses populares, isto é, das políticas para o povo.

Esse é o critério que se soma ao conteúdo programático de defesa dos autênticos interesses populares, para juntos caracterizarem de fato políticas populares, do povo, pelo povo e para o povo.

A política deve não só defender interesses populares, mas criar condições para que cada vez mais possa ser desenvolvida por aqueles a quem mais interessa. Assim não só o povo faz a sua política, mas cada vez mais se desenvolvem também as condições em que pode fazê-la.

O Partido dos Trabalhadores foi o primeiro a garantir voz própria ao povo brasileiro. Representa a única vez em que, em nosso País, as políticas “para o povo” também procuraram ser políticas “do povo e pelo povo”, isso é, que se aproximam do que seria uma “soberania popular”. Não é por acaso que o PT surgiu do sindicalismo autêntico, que se opunha ao sindicalismo pelego, para os trabalhadores, mas não deles próprios.

Estamos diante das iniciativas de participação, como nos orçamentos participativos e nas iniciativas populares legislativas.

Somam-se as inúmeras mobilizações realizadas em torno de discussões e de consultas públicas de planos de políticas sociais e populares, que sem dúvida são de grande valia, reunidas agora no plano dos Conselhos Populares.

Aliás, é por isso que a iniciativa voltada aos Conselhos Populares encontra resistência de quem se coloca na postura de governar “para o povo”, mas sem soberania popular. Quem não tolera a ideia da soberania popular rotula de “assistencialismo” as políticas sociais de combate à desigualdade, que querem reduzir a todo custo.

A rigor trata-se de políticas que se voltam às condições de possibilidade de desenvolver participação onde ela se encontra inexistente ou fortemente truncada, garantindo-lhe bases materiais, que inicialmente podem até ser incipientes, mas com forte potencial de evolução.

As políticas de combate à miséria e de valorização do poder de compra do salário mínimo significam, nessa medida, melhorias das condições materiais da expressão dos interesses populares. Inserem-se aqui também as políticas de acesso à educação (Enem, Prouni, ampliação de universidades e institutos técnicos), de acesso à saúde (reforço do SUS, Mais Médicos), de acesso à moradia (Construção de casas populares), de infraestrutura de mobilidade popular etc..

O que está em causa no Brasil hoje – e essa é a grande conquista dos governos Lula/Dilma – é a possibilidade de participação do povo e a realização de políticas pelo povo para além do espaço que lhe foi tradicionalmente reservado – ou seja, negado, como sempre destaca Fábio Konder Comparato – na história do Brasil.

Mas ainda mais do que isso: o estabelecimento de condições para que possa exercer sua soberania nesse espaço, constantemente alienado dos interesses do povo mediante iniciativas conservadoras – sobretudo pela via dos meios de comunicação de massa.

As práticas de manipulação crescem tanto mais quanto mais o espaço popular se consolida inexoravelmente, para se decantar em configurações da classe trabalhadora.

Não que a passagem entre popular e classe seja imediata, já que é mediada por um processo de formação consciente. Mas convenhamos que ela tem muito mais condições de ocorrer do que nunca.

É por isso que a questão da chamada “nova classe média”- a rigor: novas camadas populares em ascensão potencialmente participativa – tanto incomoda as lides dos detentores tradicionais do mando na sociedade brasileira, sedentos de lhe cortarem qualquer pretensão de expressão política.

Não se teme que ganhem mais; isso é tolerável. Teme-se que eles ganhem mais por força própria. Nas condições concretas do Brasil hoje, as camadas populares sabem que estão num curso de avanço político. E sabem quem ameaça essa situação.

Comentários

Uma resposta para “Para identificar uma política verdadeiramente popular”

  1. Avatar de Moraes
    Moraes

    Renda, propriedade, classe. Esses conceitos são fundamentais. Há no Brasil uma resistência a qualquer mínima redistribuição de renda ou propriedade – qualquer coisa que afete as fronteiras de classe. Mas ao lado disso há outros poréns: status ou prestígio e poder. Uma parte grande da reação aos programas de redução da pobreza e da desigualdade vem não exatamente da questão “renda”, mas do que isso implica na “invasão de fronteiras”. Onde já se viu pobre/preto entrando em universidade de branco/rico? Onde já se viu “essa gente” viajando de avião? Onde já se viu estação de metrô no meu bairro chic? Essas pequenas coisas vao estourando aqui e ali. Acho que o Lula pegou no nervo, uma certa ocasião, quando disse que o que incomodava muita gente era que o faxineiro do prédio já não votava necessariamente no candidato “indicado” pelo sindico- proprietário. Isso dói feito injeção de cortizona. Nas nádegas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.