O enredo do golpe parece finalizado. Ele é resultado de extensas negociações entre setores do PMDB e do PSDB, que chegaram a uma fórmula em que ambos repartirão o poder nos próximos três anos, preparando o terreno para as eleições de 2018. Além destes dois partidos, diversas outras agremiações menores, até então integrantes da base do governo, decidiram aderir ao projeto golpista com o objetivo de aumentar sua participação em um futuro governo de “coalizão”.
Esperam que neste novo governo o poder Executivo utilize sua influência para proteger seus aliados das possíveis consequências da Operação Lava Jato e similares.
A partir deste momento, entramos no campo das conjecturas. Diante das informações que tomam conta do noticiário político, a farsa a ser encenada parece bastante simples e será breve como deve ser um golpe de Estado bem executado.
Em primeiro lugar, o PMDB e seus líderes utilizarão sua influência no TCU para que este tribunal rejeite as contas do governo federal de 2014. Em seguida, o Congresso Nacional, com base no parecer do TCU, também rejeitará as contas do governo, abrindo caminho para a abertura de um processo de crime fiscal contra a presidenta.
Diante desta acusação, os parlamentares superarão a bem ensaiada (e claramente falsa) resistência do presidente da Câmara em dar prosseguimento ao processo de impeachment, exigindo seu direito regimental de votar o tema em plenário.
O plenário aprovará com ampla maioria a abertura do processo de investigação contra a presidenta, que será conduzido em uma comissão sem a participação de petistas, ou com eles isolados. Esta comissão, por sua vez, será breve ao aprovar um parecer exigindo o impedimento de Dilma, que será votado no Congresso Nacional, alcançando os dois terços dos votos necessários para sua aprovação.
Com a posse do vice, José Serra é anunciado como ministro da Fazenda, garantindo o apoio do PSDB (ou de sua ala paulista) ao governo recém-formado e ao processo de golpe. Os demais partidos serão agraciados com importantes cargos e ministérios.
Este é o roteiro elaborado pelos golpistas e que deverá ser encenado nas próximas semanas, mesmo que com eventuais improvisos e alterações. A crise política no Brasil já vinha se agravando, mas o movimento golpista ganhou contornos mais claros nos últimos dias, com a retomada das atividades legislativas e a demonstração de que a base de apoio ao governo se enfraqueceu.
A falta de apoio popular, revelada nas pesquisas de opinião, inflam as aspirações golpistas e o desejo de poder daqueles que até ontem se diziam aliados do governo, mas hoje enxergam na deposição de Dilma a oportunidade por assumir novos e melhores cargos no poder federal.
Além do golpe em si, há também uma tentativa clara de destruir a herança dos governos Lula e Dilma, fragilizando a esquerda, o PT e criminalizando suas gestões e seus militantes. O que se busca, na realidade, é alterar a narrativa da história recente, que demonstra os enormes avanços econômicos e sociais das gestões petistas.
Convencer a maioria dos brasileiros de que os governos petistas só trouxeram corrupção e desesperança, ao invés da ascensão social que as pessoas de fato vivenciaram, não será tarefa fácil.
Apesar disso, por mais falsas que estas afirmações possam soar, o fato de estarmos atravessando uma crise econômica e política facilita o trabalho daqueles que querem reescrever a história e alterar a memória do povo brasileiro. Caso esta operação seja bem-sucedida, os grupos políticos e econômicos ligados à direita devem se manter no poder por longos anos, enquanto a esquerda luta para se reorganizar em novos partidos e movimentos políticos.
Dois eventos centrais devem definir, portanto, a sorte do governo nas próximas semanas: em primeiro lugar, o julgamento do TCU acerca das contas do governo em 2014; em segundo lugar, impacto das manifestações populares convocadas pelo PSDB e grupos de direita.
No primeiro caso, a grande influência do PMDB sobre alguns ministros do TCU deve demonstrar até que ponto o partido “governista” adentrou o planejamento do golpe, costurado secretamente nos bastidores de Brasília, mas que até o mais desinformado jornalista já teve acesso aos detalhes.
No segundo, a cobertura da grande imprensa buscará monopolizar a “versão” sobre os atos, retratando-os como demonstrações apartidárias de um descontentamento difuso e majoritário, mesmo que estes sejam claramente partidários, com seus alvos escolhidos seletivamente. O único espaço de contraposição continuará sendo a internet e as redes sociais, onde a militância de esquerda deve apontar as contradições do discurso golpista.
Diante da dura e triste realidade que se apresenta, resta a constatação de que Dilma ainda é a melhor esperança para o futuro do país e sua democracia. Aceitar que o país passe pela crise institucional que representa um impeachment é apostar que o Brasil não passa de uma “república de bananas”, onde golpes de Estado podem ser realizados sem qualquer reação por parte da população. O que está em jogo não é uma defesa do atual governo Dilma, mas a defesa da própria democracia e do Estado de direito.
Os golpistas estão chegando. Resta saber se o povo brasileiro os receberá com flores ou com foices.
Crédito da foto da página inicial: Marcello Casal Jr./ABr
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