Publicado no Jornal GGN em 19-2-2015
A campanha #ocupeosconselhosmunicipais, lançada nas redes sociais, traz para o centro do debate a instância primeira, a base de sustentação da participação social, que são os conselhos de políticas públicas dos municípios. Ocupar significa aqui participar das decisões em prol do interesse popular e social, como está assegurado em nossa Constituição Federal de 1988. Exercer o parágrafo único do Art° 1, que proclama que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
O fortalecimento e o aperfeiçoamento destes mecanismos nas cidades, por meio de ações decorrentes da Política Nacional de Participação Social (PNPS) são condições inexoráveis para a sua consolidação. Não há Conselho Nacional que prescinda da sua base, e mesmo com grandes dificuldades, todos os conselhos desenvolvem campanhas e ações para a criação, melhor funcionamento e efetividade das suas instâncias municipais. Com caráter nacional, a campanha #ocupeosconselhosmunicipais deve ocorrer no município envolvendo os conselhos existentes, entidades da sociedade civil, e o poder público (Prefeitura, Câmara de Vereadores, Ministério Público Municipal e seus procuradores no município). Assim a sociedade civil pode se apropriar de seus direitos por meio da participação direta.
Mas, afinal, o que são os conselhos municipais? Esta é uma pergunta cuja resposta se torna essencial diante da atual controvérsia acerca da PNPS. Para responder o questionamento apresentado no título, trazemos a definição de conselhos do Portal da Transparência: “Os conselhos gestores de políticas públicas são canais efetivos de participação, que permitem estabelecer uma sociedade na qual a cidadania deixe de ser apenas um direito, mas uma realidade. A importância dos conselhos está no seu papel de fortalecimento da participação democrática da população na formulação e implementação de políticas públicas”.
Infelizmente, os conselhos municipais ou conselhos gestores de políticas públicas e a participação social encontram-se invisíveis para grande parte da população, em especial da juventude, apesar do seu alcance, capilaridade e, sobretudo, pertinência na formulação e controle da execução das políticas públicas setoriais. Neste cenário (já em 1999 o Brasil contava com 26,9 mil Conselhos Municipais, segundo o IBGE), os desafios postos para a juventude são especialmente substanciais, considerando que menos de 6% dos municípios brasileiros possuem conselhos da juventude.
A criação, ocupação e consolidação de tais espaços seria um encaminhamento assaz pertinente às demandas levadas às ruas pelos jovens durante as “jornadas de junho”, dado o seu caráter dialógico entre poder público e sociedade civil. Dados do IBGE (2012) demonstram que conselhos municipais como os de Saúde, Assistência Social e de Direitos da Criança e Adolescente existem e estão em pleno funcionamento em 99% das cidades brasileiras. Os Conselhos de Direitos da Pessoa Idosa, de Cultura e de Meio Ambiente estão presentes em mais de 50% de nossos municípios; outros como de Segurança Alimentar, de Direitos da Pessoa com Deficiência e de Direitos da Mulher são criados num ritmo crescente e já ultrapassa 30% de municípios alcançados, o que evidencia a abrangência e o potencial destas instâncias de participação.
Conhecer este instrumento é fundamental para viabilizar a participação da sociedade. Assim como reconhecer que ser conselheiro é exercer o protagonismo do processo de consolidação da democracia em nosso país. É vivenciar plenamente a cidadania. É cuidar de nossas cidades para ser mais bem cuidado por elas.
Um dado positivo é o de que o número de conselhos é crescente. Porém, este fato por si só não necessariamente se traduz em mais participação social. Os conselhos sofrem de uma doença crônica de invisibilidade e falta de recursos (humanos, orçamentários, de infraestrutura). Também são afetados pelos vícios e equívocos da democracia representativa, além de existirem casos de interferência política de administrações municipais que cooptam e instrumentalizam tais espaços, prejudicando a sua efetividade e comprometendo a sua autonomia. Falta publicizar informações sobre o tema, então falta participação. Por isso o desafio de evidenciar os conselhos municipais, esfera mais próxima do/a cidadão/ã, é fundamental para o amadurecimento da participação social e popular.
Os conselhos municipais são espaços poderosos, estão relacionados a todas as esferas de poder e a uma diversidade de temáticas. O legislativo, as Câmaras Municipais, acompanham e influenciam diretamente suas dinâmicas e ações. O poder judiciário, principalmente na figura do Ministério Público e seus agentes municipais é parceiro em diversas ações visando à garantia dos direitos de toda população. Por fim, o executivo é sempre integrante dos conselhos municipais, pois a função essencial desta instância é exercer o controle social das atividades da Prefeitura.
“É preciso dar vida aos conselhos, colocar neles os melhores quadros políticos e as mais fortes entidades sociais, estabelecer uma agenda de diálogo permanente com a população, abrir todos os dados e informações governamentais, e, principalmente, permitir-se ao aprendizado, à mudança, ao convencimento democrático”. Ressalta a ex-secretária de Participação Social de Caruaru-PE, Louise Caroline.
Quando a sociedade civil ocupa os conselhos, descobre que se a merenda escolar não está boa é possível recorrer ao Conselho de Alimentação Escolar (CAE). Percebe que se existe uma violação do meio ambiente, é possível recorrer ao Conselho Municipal de Meio Ambiente (CMMA). Que se existe interesse em contribuir com as políticas culturais, temos o Conselho Municipal de Política Cultural (CMPC). E ainda existem o Conselho de Saúde, Educação, Segurança Alimentar e Nutricional, Economia Solidária, dentre inúmeros outros. Espaços institucionalizados da construção, debate e monitoramento de políticas públicas setoriais, todos esperando por nossa participação, nossos sonhos, nossas ideias.
O aperfeiçoamento dos conselhos passa pela garantia de sua autonomia administrativa e financeira, pela efetiva participação da sociedade civil em sua gestão, e por sua ocupação sistemática por parte da população a fim de assegurar a sua descentralização, o amplo conhecimento de suas funções e objetivos, além de sua intervenção eficaz. “Disputar não apenas a qualidade dos serviços públicos no dia a dia da população, mas o exercício democrático por direitos e cidadania. Disputar a legitimidade dos sujeitos representados e a diversidade de direitos seja do campo ou da cidade.
Desconstruir o senso comum que prevalece nos setores conservadores, que em períodos de crise financeira sugerem cortar políticas sociais, por concebê-las como gastos e não investimento. Políticas sociais geram empregos, dinamizam a economia local, interiorizam o desenvolvimento por meio das ações do Estado”, afirma Maria do Socorro, Presidente do Conselho Nacional de Saúde. Desta forma, o desafio para a sociedade civil é o de fortalecer a sua participação para fortalecer os conselhos. Por tudo isso, #ocupeosconselhosmunicipais.
Marcelo Pires Mendonça é professor de História e Geografia da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal (licenciado) e desde 2005 é Coordenador-Geral de Mecanismos Formais de Participação (Conselhos e Conferências Nacionais) da Secretaria-Geral da Presidência da República.
Milena Franceschinelli é ativista da participação social, formada em Artes Visuais, Gerente de programas e projetos, com dez anos de experiência na gestão de entidades do terceiro setor e públicas, atualmente é Diretora na Prefeitura Municipal de Ubatuba-SP.
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