Já vamos para dois meses de término dos Jogos Olímpicos de Tóquio, ainda repercutindo a campanha brasileira e o feito de nossos atletas em várias modalidades. Em tempos assim, de Olimpíadas, a sociedade costuma dar importância à necessidade de se investir em esporte. Então, antes que o interesse se arrefeça, vamos trazer um tema aqui para discussão: democratizar o acesso à prática esportiva de alto rendimento.
E essa democratização passa pela destinação de áreas nas cidades para a implementação de centros esportivos. Estamos falando para além das quadras nas escolas, para além da canchas e pistas em parques e praças, para ruas fechadas ao tráfego nos finais de semana. Todas essas iniciativas são indispensáveis. Mas, permitir que as camadas populares alcancem o esporte profissional requer mais.
Requer que tenhamos centros públicos de formação e de manutenção de equipes de competição. Como são os clubes sociais de onde saem nossos atletas nas mais variadas modalidades, tais como Pinheiros, Minas, Sogipa, para citar alguns dos mais tradicionais. É verdade que desses clubes despontam nomes vindos da periferia, também. Todavia, são exceção, e a custo de muito mais sacrifício.
Cada município tem sua própria realidade, suas especificidades, de modo que o investimento na democratização do acesso ao esporte de alto rendimento pode se dar por vários caminhos.
Onde há centros ou campi universitários pode se desenvolver ou intensificar, por exemplo, uma integração com essas estruturas. O período recente de expansão da rede de universidades públicas federais, embora interrompido a partir de 2016, deixou legado ímpar: polos em várias cidades pelo interior e sertão do país.
Mesmo os clubes sociais, estes podem e devem ter suas estruturas colocadas a serviço da coletividade, mediante contrapartidas com o poder público. Nos últimos 40 anos, tivemos exemplos nesse sentido – alguns efêmeros, outros de maior duração, alguns sobrevivem. São verificados em modalidades como basquete, vôlei, judô, natação, ginástica, principalmente. São Caetano do Sul talvez seja o caso mais sólido.
Ao mapear a implementação desses pontos, fundamental descentralizá-los. Muitas vezes o adolescente e o jovem dos bairros mais afastados são forçados a largar a prática esportiva profissional porque o tempo de deslocamento e o custo com transporte se tornam impeditivos. Assim, o planejamento urbano de nossas cidades, além de prever transporte, energia, água, saneamento, postos de saúde, escolas e pontos de cultura, deve reservar espaços para equipamentos de formação esportiva.
Em cidades mais adensadas, há um entrave: praças de formação e prática esportiva costumam demandar áreas muito maiores que as necessárias a outros equipamentos públicos. Terrenos se tornam, então, bem cobiçados pelo mercado imobiliário. É preciso proteger os espaços restantes, potenciais para o fim aqui proposto, da sanha de construtoras e incorporadoras.
Uma situação que ilustra esse conflito de interesses e propósitos está acontecendo nesse momento em Santos, que já foi potência em formação e prática esportiva de alto rendimento, e que hoje vê áreas destinadas a isso serem abocanhadas pelo mercado imobiliário. Três clubes tradicionais do litoral paulista – o Portuários, a Portuguesa Santista e o Atlético Santista – correm risco de ter seus campos de futebol, piscinas e ginásios derrubados por grupos ávidos por erguer arranha-céus e shoppings.
Um poder econômico sem limites nem compromisso com o interesse coletivo e gestores públicos subservientes a esse poder representam o maior desafio para que as medalhas de Rayssa Leal, Rebeca Andrade, Isaquias Queiroz, entre todos os outros, não sejam casos excepcionais. Porque, para que mais talentos despontem, não basta isso – talento, sonho, determinação, vontade. É preciso espaço, oportunidade, apoio, suporte.
Se, mesmo com tantas restrições (lembremos que o skate em São Paulo era proibido até 1989, quando a então prefeita Luiza Erundina pôs fim à absurda criminalização), conseguimos levar ao pódio tantas forças, imagina se a formação e a prática esportiva estivessem ao alcance de todos.
Foto da página inicial: vista aérea do Centro de Treinamento Paralímpico em São Paulo, com obras iniciadas em 2013 e concluídas em 2016, pelo governo federal (60% dos recursos) e estadual (40%). Crédito: divulgação Comitê Paralímpico Brasileiro.
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