Em sua essência, o carnaval de rua brasileiro é uma festa que contrasta com a lógica capitalista de organização social. A ocupação dos espaços públicos, a mitigação de hierarquias, as iniciativas coletivas que organizam os blocos e as interações despretensiosas entre os foliões divergem da lógica do privado, dos empreendimentos individuais, da finalidade do lucro e das relações sociais mediadas pelo interesse próprio. O carnaval é a festa da transgressão, não somente dos costumes morais, mas também da nossa sociabilidade cotidiana.
Já dizia Marx que o capitalismo difunde um tipo de sociabilidade mediada pelo dinheiro, pelas relações de produção e pela troca de mercadorias. Todos os dias fazemos uso de produtos que são resultado do trabalho de outros e interagimos socialmente motivados pelas relações de troca de mercadorias, desde a compra na farmácia, do pedido ao garçom até a conversa com o chefe.
A legitimação do mercado como instância organizadora da sociedade tem, por um lado, o poder de aumentar a capacidade de produção e de disponibilizar a parte da população os benefícios dos avanços tecnológicos. Mas, por outro lado, difunde uma lógica de sociabilidade que passa pela valorização do indivíduo em detrimento do coletivo, do egoísmo em detrimento da solidariedade e dos interesses privados em detrimento dos interesses públicos.
Já o carnaval de rua é o espaço da não-mercadoria e da diluição das relações de mercado. Nele, o incentivo do folião difere do incentivo do indivíduo racional dos livros de microeconomia. A motivação carnavalesca é a busca por um tipo específico de libertação das emoções reprimidas pelo cotidiano, que passa pela mimetização coletiva de um comportamento expansivo que – diriam alguns economistas – configura um comportamento de manada. No carnaval de rua, a festa é a construção coletiva que cria um ambiente de frenesi social em que todos têm direito a uma alegria fugaz, como cantou Chico Buarque.
As pessoas se reúnem fora de suas posições sociais e substituem seus uniformes e roupas de marcas por fantasias que são capazes de inverter as relações tradicionais de hierarquia, de poder e de status social e de aplicar uma maquiagem sobre as desigualdades sociais, como já observou o antropólogo Roberto DaMatta.
Só no carnaval a moça pobre vira rainha e o menino rico ostenta uma vassoura de lixeiro. E a interação entre a rainha e o lixeiro é geralmente motivada por interesses transitórios, desapegados dos códigos sociais de conduta. Na folia, o indivíduo perde suas referências de identidade e se mistura com a multidão para viver um momento de alegria e irracionalidade coletiva.
Evidentemente, a sina do capitalismo de penetrar nas várias esferas da sociedade e de transformar tudo em mercadoria se apodera de parte do carnaval que vira negócio, atende aos interesses de patrocinadores, seleciona e elitiza o público pela venda de abadás, pelas festas nos clubes, etc. Contudo, ainda persiste nas ruas das cidades brasileiras, o carnaval genuíno e espontâneo que constitui um espaço de resistência ao movimento de mercantilização das esferas sociais promovido incessantemente pela economia de mercado. Brincar o carnaval na rua é vivenciar outro espaço de sociabilidade que, apesar de efêmero, consegue dar uma injeção de ânimo no povo brasileiro. Bom carnaval a todos!
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