Numa terça-feira pela manhã, dia 21 de agosto de 2018, o Banco Mundial voltou a polemizar, ao defender, explicitamente, reformas mercantis no Sistema Único de Saúde. A partir de um diagnóstico amplamente contestado da instituição, o último estudo do Banco Mundial – Propostas de Reformas do Sistema Único de Saúde Brasileiro[1] – prega um prognóstico salvacionista, cuja única solução encontra-se na concorrência.
Segundo o documento, a utilização desse mecanismo (a concorrência) poderia resolver as questões remanescentes do sistema, tais como: os problemas de baixa qualidade, eficácia limitada e eficiência do SUS e, também, garantir um futuro melhor diante dos desafios futuros do envelhecimento populacional e crescente carga de doenças crônicas.
Ainda de acordo com a instituição, em que pesem as restrições de recursos, caso as ineficiências fossem reduzidas, se poderia obter melhores resultados sem necessidade do aumento dos recursos.
Embora as restrições de recursos, resultado dos baixos gastos públicos, sejam (sic) um dos motivos da consolidação limitada do SUS, o sistema opera com níveis relativamente altos de ineficiência. Caso essas ineficiências fossem sanadas, o SUS poderia obter melhores resultados de saúde mesmo sem mais recursos, o que é particularmente importante no contexto da crise fiscal brasileira. (Banco Mundial, 2018, p.6).
No estudo, foi identificado que a coordenação é peça fundamental para o desenvolvimento do setor. Ao citarem a OCDE, afirma que a coordenação dos serviços é central para elevar a eficiência da prestação com menos internações, maior qualidade e menos erros médicos, além da melhoria da prescrição e uso mais adequado dos fármacos.
Ademais, reconhece que a articulação público-privado não coopera sistematicamente para o desenvolvimento do quadro global de saúde do brasileiro. Para o qual, o SUS precisa melhorar a coordenação com o seguro privado para: minimizar a concorrência pelos profissionais de saúde; garantir a efetividade do ressarcimento; definir abordagem comum para Avaliação de Tecnologia em Saúde (ATS); e padronizar os modelos de atenção em saúde.
Dentre as proposições, as Redes Integradas de Saúde (RAS) executadas por meio da prestação privada de saúde seriam uma das principais soluções. À luz da ótica do desempenho operacional, os três níveis de governo pagariam para o setor privado a oferta dos serviços em saúde.
Entretanto, diante do diagnóstico errôneo do Banco Mundial, diversas constatações e prognósticos se mostraram, novamente, distorcidos e longe da realidade brasileira.
A primeira de todas e que nunca foi, sequer, respondida pela instituição é: quais países do mundo aumentaram a concorrência dos seus sistemas e obtiveram ganhos, em função disto, na qualidade, eficácia e eficiência?
De acordo com a OCDE[2], talvez, apenas o Japão, todavia com alto poder de intervenção Estatal nos seguros compulsórios. Pois, de resto, somente esquemas homogêneos públicos (governamentais) se mostram mais baratos, eficiente e efetivos em relação aos seus custos totais.
Ciente de que os sistemas de saúde da OCDE, em sua grande maioria, são, amplamente, sistemas públicos de pagador único (single payer healthcare), cuja fonte de recursos advém da tributação progressiva direta sobre a renda e riqueza, muito diferente do pior caso (worst-case) dentre os sistemas de saúde do mundo desenvolvido, os EUA. A análise do Banco Mundial[3] associa situações diversas para discutir resultados específicos. Ou seja, propõe-se concorrência para o Brasil a partir de exemplos dos modelos europeus de cooperação pública.
Assim, a proposta de reforma para SUS do banco carece de base real, tanto na experiência internacional quanto no caso nacional. As especificidades internas foram, novamente, ignoradas no estudo. A ociosidade vista pelo Banco Mundial negligencia as dimensões territoriais e logísticas do Brasil.
É amplamente sabido que determinadas regiões ou localidades mais afastadas dos grandes centros urbanos vão operar com margens planejadas de ociosidade com objetivo de garantir, em primeiro lugar, o acesso aos serviços básicos e de média complexidade em saúde.
Inclusive, tudo indica haver, também, um desconhecimento do recente passado do sistema de saúde brasileiro da ditadura militar. Período no qual a oferta pública realizada mediante a compra no mercado privado de serviços de saúde já fora tentada, resultando em altos gastos públicos com baixos níveis dos desfechos.
Ao não analisar a eficácia, eficiência e efetividade do setor privado, o relatório pressupõe, teoricamente, que o sistema privado é mais eficiente do que o público. O ônus da prova, por assim dizer, recai apenas sobre o SUS, quando se sabe que o setor privado recebe volumosos recursos públicos. Sem qualquer evidência científica, o setor privado é percebido como “melhor” somente em função do imaginário da instituição.
Por isso, aspectos da realidade, como fator político (lobby), é negligenciado pelo estudo do Banco Mundial. Este lobby retira recursos do SUS via mecanismos institucionais (Lei de Responsabilidade Fiscal[4] e ressarcimento), políticos (majorando DRU, aprovando perdão de dívidas privadas e aprovando EC 95) e econômicos (renúncia do Imposto de Renda pessoa física e jurídica e desonerações tributárias).
[1] BANCO MUNDIAL. Propostas de Reformas do Sistema Único de Saúde Brasileiro. (2018). Disponível em: http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:OFwE-RvwcIUJ:pubdocs.worldbank.org/en/111301534983417852/Propostas-de-Reformas-do-SUS.pdf+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br. Acesso em: 10 set. 2018.
[2] Tackling Wasteful Spending on Health, 2017 (Enfrentamento ao Gasto Desperdiçado em Saúde).
[3] A base da operacionalidade dos sistemas europeus é a cooperação e dos EUA é a concorrência.
[4] Assim como educação, a saúde é intensiva em mão de obra e o custeio gira em torno de 70% do gasto total. De tal forma que, ao alcançar o nível populacional de 100 mil habitantes, as cidades são forçadas pela LRF (custeio não pode ultrapassar 54% do gasto total) a privatizares a mão-de-obra trazendo desequilíbrio ocupacional e de qualidade dos serviços do SUS.
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