Somente a partir do final de 2014, a Receita Federal do Brasil passou a disponibilizar mais dados brutos das declarações de Imposto de Renda – Pessoa Física (IRPF). As informações disponibilizadas antes do ano de 2014 restringiam-se apenas ao número total de declarantes. À medida que essas informações vêm à tona, é possível efetuar análises mais aprofundadas.
As informações apresentadas neste texto levam em conta as declarações efetuadas pelos contribuintes para Receita Federal do Brasil a partir dos rendimentos de 2017. Sabe-se que uma pessoa física que recebeu mais de R$ 2.379,98 mensais no ano de 2017 declarou imposto de renda, assim como que aqueles que possuem patrimônio acima de R$ 300.000,00 também foram obrigados a notificar o fisco no ano de 2018. Nesse mesmo ano, 29,1 milhões de pessoas declararam Imposto de Renda no Brasil. Esse contingente representava 13,90% da população brasileira total e 20,20% da população acima de 19 anos.
Os rendimentos dos declarantes recebem três tratamentos tributários diferenciados. Os “rendimentos tributáveis” representaram 59,07%, os “rendimentos isentos” atingiram 30,88%, e 10,06% foram “tributados exclusivamente na fonte”. A soma dessas três tipificações de renda chamaremos de “rendimento total”.
Os rendimentos tributáveis são compostos, principalmente, por rendas provenientes do trabalho, embora contemplem também rendas de propriedade, como, por exemplo, aluguéis. Já os rendimentos tributados exclusivamente na fonte contemplam rendimentos de aplicações financeiras e 13º salário. Grande parte dos rendimentos isentos são lucros e dividendos, mas há, também, saques do FGTS e bolsas de estudo. Nas análises a seguir, foram excluídas as declarações conjuntas de indivíduos casados. São considerados, portanto, as declarações individuais.
Os dados relativos às declarações de renda por sexo indicam as desigualdades entre homens e mulheres, no que concerne à proporção de declarantes e relativo aos rendimentos e à propriedade de bens e serviços. A exemplo disso, em 2017, 56,8% dos declarantes individuais eram homens e 43,2% eram mulheres, conforme o Gráfico 1.
Já em relação à massa de rendimentos totais, os homens permaneceram com 53,8% e as mulheres 46,2% (Gráfico 2).
Quando se analisa os bens e direitos declarados, há uma desproporção ainda maior: 63% são de homens e 37% de mulheres (Gráfico 3).
Como no Brasil os lucros e dividendos distribuídos aos acionistas são isentos de imposto de renda, a partir da faixa de 40 salários mínimos mensais passa-se a ter uma parcela isenta cada vez maior. Por conseguinte, a alíquota efetiva se reduz para os patamares mais elevados de renda. O Gráfico 4[1] explicita essa regressividade tributária presente no IRPF brasileiro.
Entretanto, para dados com distinção de sexo, não há ordenação pelos rendimentos totais, apenas pelos rendimentos tributáveis, que abarcam principalmente salários. Chama a atenção, no Gráfico 5, que as mulheres pagam uma alíquota maior de imposto de renda em quase todas as faixas, com exceção das duas faixas entre 80 e 240 salários mínimos, nas quais as alíquotas dos homens estão ligeiramente acima da das mulheres.
Essa configuração contributiva sinaliza que os homens possuem maiores rendimentos isentos, ou seja, provavelmente os indivíduos recebedores de lucros são majoritariamente homens, o resultado efetivo é que as mulheres pagam mais IRPF do que os homens.
Quando se observa a proporção de declarantes de IRPF por faixa de salário mínimo entre homens e mulheres, a hipótese acima ventilada ganha força. Os homens são maioria em todas as faixas, e compõem 56,8% dos declarantes, porém, a partir de 30 salários mínimos mensais, a participação das mulheres vai caindo até chegar a apenas 14% na faixa acima de 320 salários mínimos mensais.
Cabe recordar que nesta faixa de renda, a maior parte dos declarantes são recebedores de lucros e dividendos, que pagam menos imposto de renda. Assim, os Gráficos 5 e 6 ilustram dois pontos importantes: a grande disparidade de gênero nas faixas mais elevadas e a constatação de que as mulheres pagam mais IRPF do que os homens.
A disparidade do patrimônio declarado também é acentuada. Conforme o Gráfico 7, quando se leva em conta a diferença entre os bens e direitos, a dívida e ônus declarados, observa-se uma desproporção maior do que os rendimentos individuais. Há que ressalvar que os dados não permitem saber o patrimônio líquido de cada indivíduo, mas sim por faixas de indivíduos, segmentados em níveis de salário mínimo.
Mesmo nas faixas de renda mais baixa a desproporção é considerável, com destaque para 5 a 7 salários mínimos: 74% do patrimônio é dos homens, mesmo que a participação deles dentre tais declarantes seja de 55%.
Nesta medida, as principais conclusões são que: i) há uma expressiva desproporção de patrimônio declarado entre homens e mulheres, superior, inclusive, à disparidade de rendimentos; ii) nas faixas de renda mais elevadas mais de 80% dos declarantes são homens; iii) mulheres pagam alíquotas de IRPF mais elevadas do que os homens.
Assim, a configuração tributária brasileira acentua as desigualdades de renda entre homens e mulheres no Brasil. Quando se analisa a tributação sobre o consumo, esse efeito é ainda maior, ponto a ser apresentado em estudos posteriores.
* O artigo é uma prévia do estudo técnico sobre tributação e gênero apoiado e coordenado Instituto de Justiça Fiscal.
Crédito da foto da página inicial: Arquivo Agência Brasil
Referência:
BRASIL. Ministério da Fazenda. Receita Federal. Centro de estudos tributários e aduaneiros.2017.Disponível em: <http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisticas>. Acesso em: 13 nov. 2019.
[1] A partir deste ponto do texto, estão consideradas as declarações conjuntas, que compõem 3,1% de todas as declarações.
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