Maradona e a integração da América Latina

Desde a confirmação da morte de Diego Armando Maradona, no início da tarde de 25 de novembro último, estamos nos reencontrando com a trajetória do craque argentino.

Muita gente tem sido surpreendida com declarações, imagens e episódios que demonstram o apreço, o respeito e a admiração de Maradona pelo Brasil – inclusive pelo futebol, pelos seus ídolos, pelo nosso povo.

São cenas como a de Maradona desfilando no bloco de Carnaval de Serginho Chulapa, em Santos, em 1998; ou de três anos antes, nas cadeiras da Vila Belmiro, quando, tendo Pelé como padrinho, quase foi contratado para vestir a camisa 10 do Peixe.

Por décadas, o discurso construído pelas narrativas da mídia hegemônica era a de um Maradona hostil não só a Pelé, como à seleção brasileira, ao nosso país. No intento de forjar a rivalidade Brasil x Argentina, o Maradona apresentado, construído no imaginário de muitas gerações, foi bem diferente do Maradona real.

O Maradona que reverenciava Pelé, que idolatrava Rivelino, que se encantava com os Ronaldinhos, que era amigo de Careca, fã de Romário; o Maradona que é a síntese e a expressão de um povo, esse não era visto na televisão, nos jornais daqui.

Maradona partiu exatos 15 anos e 15 dias depois de um dos momentos mais emblemáticos da luta latino-americana pela soberania, e do qual foi protagonista.

Em 5 de novembro de 2005, em seu país, mais precisamente em Mar del Plata, Maradona estava ao lado de Hugo Chávez, entre outras lideranças, na Cúpula dos Povos – evento popular que antecedia a IV Cúpula das Américas, a ser realizada na mesma cidade.

Para as 30 mil pessoas que lotavam o estádio de futebol local, Chávez e Maradona deram o grito da independência à Alca, a Aliança Livre de Comércio das Américas, o bloco econômico que submetia os latino-americanos aos interesses dos Estados Unidos.

“Alca, al carajo!”, bradou o então presidente venezuelano, frase que imediatamente foi repetida em coro, pelas milhares de pessoas ali, entre elas, Maradona, o maestro.

Não se tratou de mera retórica. De fato, os líderes da América Latina – entre os quais, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva; da Argentina, Néstor Kirchner; da Bolívia, Evo Morales – deram, na cúpula oficial, um rotundo não à Alca.

Desde o início dos anos 2000 Maradona estava cada vez mais próximo de figuras e das causas em prol da integração latino-americana.

Tratou-se, de sua dependência química, no exemplar sistema de saúde cubano. Tatuara Che Guevara na perna. Consolidava amizade com Fidel Castro. Por sinal, outra coincidência (esta ainda mais incrível, e por isso já mais comentada) é que Maradona morreu, como Fidel Castro, num 25 de novembro (o cubano, em 2016).

Em 2008, jogou futebol com Evo Morales, na Bolívia, contra decisão da Fifa que proibia partidas na altitude, o que prejudicava o país sul-americano. Em 2013, depois da morte de Hugo Chávez, não relutou em ir à Venezuela participar de comícios em apoio à Revolução Bolivariana.

Maradona lavou a alma dos argentinos, em 1986, ao comandar o massacre sobre a seleção da Inglaterra na Copa do Mundo. Se o império tinha força bélica, sucumbia à genialidade e à arte latino-americanos. Era só o começo da vida e obra de Maradona em defesa da parte de cá do planeta.

Em tempo: a íntegra do evento em Mar del Plata pode ser conferida em <https://youtu.be/gmCr-M4HS3g >

Crédito da foto da página inicial: Télam/Agência Nacional de Notícias da Argentina


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