As eleições de 2014 certamente serão uma página de destaque nos livros de história do Brasil num futuro breve.
Fatos para análises e abordagens acadêmicas não faltam: as manifestações de junho, a morte do Eduardo Campos, os erros grotescos das pesquisas, o papel questionável da mídia, entre outros temas, poderão confirmar que o ano do vexame brasileiro na Copa também foi um ano crucial para a evolução da nossa democracia.
Esse amadurecimento pode ser creditado aos milhões de brasileiras e brasileiros que se comprometeram com o pleito.
Ruas cheias de militantes, mídias sociais batendo records de mensagens são alguns exemplos do nível de envolvimento ocorrido. Nesse sentido, a espontaneidade da jornada de junho talvez explique o motivo de tanto engajamento, uma vez que diferentes ideologias foram às ruas com pelo menos uma ideia comum: o reconhecimento que o Brasil pode muito mais.
Todavia, a heterogeneidade desse movimento acabou sendo inimiga dos anseios comuns apresentados (e.g. melhoras de serviços públicos, reformas básicas e menos corrupção), pois a falta de diálogo entre ideologias auxiliou para dispersar e cessar as manifestações.
Um exemplo disso são as poucas conquistas de curto prazo obtidas, dentre tantas reivindicações apresentadas.
O desafio agora é construir uma massa crítica que seja capaz de conviver com as diferenças a ponto de conseguir se unir em torno de um objetivo comum, quando necessário for.
Dizem que o primeiro passo para consertar algo é o reconhecimento. Pois bem, praticamente todo Brasil quer mudança (e observem como o marketing de todas as campanhas abusou disso nesse pleito), então qual seria o próximo passo? O mais prudente pode ser avaliar o sistema e atacar, da maneira mais eficiente possível, as falhas existentes.
E aqui se observa um grande obstáculo: quem tem as melhores ferramentas para “consertar o Brasil”, a priori, são justamente instituições viciadas como os três poderes, a mídia e as grandes empresas (mercado capital).
Por mais que existam pessoas que tenham a vontade de virar o jogo dentro de cada segmento desse, seria muita ingenuidade acreditar que essa configuração de poder, que dita as regras há tanto tempo, vai querer mudar só com uma pressão pontual. Indubitavelmente, a cobrança deverá ser feita de maneira contínua e eficaz, até que as reformas necessárias sejam implantadas. E isso passa, necessariamente, pelo envolvimento de toda sociedade.
Citam-se, aqui, alguns desafios a serem superados:
Sabe-se que no Brasil o maior gasto relativo com impostos é das classes de mais baixa renda – cerca de dez vezes mais comparada com a parte mais rica, segundo o IPEA. Portanto, é muito difícil vislumbrar um Congresso, que aumentou significativamente sua quantidade de milionários, agir contra interesses próprios como uma reforma tributária progressiva.
Na mesma linha de raciocínio, é praticamente impossível imaginar a mídia abraçando qualquer ideia de regulação que auxilie na quebra do oligopólio atual. Não só por interesses financeiros, mas também pela influência política que esse ramo tem (quarto poder).
Muito pelo contrário, pode-se esperar da imprensa uma massiva campanha contra a sua regulamentação (que ela já chama de censura), ignorando experiências em países democráticos do mundo inteiro, desde os liberais EUA até a esquerda moderada como a Argentina, passando pela recente atitude da Inglaterra.
Outro calo no sapato certamente é o financiamento empresarial de campanha, uma vez que as grandes empresas do País não vão querer arriscar perder os seus benefícios políticos (facilitar licitações, por exemplo) que as ajudam a ter um retorno excelente de “investimento”.
Só existe um segmento da sociedade que conseguirá equilibrar forças com esses poderes a ponto de virar o jogo: a população. E, obviamente, quanto mais pessoas melhor! Tanto no campo quantitativo (pessoas nas ruas e nas mídias sociais) quanto no qualitativo (diferentes pensamentos e ideias), é muito importante a participação equilibrada de todos.
A má notícia sobre a situação de momento é que o começo de uma importante luta foi bem desanimador. Com todo o ódio que foi destilado entre eleitores durante o pleito e mesmo depois do resultado de domingo (26/10), não é possível nem sonhar com algum tipo de união pragmática.
Todos no mesmo barco
Uma mudança de comportamento deve ser vislumbrada. Para tanto, se o objetivo é mesmo realizar as reformas básicas necessárias para o desenvolvimento econômico e social do Brasil, é muito importante que todos brasileiros tenham a consciência de que, quanto mais divididos, mais enfraquecidos e, consequentemente, poucos avanços ocorrerão.
Para tanto, no mínimo, se deve ter empatia para entender a história e as necessidades do próximo, paciência para poder compreender o raciocínio desigual, respeito com ideais alheias, que podem ser caminhos diferentes para o mesmo fim, e humildade para aprender as mais diferentes formas de pensamentos.
É inconcebível, assim, ataques entre nordestinos e sulistas, petistas e tucanos, progressistas e conservadores, e por aí vai… Não só pelo ponto de vista ético ou filosófico, mas também pela lógica! Afinal, estão todos no mesmo barco que pode afundar sem o comprometimento e a ajuda mútua. O liberal assumido deve aprender a dialogar com a “esquerda caviar”, o marxista tradicional deve compreender a posição do “coxinha” e essa tolerância no debate será crucial para o entendimento de que, no fim, muitos objetivos são comuns.
Vale reafirmar, por fim, que o bem do nosso País passa pelo esforço de cada cidadão em aprender a cobrar, de forma coletiva, o que lhe é de direito e foi negado por tanto tempo em detrimento do interesse de poucos.
Nesse sentido, a união dos milhões de brasileiros e brasileiras será a base de uma democracia forte, na qual a vontade da subutilizada maioria efetivamente suplantará o desejo da poderosa minoria.
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