Publicado em Viomundo em 30-9-2015
Discurso do senador Lindbergh Farias (PT-RJ), na terça-feira, 29, em que cita o documento “Por um Brasil Justo e Democrático”, lançado por iniciativa do Brasil Debate, Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, Fórum 21, Fundação Perseu Abramo, Le Monde Diplomatique Brasil , Plataforma Política Social e Rede Desenvolvimentista:
Subo à tribuna hoje para falar sobre o documento assinado por economistas que foi lançado ontem, em São Paulo, pela Fundação Perseu Abramo.
Primeiro estranhar que alguns Senadores, inclusive hoje, aqui, tenham questionado o fato de a Fundação Perseu Abramo, de economistas, ter lançado sugestões para que o Brasil volte a crescer.
Nós estamos num debate público. As várias correntes políticas nacionais trazem sua opinião sobre esse momento da vida econômica.
Há 15 dias, Senador Requião, os economistas tucanos se reuniram aqui em Brasília, Armínio Fraga, Samuel Pessoa, e falaram das propostas deles para sairmos da crise, propostas de que eu discordo.
As propostas do tucano eram as seguintes: primeiro, superávit de um ponto em 2016; superávit de dois pontos em 2017; superávit de três pontos em 2018; desvincular salário mínimo da Previdência; acabar com a vinculação constitucional dos recursos da saúde e da educação. Fizeram até críticas ao Plano Nacional de Educação, falando que aquele plano era de uma irresponsabilidade fiscal tremenda.
Ou seja, o caminho que eles oferecem é de aprofundamento desses cortes. E quando se fala em cortes em programas sociais, em saúde e em educação, nós estamos falando do povo mais pobre, do povo trabalhador deste Brasil, que é quem precisa desse serviço público na ponta.
Aqui não. Nós e os economistas liderados por Belluzzo e pelo Professor Marcio Pochmann partimos de uma constatação de que esse ajuste que está aí, comandado pelo Ministro Levy, não está dando certo. Fracassou.
Nós começamos um ajuste com o objetivo de melhorar a situação fiscal do País. Pois bem, no final do ano passado, nós tínhamos um déficit nominal de 6,7%.
Sabe o que aconteceu agora? O déficit nominal aumentou. Fizemos o ajuste e o déficit nominal, até o final de julho, era de 8,8%.
E aqui entra um debate central, Sr. Presidente. O problema desse déficit, a composição é centralmente a política monetária do Banco Central!
Olhe só. Em 2012, 4,83% do PIB de pagamento de juros. Em 2013, 5,1% do pagamento do PIB de pagamento de juros. No ano passado, nós subimos para 6,1%. Sabe quanto está no final de julho, no acumulado de doze meses? Está em 7,99%.
Na verdade, Senador Paulo Paim, e trago aqui um documento do Banco Central, o próprio Banco Central, no relatório de agosto, diz o seguinte: “No acumulado do ano, os juros nominais de janeiro a julho somam 288 bilhões, comparativamente a 148 bilhões do ano passado”.
De janeiro a julho do ano passado, 148, agora 288. Um acréscimo de 140 bi! Então nós estamos enxugando gelo!
Alguém fala de abono permanência para as universidades para economizarem 1 bi! Está aqui, 140 bi!
Continua o Banco Central: “No acumulado dos últimos 12 meses, os juros nominais totalizaram 451 bilhões, 7,92% do PIB”.
Então, sinceramente, nós não temos como fazer um ajuste fiscal sério ou colocar a economia para crescer com essa política monetária do Banco Central.
Essa é uma iniciativa muito importante. Na verdade, mais de 100 economistas participaram do lançamento desse manifesto “Por um Brasil justo e democrático”. Haverá lançamentos em todas as cidades do Brasil. Queremos fazer um lançamento também aqui em Brasília, ainda no mês de outubro.
O documento divide-se em dois volumes: “Mudar para sair da crise – Alternativas para o Brasil voltar a crescer”, e o segundo volume, “O Brasil que queremos – Subsídios para um projeto de desenvolvimento nacional”.
A síntese do volume 1. Vou tentar ler pelo menos este volume 1, porque sei que não terei tempo para ler o volume 2.
A lógica que preside a condução do ajuste é a defesa dos interesses dos grandes bancos e fundos de investimento. Eles querem capturar o Estado e submetê-lo a seu estrito controle, privatizar bens públicos, apropriar-se da receita pública, baratear o custo da força de trabalho e fazer regredir o sistema de proteção social. Para alcançar estes objetivos, restringem as demandas por direitos e a capacidade de pressão dos trabalhadores.
O ajuste fiscal em curso está jogando o Brasil numa recessão, promove a deterioração das contas públicas e a redução da capacidade de atuação do Estado em prol do desenvolvimento. Mais grave é a regressão no emprego, salários, no poder aquisitivo das famílias, nas políticas sociais. Ao deteriorar o ambiente econômico e social, enfraquece o governo democraticamente eleito e amplifica a crise política e as ações antidemocráticas e golpistas que estão em curso.
Os defensores do ajuste argumentam que demandas sociais da democracia, represadas por mais de cinco séculos, não cabem no orçamento. Exigem a “revisão do pacto social da redemocratização”.
Querem fazer regredir os avanços sociais da Constituição de 1988, marco do processo civilizatório brasileiro. Pregam choque de austeridade, para cortar os gastos em saúde e educação, mas calam-se diante do fato de que a relação dívida bruta/PIB cresceu quatro pontos percentuais nos últimos de seis meses […] em função dos juros básicos da economia, sem precedentes na experiência internacional.
Diversos segmentos progressistas têm manifestado preocupação com a gravidade da situação política e econômica atual e procuram mobilizar-se para defender as conquistas sociais dos últimos anos. Começam a discutir a necessidade de uma nova frente política que sirva de contrapeso ao golpismo em curso. Essas distintas forças não estão orientadas pela estratégia específica dos partidos políticos. Articulam-se fora do âmbito decisório de suas decisões.
A hegemonia liberal na narrativa dos fatos econômicos.
A opção macroeconômica adotada em 2015 tem sua origem em uma disputa ideológica, travada no período pré-eleitoral, em que o “terrorismo” econômico, representado pela equivocada interpretação liberal da “crise”, foi vitorioso na narrativa dos fatos, promovendo as bases para a adoção de um ajuste recessivo que caminha na direção oposta da construção de um país menos desigual. Alerta-se que a raiz dos problemas atuais reside na crise financeira internacional de 2008 e seus desdobramentos e, secundariamente, nos erros da condução doméstica.
O documento sublinha que o diagnóstico liberal acerca da deterioração dos fundamentos econômicos até 2014 não se sustenta.
— A taxa de inflação não estava “fora de controle” e esteve próxima do patamar verificado em outras economias emergentes.
— Nos últimos 12 anos, o Brasil gerou expressivos superávits primários. Entre 2004 e 2013, a média anual foi de 3% do PIB; e entre 2011 e 2013, essa média caiu ligeiramente para 2,5% do PIB.– No caso do resultado nominal, o déficit entre 1999 e 2003 foi em média 5,6% do PIB. Entre 2004 e 20013, essa média cai pela metade, 2,9% do PIB. No triênio 2011/2013, permanece nesse patamar: 2,8% do PIB. É em 2014 que os resultados primário e nominal pioram.
— Respectivamente, superávit primário, 0,6%, e déficit nominal, 6,7% do PIB.
Vale aqui citar, Senador Requião, a comparação internacional, porque fazem um carnaval em relação ao déficit primário de 0,6%, mas é importante olhar a comparação internacional. No ano de 2014, os Estados Unidos tiveram um déficit primário de 3,2%; o Japão, de 7,1%; o Canadá, déficit primário de 1,4%; Reino Unido, déficit primário de 3,8%. Alemanha, não. Alemanha, superavit primário de 2,0%; França, déficit primário de 2,1%; Itália, superávit de 1,5%; Espanha, déficit de 3%. E por aí vai.
Veja que o problema nosso não é a questão do resultado primário. O nosso problema aqui é o resultado nominal, onde está essa incidência absurda de juros praticada no Brasil. É isso que desequilibra as nossas contas.
— Mas, na comparação internacional, o esforço fiscal brasileiro não se encontra desajustado. Os países desenvolvidos e as economias emergentes incorreram em expressivos déficits primários durante o período 2009 a 2014.
— O déficit nominal brasileiro também não estava fora da média mundial até 2014. A diferença é que a maior parte dessas economias apresentam taxas de juros civilizadas. O verdadeiro desajuste brasileiro está nas contas de juros, esta, sim, completamente descolada da realidade global.
— A dívida pública líquida em relação ao PIB caiu de forma contínua até 2013, 31,5% do PIB, e elevou-se ligeiramente em 2014, 34,4% do PIB.
— A dívida bruta também não está descolada da realidade internacional pós-crise internacional e não se apresentava, até 2014, com uma trajetória insustentável.
— Entre 2007 e 2013, em geral, o ritmo do crescimento brasileiro foi superior à média mundial, embora tenha se desacelerado progressivamente a partir de 2010. Entre 2011 e 2014, os indicadores do mercado de trabalho permaneceram muito satisfatórios na comparação internacional. Ao contrário do que se observa em grande parte dos países desenvolvidos, a taxa de desemprego no Brasil seguiu trajetória de queda nessa quadra.
— A “crise terminal” da economia, professada pelos liberais militantes, também não encontra respaldo nos indicadores sobre o risco Brasil.
— Durante o primeiro Governo de Dilma Rousseff, diversos indicadores externos mantiveram a trajetória positiva observada desde 2002 (reservas internacionais líquidas, dívida externa pública bruta em porcentagem do PIB e dívida externa pública liquida em porcentagem do PIB, por exemplo).
Em suma, apesar de apresentar deterioração de alguns indicadores entre os anos de 2013 e 2014, o Brasil não apresentava, sob nenhum aspecto considerado, um cenário de crise que exigisse tamanho sacrifício da população.
Na contramão da opinião de economistas de diferentes matizes, os porta-vozes dos bancos e dos fundos de investimento defendem que a volta da credibilidade do Governo junto aos agentes econômicos depende de austeridade fiscal e monetária, exigindo juros mais altos e maior destinação de impostos para o pagamento da dívida pública. Defendem também que a única saída para a redução dos preços passa pela desaceleração do mercado de trabalho, o que implica a redução do salário real e menores pressões altistas.
Decidiu-se apostar em cortes nos gastos e investimentos públicos em um cenário de receitas cadentes, em vez de se apostar em uma estratégia de ampliação das receitas através da retomada do crescimento econômico, redução dos gastos com juros, realização de reforma tributária distributiva e combate à sonegação e evasão de receitas. Esse cenário é agravado pelo ajuste apenas primário das contas públicas, enquanto os juros continuam crescendo, favorecidos pela atuação do Banco Central, o que amplia o déficit nominal e deteriora a relação dívida bruta/PIB.
Os primeiros resultados confirmam que a tão esperada retomada da confiança empresarial não dá sinais de ocorrer. O País encontra-se em recessão técnica (dois trimestres seguidos de contração da atividade econômica), e o mercado já trabalha com projeção de queda de 2,5% do PIB em 2015.
O aumento do desemprego e o rebaixamento dos salários já aparecem como dados preocupantes na estatística oficial. Na prática, portanto, o ajuste recessivo está promovendo uma pesada desvalorização do salário real e uma veloz ampliação do desemprego, objetivo confesso de diversos economistas liberais como mecanismo de controle da inflação.
As “reformas estruturais” que estão sendo implantadas e propostas pelos bancos e fundos de investimento, acolhidas pelo Congresso Nacional e pelo Executivo Federal, representam uma modernização econômica conservadora, que começam já a destruir os instrumentos institucionais e financeiros necessários para um projeto de desenvolvimento de longo prazo, como proposto nesse documento.
Agenda de curto prazo – e encerro com este ponto, Sr. Presidente –: mudar para sair da crise.
As propostas apresentadas de forma sumária nesse documento visam a contribuir para retirar o País da desastrada austeridade econômica em curso e para a consolidação de um projeto sustentável de crescimento com inclusão social.
Uma agenda de curto prazo que permita tornar essa travessia mais suave, construindo os alicerces para um novo momento de desenvolvimento econômico que o Brasil precisa enfrentar.
Levantamos as seguintes questões.
1. Preservar o emprego e a renda. A prioridade atual é frear o crescimento da desigualdade de renda, que coloca por terra os avanços obtidos nos últimos anos.
2. Desarmar a armadilha recessiva. O atual quadro recessivo precisa ser rapidamente revertido, caso se deseje retomar o processo de desenvolvimento no futuro próximo. Não há ajuste fiscal possível em um cenário de recessão e decrescimento das receitas públicas.
3. Gestão macroeconômica: lições da experiência internacional. Diversas nações implantaram mecanismos mais flexíveis de gestão macroeconômica. Algumas características dessas experiências internacionais podem inspirar mudanças na institucionalidade desses regimes no Brasil. Regime fiscal: estabelecer “bandas” e prazos mais amplos; retirar os investimentos do cálculo da meta do superávit primário; alterar o ano calendário do Regime de Metas de Inflação (RMI); calcular a inflação pelo núcleo de preços; ampliar o debate sobre as causas da inflação e os instrumentos para combatê-la; estabelecer duplo mandato do Banco Central e regular o mercado de câmbio.
4. Baixar os juros. A principal responsabilidade pela magnitude do déficit nominal brasileiro reside na manutenção de taxas de juros excessivamente elevadas e nas rotineiras intervenções do Banco Central com a venda de swaps cambiais.
5. Recompor a capacidade de financiamento do Estado. Não há ajuste fiscal possível com taxas de juros estratosféricas. Além disso, como se sabe, a melhor alternativa para o ajuste das contas públicas é o crescimento da economia, que potencializa as receitas governamentais. Adicionalmente, a recomposição da capacidade de financiamento do Estado é uma alternativa para substituir o ajuste fiscal: revisão da política de renúncias fiscais, reorganização do Estado para combater a sonegação de impostos, reformar a estrutura tributária e promover a justiça fiscal.
6. Destravar os investimentos públicos e privados. A retomada dos investimentos é condição fundamental para a recuperação do setor privado brasileiro (Fora do microfone.), que fornece insumos e equipamentos para estes projetos. E os dois últimos pontos, Sr. Presidente, para acabar em menos de 30 segundos.
7. Fortalecer o mercado interno. A expansão do mercado interno de consumo de massas é um dos pilares do ciclo de crescimento recente e se constitui um importante vetor da impulsão e do crescimento.
8. Por fim, preservar os gastos sociais. O gasto social brasileiro se constitui em importante vetor da demanda agregada.
Sr. Presidente, quero agradecer a V. Exª pela tolerância. Acho muito importante ter este espaço para ler esse documento. Nós queremos entrar num debate sobre o que fazer daqui para frente. Nós defendemos o Governo da Presidenta Dilma, mas estou convencido de que esta defesa do Governo da Presidenta Dilma tem que vir junto de uma manifestação de luta pela mudança dessa política econômica.
Se continuarmos nesse ritmo, poderemos ter desemprego de 10% em março do próximo ano. E nós diminuímos, dessa forma, a nossa margem de manobra política para defender o mandato constitucional da Presidente da República.
Essa é a minha contribuição no dia de hoje.
Agradeço-lhe muito, Sr. Presidente. Outro dia voltarei à tribuna para falar novamente sobre a segunda parte desse tão importante documento, organizado por mais de 100 economistas e que foi lançado no dia de ontem, em São Paulo.
Muito obrigado.
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