Levy or not Levy: That is not the Question!

A nomeação do novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem gerado muita controvérsia. Para alguns, a presidenta teria se curvado de vez ao mercado, prestes a inaugurar a virada neoliberal que tanto criticara em seu opositor. Para outros, foi uma jogada política de mestre, tendo deixado a oposição, inclusive a midiática, estarrecida.

Dilma seguiria acompanhando de perto a política econômica, impedindo seus desvios de conduta mais flagrantes. Por sua vez, há aqueles que prefiguram um ano de 2015 marcado pela recessão com forte ajuste fiscal e desemprego em alta. Do outro lado, os mais otimistas insistem que o sacrifício será de curta duração, rendendo boa colheita nos anos seguintes.

Acho ainda muito cedo para formulações maniqueístas, que geralmente fecham o espaço para o acordo e mesmo para o conflito, este muitas vezes prenhe de soluções criativas. O fato é que nem todos os dados foram lançados. A condução da política econômica depende de um conjunto de variáveis sobre as quais ainda não se tem conhecimento. Diagnósticos precipitados podem se revelar precocemente ultrapassados. Apresento abaixo alguns elementos para a reflexão.

Primeiro, por mais qualificado que seja o novo ministro, para o “bem” ou para o “mal”, vale insistir que uma equipe econômica foi entronizada de maneira conjunta na esplanada. Levy, ao que tudo indica, dividirá o tablado com Nelson Barbosa, no Planejamento, e Alexandre Tombini, que continua à frente do Banco Central. Faltam ainda os presidentes dos bancos públicos, cada vez mais estratégicos para o País.

Até o momento, o máximo que se poder dizer é que se trata de uma equipe potencialmente equilibrada em face da coalizão de forças existente no País. Levy, um quadro do mercado, com formação nitidamente liberal e passagem por importantes cargos na esfera pública, inclusive como secretário do Tesouro no primeiro governo Lula.

Barbosa possui formação mais heterodoxa e vasta experiência nos governos federais do PT. Tombini, quadro do Banco Central, que no governo Dilma protagonizou tanto a política de redução de juros como a sua elevação, vista como a única opção para controlar os níveis de inflação.

Por que potencialmente equilibrada? Ora, dependendo das nomeações para os bancos públicos, a política econômica pode ou não seguir a linha reta que vem sendo defendida pelo novo ministro da Fazenda. Cumpre ressaltar que o seu discurso – bem como as suas entrevistas para a grande mídia onde se depara com jornalistas a lhe levantarem a bola – é apenas parte da peça. Faltam outros atores que ainda não entraram em cena.

Segundo ponto: seria esta a melhor alternativa? Permito-me afirmar de maneira algo peremptória o seguinte: a presidenta não tinha alternativa. Ou melhor, dentre as disponíveis, que não eram tantas, esta parece a mais adequada.

Para justificar a afirmação acima, acredito que algumas considerações sobre a economia política do primeiro governo Dilma se fazem necessárias.

A despeito do diagnóstico que se faça da recente desaceleração da economia brasileira, o fato é que o mercado, especialmente a grande finança, e a mídia criaram uma “crise insustentável” que não condizia com os dados da economia brasileira e nem com o seu potencial de expansão.

De um lado, o governo dizia que a crise vinha de fora e usava os mecanismos disponíveis para atenuá-la. De outro, a oposição mercado-mídia insistia sobre a leniente política fiscal e a inflação fora dos trilhos.

Parece-me que ambos diagnósticos estão equivocados. O governo perdeu a condução da política econômica, já em 2013, quando teve que elevar os juros, tentando voltar ao tripé da política macroeconômica, que já deixara de funcionar. Não à toa, tivemos a combinação de câmbio ainda baixo com inflação represada e uma política fiscal não contracionista de modo a compensar os efeitos negativos dos juros altos.

O mercado, por sua vez, demandava e ainda demanda ajuste na veia para melhorar o endividamento do governo, que em tese promoveria a queda dos juros mais à frente. O problema é que dependendo do ajuste – superávit primário, nível de juros, mais carteira dos bancos públicos – as decisões de investimento podem ser comprometidas, além de terem impacto menor do que se espera sobre a inflação.

Para além da política econômica em si, existe uma batalha – travada em várias frentes – para redefinir o espaço e o papel do setor público e do setor privado (nas suas várias facções de classe), cujo desenlace revela-se vital para o novo ciclo de expansão e o seu caráter mais ou menos concentrador.

Dependendo do tamanho e da qualidade do ajuste, a indústria e até mesmo o agronegócio – excessivamente bem representados no governo – podem direcionar a sua artilharia, até então concentrada na candidata, para o ministro Levy.

Por outro lado, no Planejamento, outra frente de batalha se esboça com a tentativa do ministro Barbosa de lançar uma nova agenda de estímulos ao investimento de longo prazo. As vantagens concedidas ao setor privado, especialmente na área de infraestrutura, definirão não só o volume a ser investido no futuro, mas de que forma e com quais custos para a sociedade.

Portanto, pode-se gostar ou não do pensamento do novo ministro da Fazenda, com afirmações por vezes contundentes e facilmente rebatidas. Não é a sua orientação ideológica que está em jogo.

Vale lembrar que o próprio anúncio do superávit primário, para este ano e os seguintes, é menor do que o mercado esperava, e inclusive bem menor do que o mercado exigiria caso o ministro não fosse da sua turma. O fato concreto é que Dilma ganhou nas urnas e “perdeu” para o mercado, que é, junto com o Estado e a sociedade, quem define os contornos do padrão de desenvolvimento.

Por fim, neste contexto, marcado por um cenário internacional incerto, e por uma mudança de marcha na economia brasileira, o que mais angustia é a composição do restante do Ministério, voltada exclusivamente para as negociações no Congresso, e com pouco respaldo dos movimentos sociais. Tanto mais preocupante agora que a equipe econômica, depois de uma posição mais confortável durante os anos de Lula à frente do poder, passa a estar agora alojada no olho do furacão.

Qual a margem de manobra de Joaquim Levy, eis a questão? A resposta não depende apenas da presidenta Dilma, mas também e principalmente das forças que a elegeram.

Comentários

4 respostas para “Levy or not Levy: That is not the Question!”

  1. Avatar de Ricardo
    Ricardo

    Alexandre coloca, mais uma vez a frente da maioria, o que está realmente em jogo: a disputa para redefinir o papel do setor público e de grupos de interesse no possível ciclo de expansão que a economia terá. De outro modo, o Brasil retrocederá? Voltará a ser mais concentrador? O Governo federal, por sua vez, não está ajudando em nada para legitimar ações de desenvolvimento e distribuição. Nesse impasse, ganha força a tese do Alexandre: a briga não é com Levy, mas com parcela poderosa da sociedade que não quer mudanças no ‘status quo’. Parabéns, Alexandre.

  2. Avatar de Caio
    Caio

    Sinceramente, não há nada no seu texto que justifique a caracterização da frase “a presidenta não tinha alternativa” como peremptória. Alias, sua frase seguinte é a negação dessa afirmativa. Opções a presidenta tinha INFINITAS, cada uma com seus riscos e potenciais. O Fato é que com a nomeação ela jogou fora o cacife que obteve nas eleições.
    Um outro ponto é que as criticas principais foram direcionadas as medidas anunciadas pelo Levy e pelo conjunto dos ministros. Se ele pode vir a ser só um fantoche ou boi de piranha, não importa, sofreremos do mesmo jeito com a política fiscal contracionista do governo e com as perdas de direitos trabalhistas.
    Sobre o potencial de contrapor as medidas do ministério da fazenda com a ocupação de outros cargos estratégicos, não acho que seja factível. Além de me parecer apenas uma receita de bolo para o desgoverno, propostas como a privatização da caixa e redução da participação dos bancos públicos parecem apontar na direção contrária.
    Sobre a pergunta final “qual a margem de manobra de levy?”, depois de jogar fora o respaldo conquistado a duras penas durante a eleição, o ministro, que conta com toda a mídia e o mercado financeiro, teve ter uma margem tão grande quanto as margens de lucro dos bancos.

  3. Avatar de Ricardo
    Ricardo

    Acho que não lemos o mesmo texto. A questão importante apontada está em outro nível de abstração. Será preciso perceber que o jogo que está na mesa não é a fórmula simples “fantoche ou boi de piranha”. Os movimentos para fortalecer o Ministro da Fazenda já são explícitos em qualquer mídia tradicional e estas ações não vem do Governo ou do PT. Por outro lado, o presidente do Banco Central no governo Lula foi um banqueiro e o Ministro era um homem que empregou nomes como o próprio Levy. Então, por que “com a nomeação ela fora jogou o cacife que obteve nas eleições”? Creio, como faz o Alexandre que o há mais complexidade na tabuleiro do que parece.

  4. Avatar de Thiago Rocha
    Thiago Rocha

    Caio, creio que o Prof. Barbosa, e ele mesmo poderá afirmar neste espaço, tinha como objetivo, quando se referiu “a presidente não tem escolha”, as opções viés de mercado, ou viés de governo, e não como você se refere à personificação.

    Sem dúvida, as peças faltantes do tabuleiro, e mais, em um governo de coalisão como o nosso, são necessárias para desvendar o véu do próximo projeto de desenvolvimento. Adicionalmente, a pontecial nomeação aventada pela mídia para o BNDES pode auxiliar na construção dos cenários prospectivos.

    Parabéns, Prof. Barbosa! Temos aqui uma boa reflexão.

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