Keynes: ensaios sobre os 80 anos da Teoria Geral

Em uma carta para Bernard Shaw, datada em 1/1/1935, John Maynard Keynes escreve que acredita estar “escrevendo um livro sobre teoria econômica que em grande parte revolucionará – não de uma só vez, mas, suponho, no curso dos próximos dez anos – o modo como o mundo pensa os problemas econômicos.” (KEYNES, 1973: 492)

Keynes acertou ao escrever que seu livro, The General Theory of Employment, Interestand Money (GT), publicado em 1936, revolucionaria o pensamento econômico; todavia, errou ao afirmar que sua obra mudaria e influenciaria a Economia, teórica e operacionalmente, somente nos dez anos seguintes, principalmente porque, passados 80 anos de sua publicação, as ideias de Keynes apresentadas na GT continuam sendo discutidas na academia e adotadas pelos policymakers.

Ademais, nas últimas oito décadas, a teoria econômica do mainstream baseou-se ou nas interpretações equivocadas da GT, tais como a síntese neoclássica e a novo-keynesiana, ou centrou suas críticas a quaisquer princípios supostamente keynesianos, como as teorias monetarista e novoclássica.

O que é a “revolução keynesiana”? O projeto de Keynes na GT consiste em, por um lado, apresentar o modus operandi de uma economia monetária da produção, que é inerentemente instável e, por outro lado, propor medidas econômicas que mitiguem as flutuações cíclicas dos níveis de produto e de emprego. Para tanto, a “revolução keynesiana” na GT é constituída, em termos teóricos, pelo princípio da demanda efetiva e, em termos práticos, pela implementação tanto de políticas fiscal e monetária contracíclicas para dinamizar a demanda efetiva e, por conseguinte, mitigar a taxa de desemprego, quanto de política de rendas, por meio da taxação de grandes fortunas e do capital, para dirimir a desigualdade pessoal da renda e da riqueza.

Resumidamente, a GT mostra que a teoria clássica era relevante somente para explicar o sistema econômico na presença de pleno emprego, o que, por sua vez, é um dos casos possíveis da trajetória cíclica das economias e, por sinal, bastante raro.

Assim, ao refutar a ideia da teoria clássica de que os níveis de atividade econômica e emprego são determinados pelas condições de oferta, Keynes apresenta uma teoria em que o princípio da demanda efetiva é o fator explicativo da dinâmica de economias capitalistas que estão sujeitas a “equilíbrios” instáveis com presença de desemprego involuntário. Keynes argumenta que flutuações cíclicas de demanda efetiva e desemprego ocorrem porque, diante de um contexto de incerteza sobre o futuro que acaba condicionando as expectativas dos agentes, as decisões de gastos – consumo e investimento – são postergadas e, como contrapartida, a demanda por moeda cresce.

Enfatizando o aspecto prático da “revolução keynesiana”, Keynes sai da contemplação teórica ou dos exercícios de estática comparativa que recheiam a GT para propor pelo menos duas medidas para dinamizar a economia em um contexto de crise de desemprego: por um lado, a “socialização do investimento”, ou seja, o governo, por meio de suas funções reguladora e estabilizadora, tem que criar, através das políticas econômicas e de reformas estrutural-institucionais, um ambiente de negócios favorável à tomada de decisão dos investimentos privados; e, por outro lado, a “eutanásia do rentier”, isto é, a autoridade monetária tem que sinalizar uma taxa “neutra” de juros que incentive o investimento privado e desestimule a demanda por riqueza financeira.

Por que as lições da GT são relevantes nos dias de hoje? A GT é fundamental para se entender a dinâmica da globalização financeira e, mais ainda, para se analisar as origens e os desdobramentos da crise financeira internacional iniciada com o subprime, em 2007/08, e da Grande Recessão. Ademais, após a referida crise, a economia mundial não entrou em uma depressão profunda devido às políticas monetária (quantitative easing) e fiscal contracíclicas, de inspirações keynesianas, implementadas tanto pelos países desenvolvidos quanto pelos emergentes.

Pois bem, tendo como inspiração os 80 anos da GT, o livro Keynes: ensaios sobre os 80 anos da Teoria Geral, do qual somos organizadores, reúne ensaios de autores, nacionais e estrangeiros, que ilustram não somente a relevância do pensamento de Keynes, em geral, e daquilo que se condensou na GT, em particular, mas também a importância dos desdobramentos do pensamento keynesiano, sejam no campo da teoria econômica pós-keynesiana, sejam em campos afins da teoria econômica heterodoxa, como Joseph Schumpeter e Mikael Kalecki.

Desta forma, o livro resgata os princípios metodológicos, teórico-analíticos e as contribuições de políticas econômicas de Keynes para, por um lado, contextualizar a “revolução keynesiana”, e, por outro lado, mostrar que as ações contracíclicas dos policymakers contemporâneos vão ao encontro da ideia de que, parafraseando Keynes, “[h]omens práticos, que acreditam ser isentos de quaisquer influências intelectuais, geralmente são escravos de algum economista morto” (KEYNES, GT, 2007: 383).

O livro está dividido em três seções: aspectos teóricos da obra de Keynes; ensaios pós-keynesianos; e interfaces entre Keynes e a heterodoxia econômica. Os quatro primeiros capítulos exploram argumentos teóricos, em termos gerais e específicos, sobre a Economia de Keynes. A seção 2 debruça-se sobre alguns insights pós-keynesianos. A terceira seção do livro sugere articulações teóricas entre Keynes e outras abordagens heterodoxas.

capa keynes

Sumário do livro (TOMO Editorial, 2016)

Seção 1 – Aspectos teóricos da obra de Keynes

O retorno de Keynes

Fernando Cardim de Carvalho

Keynes: o liberalismo econômico como mito

Pedro Cezar Dutra Fonseca

Induction as Keynes’smethod

Fernando Ferrari Filho e Fábio Henrique Bittes Terra

O debate Keynes-Tibergen: relato histórico de uma controvérsia sobre a origem da econometria

Rafael Galvão de Almeida

Seção 2 – Ensaios pós-keynesianos

A oferta de moeda em Keynes

Bruno Paim

A coherent macroeconomic approach to macroeconomics with enviromental aspects

Philip Arestis e Ana Rosa González-Martínez

Post Keynesianmacroeconomicpolicy regime

Philip Arestis, Fernando Ferrari Filho e Fábio Henrique Bittes Terra

Seção 3 – Interfaces entre Keynes e a heterodoxia econômica

Hierarquia de moedas e redução de autonomia de política econômica em economias periféricas emergentes: uma análise keynesiana-estruturalista

Barbara Fritz, Luiz Fernando de Paula e Daniela Prates

Mr.Keynes and the neo-Schumpeterians: contributions to the analysis of the determinants of innovation from a post-Keynesian perspective

João Prates Romeiro

Demanda efetiva, investimento e dinâmica: a atualidade de Kalecki para a teoria econômica

Mario Luiz Possas

Princípio da demanda efetiva: notas sobre as controvérsias entre Keynes e Kalecki

Heitor Victor Silva Brinhosa e Lauro Mattei

Referências

Keynes, J.M. (1973). The General Theory and After: part I, preparation (The Collected Writings of John Maynard Keynes, volume 13). London: Macmillan Press Ltda.

Keynes, J.M. (2007). The General Theory of Employment, Interest and Money. New York: PalgraveMacmillan.

 

Comentários

Uma resposta para “Keynes: ensaios sobre os 80 anos da Teoria Geral”

  1. Avatar de Romilson Cabral
    Romilson Cabral

    Um presente de Natal esta obra. Principalmente para nos debruçar sobre as inconsequencias das PECs propostas.

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