Imposto de renda e ajuste. Está faltando algo nessa conversa

O lema do momento, no Planalto, é o “ajuste”. O problema é este: quem o ministro da Fazenda quer ajustar? Pelo jeito, como diz a plebe, “é nóis”. E só.

Não sou nenhum especialista em tributação. Longe disso. Talvez por isso ainda não tenha entendido porque é que temos uma regra para extorsão de Imposto de Renda como essa que temos. Não usei o termo “extorsão” por acaso. É uma gracinha que faço para os picaretas que inventaram o “impostômetro” e outros picaretas que na mídia berram contra a “carga fiscal” que “os brasileiros” pagam. Quem paga, cara pálida? E quem deveria pagar? Essas são as questões relevantes.

Já temos um sistema tributário deslavadamente regressivo, simplesmente pelo fato de extrair a sua fatia maior nos chamados impostos indiretos (como os impostos sobre o consumo). Ao contrário de praticamente todos os países desenvolvidos – e mesmo dos países “emergentes” que sempre nos mostraram como exemplo. Mas mesmo o Imposto de Renda, o mais “progressivo”, é, de fato, um presente dos deuses para o andar de cima da sociedade.

Vejam só este quadro resumido das declarações de renda pessoa física, feito a partir do documento que a Receita cola no seu website (Grandes Números da IRPF, 2012, o último disponível).

tabela reginaldo

Custa crer. Mas… quase 17 milhões dos 25,6 milhões de declarantes deveriam e poderiam ser declarados isentos. Simples assim. Cobrar imposto de renda desses cidadãos é não apenas uma extorsão – é falta de serviço.

A rigor, aliás, a Receita deveria perder seu tempo com a última faixa. E só. Não apenas porque é responsável por 90% do IR. Tem mais motivo para isso: é a única faixa que se beneficia, de fato, com as deduções legais (gastos com saúde, educação, previdência privada, etc.).

E, mais ainda: é a faixa que menos recolhe na fonte. E, mais ainda: os contribuintes dessa faixa, mesmo depois de pagar o IR, ficam com uma renda per capita que é quase a soma das outras faixas somadas. E, mais: estamos apenas nos referindo aos “rendimentos tributáveis”. Desnecessário dizer que é nessa faixa que moram os rendimentos isentos ou fracamente tributados, como os rendimentos de sócio ou titular de empresa.

Que diabo de perda resultaria de isentar pura e simplesmente esses 17 milhões de contribuintes da base da pirâmide e criar faixas adicionais na escala superior? A rigor, como dissemos, apenas a última faixa deveria ser preocupação do fisco e dos auditores. É ali que se concentra a riqueza. Se olhar mais de perto, essa faixa deveria ser dividida em várias fatias. Quem sabe comecemos a olhar para o nosso “1%” de cima.

Estou enganado? Isso é uma vergonha, como diria um famoso e histérico âncora de telejornal, que provavelmente também não paga nem 10% do imposto que deveria pagar.

Pessoal do Planalto: não é o caso de prestar atenção nisso? Além de tudo, vocês deveriam levar em conta o significado político de uma mudança como essa.

 

Comentários

9 respostas para “Imposto de renda e ajuste. Está faltando algo nessa conversa”

  1. Avatar de C. Tramontina
    C. Tramontina

    Excelente.
    Mas será que algum pessoal do Planalto prestará atenção nisso?
    Duvido…

  2. Avatar de Gabriel
    Gabriel

    Entendi, agora nós temos que punir as pessoas por serem bem sucedidas? Taxa-las apenas porque podemos?

    As pessoas das faixas mais altas, são as com maior poder de negociação!

    Se elas forem taxadas em mais 10%, por exemplo, elas irão pedir um aumento de 10% no salário! Se os Paulos Lemanns, Abílios Diniz tiverem que pagar mais impostos, dar aumento para seus melhores funcionários, eles irão repassar isso para os consumidores! E estarão seguindo a sua lógica, irão taxar os consumidores porque eles podem fazer!

    E, além disso, terão um lucro menor, o que significa menos investimentos, menos empregos, uma menor produtividade…

    Sobretaxar grandes riquezas é um tiro no pé!

    1. Avatar de RLemos
      RLemos

      A evidência é conclusiva (ver Paul Krugman e Anthony Atkinson) que não existe efeito redutor de produtividade até taxas marginais de imposto de 70%. Um exemplo histórico muito convincente é a economia dos EUA no pós guerra onde crescimento econômico incomparável ocorreu ao mesmo tempo que as taxas marginais sobre os mais ricos eram de 90%. Os preços dos produtos são determinados por outros fatores que não tem nenhuma relação com o imposto que pagam as classes executivas. Os críticos do aumento de impostos para os mais ricos estão distribuidos em 3 categorias: os próprios ricos, pessoas pagas pelos ricos para defender os seus interesses, e gente mal informada.

  3. Avatar de Angelo Del Vecchio
    Angelo Del Vecchio

    Muito bem posto. Talvez convenha acrescentar que a faixa superior é também aquela na qual a rotatividade da mão de obra é menor, seja por conta de empregos de alta qualificação, seja por conta de nela se localizarem sócios-proprietários. Enfim, muito para poucos.

  4. […] de Renda Pessoa Física (IRPF). O tema foi analisado no Brasil Debate também por Reginaldo Moraes (Imposto de Renda e ajuste. Está faltando algo nessa conversa) e Róber Iturriet Ávila (Por um ajuste fiscal via reestruturação […]

  5. […] O número baixo de faixas de tributação do Imposto de Renda limita o poder deste imposto de atenuar a concentração de renda. Uma das propostas é ampliar o número de faixas de renda, tributando mais pesadamente o topo da pirâmide e corrigindo as faixas pela inflação, de sorte a aliviar a tributação incidente sobre as camadas de mais baixa renda (mais detalhes aqui). […]

  6. […] de Renda Pessoa Física (IRPF). O tema foi analisado no Brasil Debate também por Reginaldo Moraes (Imposto de Renda e ajuste. Está faltando algo nessa conversa) e Róber Iturriet Ávila (Por um ajuste fiscal via reestruturação […]

  7. Ceci Juruá
    Ceci Juruá

    6 idéias para o IR. Muito bom, parabéns, caro prof. Reinaldo. Basta tributar o andar de cima e realizamos o ajuste de curto prazo. Eu incluiria ainda as deduções por conta de gastos de saúde, que só beneficiam os ricos. Classe média e pobres não podem gastar, limitam-se aos planos de saúde. E ainda chegaria a propor duas faixas suplementares para o IR, com alíquotas de 35% e 45% para rendimentos entre R$ 40 e R$ 80 mil e acima de R$ 80 mil.
    Cumprimentos, abraço cordial, Ceci Juruá

  8. […] de Renda Pessoa Física (IRPF). O tema foi analisado no Brasil Debate também por Reginaldo Moraes (Imposto de Renda e ajuste. Está faltando algo nessa conversa) e Róber Iturriet Ávila (Por um ajuste fiscal via reestruturação […]

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