Publicado no JornalGGN em 21-7-2016
Um dia após a blogosfera revelar que a Folha de S. Paulo omitiu a parte da pesquisa Datafolha onde 62% dizem que querem que Michel Temer e Dilma Rousseff renunciem juntos e convoquem novas eleições ainda neste ano, o que reina é o silêncio absoluto nos veículos de comunicação consolidados. Para o analista João Feres Junior, isso é sinal de “corporativismo sim, mas menos para proteger a Folha [da denúncia de fraude jornalística] e mais para proteger a linha editorial geral da mídia atual, de apoio ao governo Temer”.
Coordenador do Manchetômetro (laboratório de estudo de mídias), doutor em ciência política e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, João Feres Junior disse ao GGN, em entrevista por telefone, nesta quinta (21), que não há nada de surpreendente neste novo episódio de manipulação por parte da Folha. “A Folha faz isso há muito tempo.”
A verdade veio à tona na manhã de quarta (20), após o portal The Intercept divulgar que 50% querem que Temer continue poder porque a outra alternativa dada ao entrevistado pelo Datafolha era a volta de Dilma. À noite, o Tijolaço revelou que a Folha escondeu a pergunta sobre novas eleições gerais, que registrou apoio de 62%.
Segundo Feres, é importante ler a fraude na divulgação da pesquisa de opinião pública no domingo (17) dentro do contexto de blindagem ao governo Temer. “Para entender o nível da manipulação, tem que dar uma olhada na cobertura do jornal como um todo. Por exemplo: no dia 15 de julho, eles não deram nada, sequer uma nota na capa sobre o Ministério Público Federal ter determinado o arquivamento da investigação pedida pelo Tribunal de Contas da União sobre as pedaladas de Dilma”, lembrou o especialista.
“Eles publicaram a pesquisa manipulando os dados na mesma edição em que há um editorial com posição bem clara, falando que Temer trouxe estabilidade à economia. A manipulação está totalmente coerente com a linha editorial do jornal. Estão embarcando na aventura Temer.”
Desmascarada no caso Datafolha, a direção do jornal divulgou uma matéria informando que não publicou nem no dia 17 nem posteriormente que 62% querem novas eleições porque a redação não viu “relevância” nesse dado.
Para Feres, é natural que a Folha não dê o braço a torcer, pois a linha do jornal é fingir pluralidade perante os leitores. “O fato é que os editores acham que tem muita gente que se convence da política de neutralidade da Folha. Eles mantêm Boulos, Duvivier e Safatle, que são três contra 30 colunistas à direita, para dar o verniz de pluralidade.”
Furando o bloqueio
Em 2014, Feres coordenadou o projeto Manchetômetro, que qualificou a cobertura da imprensa ao longo das eleições daquele ano em relação à Dilma Rousseff, então candidata à reeleição, e seus principais adversários. O resultado foi que Folha, Estadão e o O Globo massacraram a candidata governista.
Hoje, a imprensa vive um “esforço duplo”, diz Feres. “Tem que elogiar cada vez mais o Temer ou fazer cobertura neutra, com destaque para política econômica ou coisas que as pessoas possam achar positivas, e ao mesmo tempo tratar a Dilma como se fosse passado.”
Para o cientista político, a saída é construir “alternativas à mídia tradicional”, que já deu mais de um “golpe neste país e não vai mudar os modos”.
“É imprescindível que as forças progressistas e a imprensa independente se unam e criem o esforço para uma mídia alternativa, algo que vá além da pulverização dos blogs. Os blogs são ótimos, mas são muito pulverizados. Era preciso uma centralização mínima para que não ficassem todos fazendo o mesmo trabalho, para que pudessem produzir mais e aumentar o alcance da cobertura. Só assim a gente consegue se livrar do oligopólio da imprensa tradicional.”
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