A reforma trabalhista (PL 6787/2016), quanto à jornada de trabalho, opera no sentido da flexibilização do uso da força de trabalho. Este artigo buscará, além de resumir as alterações, elucidar os motivos pelos quais a flexibilização é tão adequada para o empregador e tão prejudicial ao trabalhador.
Hoje, a CLT estabelece a jornada normal de trabalho de 8 horas diárias e 44 horas semanais, podendo haver até 4 horas extras na semana, sendo que não mais de 2 horas extras por dia. Mas a reforma trabalhista altera aspectos da jornada de forma a possibilitar maior flexibilidade para compensação das horas extras do banco de horas (Art. 59A), extensão da jornada diária para até 12 horas (turnos 12×36, Art. 59B) e implementação do contrato de trabalho intermitente. Além disso, propõe o fim do comunicado prévio de necessidade imperiosa de jornada de trabalho acima dos limites legais. Todas essas propostas vão no sentido de tornar a jornada de trabalho mais flexível, facilitando a compensação das horas extras sem custos adicionais e, no limite, permitindo a contratação sem garantia de jornada e remuneração (trabalho intermitente).
Motivações para a flexibilização da jornada
O empregador, quando compra a força de trabalho, está comprando o direito de fazer uso do tempo de trabalho do trabalhador. Não é de se surpreender que o empregador queira utilizar esse direito da maneira mais proveitosa.
Ainda, no embate das relações de trabalho, os detentores de capital têm melhores condições de estabelecer seus interesses sobre os trabalhadores. Assim, se as relações de trabalho fossem deixadas ao livre mercado, os empregadores estenderiam tanto quanto possível a jornada de trabalho contratada para obter máximo retorno. Esse movimento pode ser aprofundado até certos limites físicos e sociais. O primeiro seria aquele que o trabalhador conseguiria suportar até não “morrer de trabalhar” e o segundo é limite socialmente aceitável pela classe trabalhadora, na qual a jornada de 8 horas representa um marco histórico, estabelecida pela OIT em sua primeira convenção em 1919.
Mas o regime de acumulação flexível, característica do capitalismo contemporâneo, passou a explorar todas as formas de flexibilização da produção, seja em termos financeiros, territoriais ou do trabalho. E a jornada de trabalho é uma das variáveis de ajuste mais importantes da produção de bens e serviços, para que os empregadores possam se adequar às flutuações da demanda, repassando parcialmente as incertezas e os riscos do empreendimento para o trabalhador. Diga-se de passagem, isso vai em total desencontro, segundo a teoria econômica convencional, com o “ser empreendedor” e o “ser contratado”, quanto à aversão ao risco.
Essa sedutora possibilidade de ajuste se dá na medida em que, por exemplo, por conta de uma queda da demanda, o empregador percebe que não precisaria de tantos trabalhadores, pois ou uma parte ficaria ociosa ou geraria estoques indesejáveis. O cenário ideal para ele seria empregar o montante de hora-trabalho estritamente necessário correspondente à sua perspectiva de venda.
Podendo flexibilizar a jornada, a parte “excedente” de hora-trabalho contratada poderia simplesmente não ser empregada, e ser utilizada outro momento (aumento inesperado de demanda). Assim, o tempo da força de trabalho total seria empregado o mais perto possível da maneira ótima para o capital, acompanhando as flutuações das vendas.
Mas e o trabalhador?
A flexibilização da jornada defendida pelo Projeto de Lei implica o trabalhador estar excessivamente disponível para o empregador. Acompanhando as oscilações da necessidade de produção, o trabalhador encontra sua jornada sendo reduzida ou estendida, sem ter controle do seu tempo de trabalho. As consequências para o trabalhador não são poucas: desorganização da vida social e familiar, perda de perspectiva de crescimento profissional, aumento do número de acidentes e cansaço acentuado. Em suma, consequências de ordem social, psicológica e da saúde.
A intensificação ocorre pela diminuição dos intervalos entre uma atividade e outra. Com o tempo da força de trabalho sendo continuamente utilizado, as porosidades do trabalho são minimizadas, ou seja, cada ínfimo momento em que o trabalhador consegue “respirar” e se recompor dentro da jornada de trabalho é esvaziado, pois sua mão de obra está sendo intensamente absorvida com a flexibilização da jornada.
A possibilidade de jornadas maiores e a certeza da intensificação do ritmo de trabalho levam ao aumento do número de acidentes do trabalho e adoecimentos ocupacionais. Essas consequências da flexibilização da jornada são diretas e facilmente perceptíveis. O que não se tem em conta, muitas vezes, é que não se trata somente da saúde do ponto de vista individual. É uma questão de saúde pública, e, portanto, deve fazer parte de um amplo debate da sociedade, pois construir uma sociedade mais doente não só é indesejável do ponto de vista de humanidade, como também do ponto de vista do orçamento público.
Além dos impactos físicos, a incerteza da jornada de trabalho desemboca no descontrole da própria rotina de trabalho do trabalhador. Isso gera imediato impacto na organização da vida social do trabalhador, assim como na própria vida profissional, pelo trabalho excessivo e com jornada imprevisível, dificultando a possibilidade de capacitação via cursos de aperfeiçoamento, treinamentos e acúmulo de novos conhecimentos. Tudo isso pode desencadear doenças psíquicas e perda de interesse em demais aspectos da vida. De novo uma questão de saúde pública.
Portanto, a reforma trabalhista atua no sentido de flexibilizar a jornada de trabalho, o que é extremamente favorável para o empregador extrair maiores ganhos do tempo de trabalho contratado, reduzindo custos e, assim, transferir parte do risco do negócio para o trabalhador. Por outro lado, o trabalhador é prejudicado pela intensificação do trabalho, desorganização da vida social, perda de perspectiva de capacitação e aumento do número de acidentes.
Crédito da foto da página inicial: Arquivo Agência Brasil
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