Analisando os programas relativos à Política Externa Brasileira (PEB) dos candidatos da oposição mais competitivos nas eleições presidenciais deste ano — Aécio Neves, Eduardo Campos, agora substituído por Marina Silva –, vemos que há apenas duas concepções em disputa em função das semelhanças entre as propostas do PSDB e do PSB neste campo.
Inclusive, é perceptível que os socialistas autênticos não tiveram influência sobre o que Campos defendia e aquilo que Marina agora defende. Esta disputa é entre a PEB implementada pelos governos Lula e Dilma e as opiniões coincidentes expressas agora por Aécio e Marina.
A começar pela visão de que a política externa é uma “Política de Estado” e não de governo e que consequentemente ela teria sido “partidarizada” e “ideologizada” durante os últimos 12 anos.
É o bordão atual da direita no mundo todo de que sua política é apoiada exclusivamente em elementos técnicos e, portanto, correta, e que a da esquerda é ideológica e, consequentemente, equivocada. Como se a defesa do “Estado mínimo” e políticas de austeridade não fossem posições motivadas ideologicamente.
No programa do PSB, seus autores chamam a atenção, com razão, para a responsabilidade constitucional do Presidente da República na condução da Política Externa. Porém, caberia perguntar que política ele ou ela deveriam seguir ao serem eleitos? A de seu partido ou coalizão? Ou dos partidos de oposição? Ou a da burocracia especializada? A resposta me parece óbvia.
A segunda questão é quanto à Política de Estado. No pós-Segunda Guerra Mundial, tivemos no Brasil situações de alinhamento explícito com os Estados Unidos nos governos Dutra, Café Filho, Castelo Branco e Collor de Mello.
No governo FHC, tivemos a tentativa de inserir o Brasil nas cadeias produtivas globais, o que também pressupunha uma aproximação com as grandes potências de onde elas se originavam.
Durante o segundo governo de Getúlio Vargas, no de Jânio Quadros e João Goulart, nos governos militares, com exceção do primeiro, e nos governos Lula e Dilma, tivemos a Política Externa Independente, o Pragmatismo Responsável, a Política Ativa e Altiva, entre outras caracterizações semelhantes.
Se concordássemos com critério “Política de Estado”, qual seria então a que vale? A do alinhamento ou a da independência?
É visível pelos dois programas que tanto o candidato Aécio quanto Marina defendem o retorno à política de inserção nas cadeias produtivas globais, isto é, a tentativa de enganchar a indústria brasileira onde for possível nas empresas multinacionais e, por consequência, readequar a política externa de modo a favorecê-la.
Um desdobramento desta visão é a defesa candente de realizar acordos de livre comércio a qualquer custo: seja na OMC, seja aproximando-se da Aliança do Pacífico, seja acelerando o acordo Mercosul-União Europeia mesmo que em “duas velocidades” – Brasil primeiro, e os demais membros do Mercosul se e quando quiserem.
Esta última ideia é tão desastrosa que até mesmo FHC em sua época valorizava a importância do Mercosul unido nas negociações com outros blocos. Se Garrincha fosse vivo, certamente perguntaria se os resultados vantajosos para o Brasil já estariam “combinados com os adversários”!
Para se chegar a acordos com vantagens mútuas, não basta ter disposição de negociar. Depende da disposição também dos outros atores e de correlações de força favoráveis. Isto não é dado. É construído.
E por aí segue o enterro! Até mesmo nas negociações sobre mudanças climáticas o programa de Marina condena o princípio da “Responsabilidade Comum, Porém Diferenciada” que norteou a postura da coalizão formada por Brasil, África do Sul, Índia, China e outros países em desenvolvimento diante da intransigência dos países industrializados em cumprir seu papel na redução das emissões de gases de efeito estufa.
É absolutamente contraditório que uma candidata supostamente comprometida com o meio ambiente e a sustentabilidade não queira que os países poluidores assumam sua responsabilidade diante da gravidade do aquecimento global. Porém, não é de se estranhar, tendo em vista que a candidata agora também afirma que nunca foi contra as “plantas e sementes transgênicos”.
Tanto Aécio quanto Marina querem desmontar uma das áreas em que o Brasil avançou de forma extraordinária e conquistou muito respeito interno e externo durante os últimos 12 anos e substituir as variadas relações construídas neste período por relações preferenciais com os Estados Unidos, União Europeia e Japão – sob a alegação de que estes não se encontram em declínio enquanto potências e que vêm se recuperando paulatinamente da crise.
Cabe lembrar que nem o presidente Lula e nem a presidente Dilma deixaram de se relacionar com os países centrais.
O que fizeram foi ampliar o espectro das relações mais limitadas que o Brasil possuía, ampliando-as para a América Latina e Caribe, África, Oriente Médio e Ásia de uma forma geral, além de contribuir decisivamente para o estabelecimento de coalizões Sul-Sul, como o G-20 comercial, a Unasul, a Celac, a ASPA, o IBAS e BRICS, entre outros, e de coalizões Norte-Sul, como o G-20 financeiro. Sem falar do investimento feito para fortalecer o Itamaraty com novas embaixadas e diplomatas.
Por fim, outro ponto em que os dois candidatos coincidem é a oposição à criação de um Conselho de Política Externa atualmente em discussão entre o Itamaraty e diversas entidades da sociedade civil.
As toscas justificativas para esta oposição é que o Estado brasileiro já possui os meios de dar voz para a sociedade por intermédio de seus representantes eleitos no Parlamento (Aécio) e que a criação deste Conselho representaria um “desprestígio” para o Itamaraty, órgão responsável por manejar a política externa brasileira (Marina).
É na essência uma proposta que representa grande retrocesso diante de um país que vem construindo seu espaço no mundo fundamentado no senso de justiça, direito e democracia, respeitando igualmente todos os países, pequenos e grandes e sem se dobrar a ninguém como bem demonstrou a presidente Dilma quando denunciou a espionagem norte-americana contra o governo brasileiro.
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