Escola sem Partido e a desconstrução da educação plural
29/06/2016
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A partir da posse do ministro da Educação, Mendonça Filho, a preocupação[1] com a desconstrução dos avanços na educação brasileira, conquistados depois da consolidação de políticas públicas implementadas pós-1990, tem se tornado uma constante na vida dos educadores.
Em especial, ao tratarmos aqui dos projetos que compõem o Movimento Escola sem Partido e suas derivações, caracterizam esse grupo de educadores aqueles que prezam por um projeto nacional de educação pautado na pluralidade do ensino, no desenvolvimento da capacidade argumentativa dos indivíduos e do entendimento de distintas realidades político-econômico-sociais que se apresentam na sociedade mundial, a partir de uma base de conhecimento diverso.
Nesse sentido, esse artigo apresenta uma discussão inicial sobre as características desses Movimentos de desconstrução da pluralidade do ensino e suas investidas de legitimação nas esferas Federal, Estadual, Municipal e, especialmente sob as negociações em curso para implementação da Base Nacional Curricular Comum[2] (BNCC), a qual determinará o conteúdo mínimo em cada uma das etapas da educação básica.
De forma mais clara, esse Movimento está buscando legitimidade não pela via da discussão dos seus princípios e justificativas, mas sim, pela imposição de um conjunto de Projetos de Lei (PLs), no âmbito federal, entre os quais se destacam os PLs 7180/2014, 7181/2014, 867/2015, 1859/2015, 2731/2015, 1411/2015, 5487/2016 e 4486/2016.
O Projeto de Lei Escola sem Partido tramita atualmente nas Assembleias Legislativas dos estados do RJ, GO, SP, ES, CE, DF, MT e RS e, nas Câmaras de Vereadores dos municípios de Curitiba/PR, Joinville/SC, Rio de Janeiro/RJ, São Paulo/SP, Toledo/PR, Vitória da Conquista/BA, Cachoeiro de Itapemirim/ES e, Foz do Iguaçu/PR; tendo sido aprovado já em Santa Cruz do Monte Castelo/PR e Picuí/PB.
O Movimento Escola sem Partido surgiu em 2004, por iniciativa do advogado Miguel Nagib, com a justificativa da necessidade de reação a um suposto fenômeno configurado, em suas palavras, como a “instrumentalização do ensino para fins político-ideológicos, partidários e eleitorais”, tendo como principais vítimas dessa prática os “jovens inexperientes e imaturos, incapazes de reagir, intelectual e emocionalmente, a um professor que esteja determinado a ‘fazer a cabeça’ dos alunos” (NAGIB, 2010).
A justificativa do fenômeno pauta-se na seguinte afirmação: “segundo pesquisa realizada pela CNT/SENSUS e publicada pela revista Veja, a imensa maioria dos professores (78%) acredita que a principal missão da escola é ‘despertar a consciência crítica dos alunos’” (NAGIB, 2010).
No entanto, qual seria o problema de os professores indicarem que o papel da escola é formar cidadãos críticos e/ou despertar a consciência crítica dos alunos? Para Nagib (2010) o problema reside numa relação direta entre essa perspectiva e a perpetuação de ideias de esquerda, pois, “esse ‘despertar da consciência crítica’ consiste sempre na mesma coisa: martelar ideias de esquerda na cabeça dos alunos”, assim, o que os professores estariam produzindo, continua ele, seria “apenas mais um ignorante cheio de certezas, pronto para entregar os destinos da nação a políticos que pensam (ou fingem que pensam) como ele”.
Para justificar que essa doutrinação é real, Matos (2015) recorre, assim como Nagib (2010), ao resultado da pesquisa do CNT/SENSUS, de 2008, e a uma pesquisa da Unesco[3], sendo que esta última teria como resultado que 72,2% dos professores indicaram que uma das finalidades importantes da educação seria formar cidadãos conscientes.
Em suas palavras, “Raymond Boudon, no verbete ‘Ideologia’ de seu conceituado Dicionário crítico de sociologia, afirma que ideologia é uma noção obscura patenteada pelo marxismo, obscuridade aumentada, acrescento eu, pela multiplicidade de seitas marxistas, neomarxistas, filomarxistas, protomarxistas, crítico-progressistas e até pós-marxistas que disputam a herança teórica deixada pelo pai do comunismo moderno” (MATOS, 2015, p. 2).
A configuração do fenômeno baseada nessa pesquisa (CNT/SENSUS, de 2008) torna-se frágil, pois: o fenômeno é baseado numa resposta de uma pesquisa defasada temporalmente; não se apresentam os critérios pré-definidos para o entendimento das suas questões pelos entrevistados; não há divulgação dos dados primários e; foi divulgada somente por um veículo de informação, no caso, privado e, o qual foi responsável também por encomendar essa pesquisa.
Apesar dessa fragilidade, o Movimento Escola sem Partido já formulou três documentos apontando os resultados da pesquisa CNT/SENSUS como indicador palpável do fenômeno, quais sejam: anteprojeto de lei estadual Movimento Escola sem Partido[4]; anteprojeto de lei municipal Escola sem Partido[5]; Modelo de notificação extrajudicial contra o professor[6]. Como um educador pode ser notificado judicialmente por ser “doutrinador” quando apontar que tem entre seus objetivos enquanto professor contribuir para a formação de cidadãos críticos?
Assim, as justificativas desse movimento são frágeis, mas suas investidas estão se expandindo dentro do contexto de crise político-econômico-social e pautando-se numa disputa política “direita-esquerda”, quando a estruturação do ensino de qualquer nação não pode se pautar dessa forma.
Restringir o acesso ao conhecimento, seja de qualquer linha teórica, não representa resultados positivos de nenhuma forma. A mudança de Governo, a partir de um processo de impeachment que deixou claro durante a votação no Congresso Nacional que o que foi levado em consideração pautou-se na disputa “direita-esquerda” e não na busca pelo interesse na nação, demonstra que, se a PL 4486/2016 for aprovada, o resultado da votação da BNCC não será pautado pelos interesses de mudanças positivas na educação brasileira, mas, sim, em interesses particulares de disputa política.
Referências
ARAÚJO FILHO, H. Carta do coordenador do FNE sobre as denominadas proposições “Escola sem partido” e “Escola livre”. ANPED, 2016. Disponível em: http://www.anped.org.br/news/carta-do-coordenador-do-fne-sobre-denominadas-proposicoes-escola-sem-partido-e-escola-livre. Acesso em: 11 jun. 16.
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Atividade legislativa – Projeto de Lei. Câmara dos Deputados, 2016. Disponível em: http://www.camara.gov.br/buscaProposicoesWeb/pesquisaSimplificada. Acesso em 15 jun. 16.
CARTA EDUCAÇÃO. Escola Sem Partido preocupa por questionar a transmissão dos saberes, afirma Janine. Carta Educação, 2016. Disponível em: http://www.cartaeducacao.com.br/entrevistas/escola-sem-partido-preocupa-por-questionar-a-transmissao-dos-saberes-afirma-janine/. Acesso em 09 jun. 16.
ESCOLA SEM PARTIDO. Anteprojeto de Lei Estadual e minuta de justificativa. Escola sem Partido, 2016a. Disponível em: http://escolasempartido.org/component/content/article/2-uncategorised/484-anteprojeto-de-lei-estadual-e-minuta-de-justificativa. Acesso em 05 jun. 16.
ESCOLA SEM PARTIDO. Anteprojeto de Lei Municipal e minuta de justificativa. Escola sem Partido, 2016b. Disponível em: http://escolasempartido.org/component/content/article/2-uncategorised/485-anteprojeto-de-lei-municipal-e-minuta-de-justificativa. Acesso em 05 jun. 16.
ESCOLA SEM PARTIDO. Notificação Extrajudicial: serviço de utilidade pública. Escola sem Partido, 2016b. Disponível em: http://www.escolasempartido.org/artigos-top/552-notificacao-extrajudicial-servico-de-utilidade-publica. Acesso em 05 jun. 16.
NAGIB, M. Entrevista de Miguel Nagib à revista Profissão Mestre. In.: REVISTA MESTRE. O Poder de influência do Professor. Revista Mestre, jul-2010. Disponível em: http://escolasempartido.org/midia/395-entrevista-de-miguel-nagib-a-revista-profissao-mestre. Acesso em: 11 jun. 16.
MATOS, B. T. P. de. Doutrinação política e ideológica nas escolas. Escola Sem Partido, 2015. Disponível em: http://www.escolasempartido.org/images/braulio. Acesso em: 11 jun. 16.
[1]Essa preocupação pontual se coloca em conjunto com uma preocupação ampla a partir do momento que o Governo Interino apresenta uma série de medidas de desconstrução de ganhos sociais conquistados nos últimos anos, com a justificativa da necessidade de um ajuste fiscal, da necessidade de recomposição dos ministérios pautado em interesses políticos e não em interesses e conhecimentos das Pastas e, da abertura para a retomada de um processo de conversadorismo que passa a se configurar no próprio processo de transição não democrático do Governo Federal.
[2] A BNCC está prevista no Plano Nacional de Educação (PNE) que entrou em vigor em 2014. Essa base irá definir os elementos principais que educadores(as) deverão considerar na elaboração do projeto pedagógico da escola.
[3] Matos (2015) não indica fontes mais claras para acesso aos dados e/ou pesquisa completa com as quais trabalha.
[4] Ver Escola sem Partido (2016a).
[5] Ver Escola sem Partido (2016b).
[6] Ver Escola sem Partido (2016c).
Crédito da foto da página inicial: Elza Fiúza/ABr

De fato, depois do período militar, as esquerdas conseguiram de uma maneira dissimulada, inserir a ideologia nas escolas, e isso efetivamente comprometeu o raciocínio crítico baseado na informação oferecida e na comparação, confrontação e reflexão sobre o que uma sociedade efetivamente democrática deve cultivar. Isso deu-se também nos movimentos sociais, que desde o início trabalharam a ideia de que o povo tinha um inimigo a combater: os que eram mais abastados, e curiosam ente os que lhes davam empregos. O ódio instalado e que aflorou exacerbadamente nos últimos anos serviu para demonstrar e provar que as esquerdas são iguais ou piores do que os militares, sobretudo nas ideias obtusas. Nas escolas, o que se deve oferecer é muita informação para a formação. O que tem prevalecido é a informação encaminhada para combater e isso é inadmissível. Os jovens, tolamente fazem o trabalho de muitos covardes que se escondem atrás de discursos falidos.
[…] a ajuda do PSDB, de Franco Montoro e Mário Covas, os projetos pipocam pelo país. Segundo artigo de Leonora Guimarães, “o Projeto de Lei Escola sem Partido tramita atualmente nas Assembleias Legislativas dos […]
A IDEOLOGIA NA ESCOLA
Ninguém pode negar, em sã consciência, as incontáveis contribuições culturais de pensadores como Aristóteles, Althusser, Nietsche, Paulo Freire, Freud e Hobsbawm para a humanidade.
Contra a ‘doutrinação partidária’ e ideológica nas escolas, em 2004, surgiu o movimento Escola sem Partido. Esse movimento polêmico vem crescendo e tem origem nas bancadas reacionárias e conservadoras do Congresso Nacional. Em algumas prefeituras já foram aprovadas leis para colocar em prática suas ideias retrógradas e autoritárias. É o caso de Maceió e Campo Grande. Nessas cidades, os docentes não podem discutir temas relacionados à política e sexualidade.
A verdade: não existe neutralidade. No máximo, pode-se ter uma opinião desapaixonada. Exageros, infelizmente, podem ocorrer dentro dos muros escolares. Mas, ninguém nega que absurdos ocorrem, também, nos lares, nas igrejas, na imprensa e tantos outros lugares.
Engana-se quem rotula e pensa que as escolas – públicas ou não – são redutos esquerdistas. Há professores que se alinham com a ideologia de direita e outros de esquerda. Muitos não são filiados a partidos políticos.
Na escola, o aluno aprende sobre Marx, John Locke, Adam Smith… Então, é preciso amadurecer a discussão e ampliar o debate com todos os atores.
Por outro lado, todo mundo, também, sabe que a escola é um espaço de construção do saber. Ou seja, todos aprendem e ensinam. É um local onde se constrói projetos e se desenvolve ideias. Pois bem, o que acontece no espaço escolar é vetor para a construção da cidadania e de uma sociedade melhor pautada em valores sadios. Enfim, a escola é um local de pluralismo, de visões políticas diferentes.
APROFUNDAR O DIÁLOGO
Em uma palavra: a escola é o locus em que acontece o debate, o confronto de ideias e a expansão cultural dos alunos. O bom aluno é aquele que sabe questionar, que discorda e que pode ser um agente de mudança no meio onde vive. Em outras palavras, isso é parte do papel de um estabelecimento de ensino. Do contrário, não há razão para sua existência.
O que mais chama atenção é o fato do Escola sem Partido querer impor o seu posicionamento como desculpa de doutrinação. O pior de tudo é que esse movimento defende a criação de leis autoritárias para criminalizar os professores.
Lembro, aos ingênuos e cínicos, que vivemos num país cuja cultura e educação de qualidade é privilégio de uma minoria. A maior parte da população não tem acesso ao conhecimento de ponta, que é produzido nas escolas e nas universidades. Mais ainda, não tem acesso aos equipamentos e bens culturais que poderiam expandir seus horizontes e propiciar uma melhor qualidade de vida.
A esse respeito, o editorial, Na base da ideologia, da Folha de S. Paulo (15/5) traz um alerta que deve ser levado em conta: ”Não se combatem eventuais abusos da liberdade docente com leis vagas e punitivas. Nenhuma norma será capaz de definir de modo operacional o que seja ou não seja ideologia em sala de aula, nem substituirá o diálogo dos pais e dos alunos com professores e diretores.”
Que fique claro: não faz sentido um movimento, que se diz liberal, querer interferir no projeto pedagógico da escola. A verdade é uma só: é uma maneira de calar o professor! Isso é uma tentativa de desmontar a educação. Será que essa demanda, defendida pelo movimento Escola sem Partido, atende, de fato, as necessidades dos jovens estudantes ou de um determinado segmento social? E tem mais ainda, o currículo expressa uma visão de mundo, de política e de ideologia. Nele está presente conceitos fundamentais como cidadania, democracia, ética, igualdade, direitos e deveres, liberdade de expressão…
Para concluir, ”Estudar Karl Marx é necessário nas ciências sociais, mas não quer dizer quem estuda Marx vira marxista”, diz Renato Janine Ribeiro. O mesmo raciocínio se aplica a Aristóteles – que diz: ”O Homem é um animal político” – e aos demais geniais pensadores da humanidade. Afinal, é graças a eles que a humanidade evoluiu mais rapidamente. (Ricardo Santos é prof. de História)