Nas últimas semanas, o valor do dólar, que havia se aproximado de R$3,3 em meados de março, voltou a flutuar em torno de R$3,0. Muitos viram essa apreciação da moeda nacional como positiva ao considerar que, além de contribuir para a redução da pressão sobre o preço dos bens importados e conter a inflação, o aumento do ingresso de recursos financeiros que a impulsionou estaria refletindo, ao menos em parte, o afastamento do cenário de crise e a queda da percepção de risco em investir no País.
Por outro lado, aponta-se que o movimento apenas teria corrigido a depreciação excessiva do período anterior gerada pelo excesso de nervosismo no mercado financeiro. Apesar de plausíveis, tais considerações merecem alguns reparos.
Em primeiro lugar, deve-se notar que a desvalorização do Real no início do ano foi mesmo muito rápida, mas não excessiva. De fato, a taxa de R$3,0 por dólar não indica, em absoluto, a reversão do processo de valorização cambial ocorrido até 2011. Essa taxa permanece, em relação ao dólar, cerca de 15% valorizada frente à média de 2006, último ano em que a balança de bens manufaturados do País mostrou equilíbrio, e mais de 30% frente a 2004, quando se iniciou o último ciclo de forte crescimento.
Em relação a outras moedas importantes, cujo valor diante ao dólar têm caído, particularmente o Euro, a sobrevalorização do Real é ainda maior. E é muito maior quando calculada pela variação relativa dos custos industriais, mais relevante ao avaliar o efeito sobre a competitividade da produção nacional.
Essa sobrevalorização se dá em um mundo abarrotado de estoques e capacidade ociosa, onde a concorrência é muito mais acirrada do que era até 2008 e é acompanhada pela enorme volatilidade das taxas, da qual a recente valorização de cerca de 10% em pouco mais de um mês é apenas um exemplo.
De fato, há tempos o Real tem sido a moeda com as maiores flutuações dentre aquelas dos principais países emergentes, aumentando a incerteza quanto à rentabilidade futura com que as decisões de investimento devem ser tomadas.
Em segundo lugar, a evolução recente mostra que não são os preços dos bens importados, diretamente afetados pelo câmbio, mas sim os dos serviços e os preços administrados, os principais responsável pelo aumento da inflação, o que limita o efeito anti-inflacionário da valorização cambial.
Em terceiro, se a redução na percepção de risco de fato se verifica entre investidores de curto prazo, que são aqueles responsáveis pelo grande influxo cambial registrado a partir de março, o mesmo necessariamente não ocorre entre aqueles cujo horizonte temporal é mais longo, como tende a ser o caso dos investidores em projetos de infraestrutura cujo retorno se dá, com frequência, em prazos superiores a 20 anos ou mais.
Ao contrário, a valorização cambial prejudica a atratividade destes investimentos, normalmente vistos como poderosos motores do crescimento e sobre os quais hoje recaem grandes expectativas. Isto porque, ao dificultar a redução do déficit em conta corrente do País, a valorização eleva o risco de que o Real venha a sofrer, dentro do horizonte desses investimentos, uma depreciação forçada substancial.
Ela ocorrendo, os investimentos financiados com recursos externos internalizados a uma taxa de câmbio apreciada seriam remunerados com um fluxo financeiro convertido pela taxa depreciada, reduzindo, em moeda estrangeira, sua rentabilidade e, eventualmente, tornando-os inviáveis.
Ou seja, por mais atrativas que, em Reais, as oportunidades de investimento em infraestrutura possam parecer, a queda na rentabilidade esperada gerada pelo risco decorrente da sobrevalorização e da volatilidade cambial pode fazer com que a entrada de recursos externos para investimentos de longo prazo se restrinja ao financiamento dos projetos excepcionalmente lucrativos, limitando seu poder indutor sobre a atividade econômica.
Em quarto lugar, a sobrevalorização cambial, especialmente quando mantida por longos períodos, impacta pesadamente os investimentos e a produção na indústria, dado que a taxa de câmbio é, individualmente, o elemento que afeta de forma mais forte, rápida e abrangente a competitividade da produção no País.
O câmbio valorizado, ao diminuir a competitividade e, assim, a rentabilidade esperada do investimento produtivo, faz com que este, apesar de mais barato, se torne menos atrativo. Mesmo que, ao reduzir o custo dos insumos importados, possa favorecer um produtor nacional frente a outro que utiliza proporção menor desses insumos, a sobrevalorização prejudica a ambos diante do concorrente estrangeiro.
Com ela, por maior que seja a credibilidade na política econômica, a baixa rentabilidade do investimento produtivo conduz o empresário a não investir para elevar a produção e, ao contrário, a reduzi-la e transferir etapas produtivas ao exterior, convertendo a unidade produtiva em mera importadora.
A taxa de câmbio instável e continuamente valorizada compromete assim não apenas a exportação de manufaturados, mas põe em risco a própria sobrevivência de uma indústria capaz de reter participação relevante no mercado doméstico e se inserir em cadeias produtivas globais, além de limitar, é claro, seu papel na retomada da atividade.
A valorização recente do Real não deve, portanto, ser festejada; ao contrário, se mantida, deve ser vista com preocupação. Evidentemente, uma taxa de câmbio real competitiva e sem grandes flutuações não é condição suficiente para a recuperação econômica; contudo, ela é absolutamente necessária, especialmente em um contexto de duro ajuste fiscal inibindo a expansão da demanda.
Sem ela, dificilmente os esforços empreendidos tanto para atrair o capital privado, em particular o estrangeiro, para projetos de longo prazo em infraestrutura, como para induzir os empresários ao investimento produtivo, ambos fundamentais para a retomada do crescimento, apresentarão os resultados sobre a atividade econômica que deles se espera.
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