Demarcação e disputa pelas terras indígenas

Segundo a história tradicional, em 22 de abril de 1500, os europeus, vulgo ‘brancos’, chegaram ao hoje conhecido Brasil. Uma população superior a 5 milhões de indígenas foi reduzida para cerca de 900 mil, e 567 mil destes estão confinados nas 728 terras indígenas (dados da FUNAI para agosto de 2017), que correspondem a 13,8% da área de seu território original. No entanto, há os que achem justo expropriá-los ainda mais de suas terras.

Terras Indígenas – quantas são e onde estão

Segundo o Censo Demográfico de 2010/IBGE, as maiores etnias eram os Tikúna, com 46.045 pessoas, dos quais 39.349 residiam em terras indígenas, Guarani-Caiowá, com 43.401 pessoas (35.276 em TI) e Kaingang, com 37.040 indígenas (31.814 em TI). Esta população se distribui em grupos não muito populosos. Os Tikuna, por exemplo, estão em 27 terras, as quais, em geral, compartilham com outras tribos.

Como se pode observar no Mapa 1, cerca de 60% das terras indígenas estão localizadas na Amazônia legal. O maior território indígena é o Yanomami (nº 1 do mapa), que com cerca de 9,7 milhões de hectares, abarca parte do território amazonense e roraimense até a divisa com a Venezuela. Os segundo e terceiro maiores territórios indígenas contínuos ficam no estado do Amazonas. O Vale do Javari e Alto Rio Negro, com 8,6 e 8 milhões de hectares respectivamente, abrigam dezenas de etnias contatadas e outras isoladas. As menores terras indígenas do país ficam no estado de São Paulo, onde vivem tribos Guaranis.

O processo de demarcação

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu o prazo de cinco anos para que todas as terras indígenas brasileiras fossem demarcadas. O prazo naturalmente não se cumpriu, e o processo demarcatório destas terras ainda é lento e cercado de muitas pressões políticas e econômicas. Das 728 terras indígenas, apenas 466 (64%) encontravam-se regularizadas em agosto de 2017, segundo os dados da FUNAI.

A análise da tabela 1 permite concluir que há um longo caminho para regularização da terra indígena. A fase em que o processo mais se alonga, em geral, é a do Estudo, na qual, em agosto último, havia 120 processos em análise. Um exemplo é a terra indígena Vila Real, no Maranhão, que abriga a etnia Guajajara. Seu estudo de área iniciou em 2003 e ainda aguarda pela conclusão para seguir à etapa seguinte.

Outro gargalo neste processo é a fase de Declaração, na qual, após autorização do Ministério da Justiça, as terras ficam aguardando, em geral por anos, para terem seus limites demarcados fisicamente. Nesta etapa estão 72 áreas atualmente.

O mapa 2 permite visualizar duas informações. A cor temática de fundo indica que quanto mais verde está o estado, mais terras indígenas ele possui. Neste quesito destaca-se o estado do Amazonas, que possuía 157 terras indígenas em agosto de 2017. É notável esta concentração nos estados amazônicos e no Rio Grande do Sul.

No mesmo mapa é possível observar que alguns estados são muito mais lentos no processo de regularização das terras.

Afora o estado do Rio Grande do Norte, que possui um único processo, e que ainda não foi aprovado; os estados do Ceará, com apenas 11% dos territórios indígenas regularizados, Alagoas, com 28,6%, Santa Catarina, 33,3%, Rio Grande do Sul, 38,6, São Paulo, 40%, Mato Grosso do Sul, 45,8%, e Paraíba e Rio de Janeiro com 50%, são os estados onde tais processos menos andam. Já os estados do norte do país são os mais ágeis, Roraima possui 97% de suas terras indígenas regularizadas.

Degradação das terras indígenas

No mapa 3 pode-se observar a pressão que as áreas de mineração impõem aos territórios indígenas. A exploração mineralógica ocorre legalmente e de forma expressiva nos limites das terras indígenas, o que acaba por contaminar os rios, o solo, a fauna e a flora e propicia a malária, por conta do desmatamento. Um estudo conduzido em 2014 pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), nas terras Yanomami, mostrou que algumas aldeias chegaram a ter 92% das pessoas examinadas contaminadas por mercúrio, metal utilizado na separação do ouro, e que causa danos permanentes ao sistema nervoso central, ao coração e à formação fetal.

No entanto, é dentro das áreas indígenas que está o maior perigo. E ele se dá de duas formas:

– Processos de Requerimento Minerário: é possível observar no mapa 3 que diversas áreas indígenas estão também demarcadas com requerimentos minerários. Nesta áreas não há ainda uma exploração oficial em si, pois dependem da aprovação, pela Câmara dos Deputados, do PL 1610/96, de autoria do Senador Romero Jucá, que busca liberar a exploração de minerais em terras indígenas. Caso o PL seja aprovado, de início, um quarto das terras indígenas seriam compartilhadas para exploração mineralógica, exatamente nas áreas indicadas pelo mapa.

– Exploração ilegal: muitas áreas indígenas, em número maior do que as demarcadas com interesse oficial no mapa, já sofrem com mineração ilegal operada por garimpeiros. Tal exploração ocorre muitas vezes com estruturas de alto valor agregado, o que levanta fortes suspeitas de que algumas mineradoras já operam em tais terras por meio destes.

Outra agressão à Amazônia e às terras indígenas é o desmatamento. Estima-se que 20% do total de seu território original já foi desmatado. O desmatamento infelizmente tem se mostrando extremamente lucrativo a quem o executa, pois ganha-se com a madeira retirada e depois com a exploração da terra, seja para plantio, criação de animais, especulação imobiliária ou exploração mineralógica.

A experiência mostra que a demarcação de terras indígenas serve como um freio neste processo, pois, comparativamente, o total destas terras perderam apenas 2% de sua floresta original. Todavia, isto não é regra, e algumas comunidades mais expostas geograficamente a tais interesses econômicos perderam grande parte de sua floresta.

Todos estes fatores vêm fazendo com que a violência contra a população indígena aumente. Nessa luta de alguns “Davis” contra muitos “Golias”, não há tacapes o suficiente que alcancem tantos gigantes, fazendo com que esta seja uma disputa em que o amparo teórico legal tenha pouca serventia. Só um lado perde.

Crédito da foto da página inicial: Blog Mobilização Nacional Indígena

Comentários

13 respostas para “Demarcação e disputa pelas terras indígenas”

  1. Avatar de sonia carneiro
    sonia carneiro

    Gostaria de saber se o Sr teria alguma informação de quantas terras indígenas ainda faltam ser demarcadas no estado do Amazonas?

    1. Ronnie Aldrin Silva
      Ronnie Aldrin Silva

      Olá Sônia,
      No Amazonas existem 157 Terras Indígenas. Ainda faltam ser demarcadas 34.

  2. Avatar de MURILO
    MURILO

    Todos sabemos da cobiça internacional pela Amazônia rica em minérios, água em abundância, petróleo, nióbio,e tantos mais minerais que podem transformar o Brasil o país mais rico do mundo. Terra indígena é a maneira mais fácil para agrupar ONGS a serviço da cobiça alheia. Penso que cada terra indígena, não mais digamos terra indígena, e sim área indígena, porque as terras são absolutamente brasileiras e deveriam ser providas de um quartel militar, CEF, BB, Policia Federal etc. ìndio não pode ter o poder de alugar para estrangeiros explorarem minérios e tampouco cobrar pedágios. Enfim, o Brasil tem que enfrentar com todas as suas forças a exploração da cobiça.

    1. Ronnie Aldrin Silva
      Ronnie Aldrin Silva

      Murilo, esta exploração internacional dos recursos naturais brasileiros e das terras indígenas já está ocorrendo há muito tempo, só que ele opera em grande parte de forma ilegal, porque não é prestada a devida proteção a estes territórios. A água está cada vez mais sendo privatizada para grupos internacionais, bem como o petróleo, e com a chancela do atual governo.

  3. Avatar de Marcelo
    Marcelo

    E sobre as áreas indígenas serem utilizadas como porta de entrada de drogas?
    Com o consentimento da FUNAI?
    Todas essas áreas, principalmente nas fronteiras com Colômbia e Bolívia?
    Você acredita realmente que a preocupação está com os índios?
    Com “exploradores” de minérios?
    Ou com um controle mais rígido que pode ameaçar o atual tráfico de drogas?

    O buraco está bem mais embaixo.

    1. Ronnie Aldrin Silva
      Ronnie Aldrin Silva

      Se houvesse uma proteção às terras indígenas efetiva, como determina a legislação, o tráfico seria fortemente dificultado, bem como o garimpo ilegal.

  4. Avatar de CARLOS ANTONIO DE SENA
    CARLOS ANTONIO DE SENA

    Sou índio descendente, engenheiro civil e professor aposentado. Minha mãe costumava mascar folha de maconha para combater a fome enquanto ia caçar com o vovó na floresta. Isso é vida? Minha mãe abandonou a aldeia e veio para Manaus onde pode viver uma vida melhor. E creio que este é o sonho da maioria dos índios, mas parece que o objetivo da FUNAI é impedir que o índio seja um brasileiro civilizado. O governo deveria civilizar nossos índios e ensiná-los a explorar suas próprias terras aos invés de entregá-las às ONGs internacionais. E a turma que defende a ideia de que índio deve continuar índio deveria devolver suas terras e casas para os donos da terra e voltarem para Portugal.

    1. Ronnie Aldrin Silva
      Ronnie Aldrin Silva

      Carlos, acho que você deve respeitar o desejo de seus ascendentes e demais indígenas. A maioria não tem o mesmo desejo que você, muito pelo contrário. Pesquise e verá. E os que possuem este desejo, naturalmente possuem o direito de ir, deveriam apenas ter um suporte adequado da Funai. Mas esta está cada vez mais sucateada.

  5. Avatar de jane tany
    jane tany

    boa noite gostaria de saber sobre a disputa de terras indigenas no brasil e qual suas consequencias obg

    1. Ronnie Aldrin Silva
      Ronnie Aldrin Silva

      Jane, te encaminho dois links sobre.
      O primeiro possui indicação de publicações sobre o assunto: https://www.nexojornal.com.br/estante/favoritos/2018/04/14/5-livros-para-os-brasileiros-repensarem-sua-rela%C3%A7%C3%A3o-com-os-povos-ind%C3%ADgenas

      Este segundo é um link da FUNAI onde podes baixar muito conteúdo relacionado gratuitamente: http://www.funai.gov.br/index.php/projeto-editorial/livros
      Espero ter ajudado.

  6. Avatar de Leandra
    Leandra

    Amei a sua pesquisa muito obrigado

    1. Ronnie Aldrin Silva
      Ronnie Aldrin Silva

      Muito obrigado Leandra.

  7. Avatar de Paula
    Paula

    Qual a terra indigena não regulamentada no Amapá? Pois os povos indigenas aqui já possuem suas TI. São 4 TI ao total

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