Conferências nacionais: uma invenção brasileira que deu certo

Entre as instâncias de participação relacionadas no Decreto 8.243 que institui a Política Nacional de Participação Social (PNPS), gostaria de chamar a atenção para as conferências nacionais.

Conforme o decreto, conferência nacional é a “instância periódica de debate, de formulação e de avaliação sobre temas específicos e de interesse público, com a participação de representantes do governo e da sociedade civil, podendo contemplar etapas estaduais, distrital, municipais ou regionais, para propor diretrizes e ações acerca do tema tratado”.

O amadurecimento da democracia brasileira por meio da participação direta possibilitou que nosso País seja o único no mundo a adotar este modelo de construção de políticas públicas, reconhecido internacionalmente por promover o diálogo entre governos e sociedade civil para este fim.

Considerando o caráter paradigmático de pôr em diálogo povo e poder público, que define o processo conferencial, entende-se que tal espaço se reveste de tamanha amplitude e inovação democrática que poderia ser aproveitado como lócus principal de desenvolvimento de um processo de reforma política dos conselhos nacionais, a ser incluída dentre suas temáticas.

Além da crise de representatividade dos conselhos, existe ainda a necessidade de ampliar a democratização dos processos eletivos de conselheiros, avançando do modelo de representação para uma eleição direta.

Assim, os conselhos e conferências nacionais como ilustrações vivas da democracia participativa devem evitar cotidianamente a reprodução de métodos (vícios) exercidos pelo parlamento e reprovados pela sociedade. E, para tanto, contribui que a composição e o plano de ação dos conselhos nacionais sejam o reflexo, um extrato da conferência nacional.

De 1941 a 2014, foram realizadas 143 conferências nacionais, das quais 102 ocorreram entre 2003 e 2014, abrangendo 40 áreas setoriais em níveis municipal, regional, estadual e nacional e mobilizando cerca de oito milhões de pessoas no debate de propostas para as políticas públicas.

Para o ano de 2015 estão previstas mais 14 conferências nacionais, com uma estimativa de participação de mais de dois milhões de pessoas, desde as etapas municipais à nacional.

Cabe destacar que as conferências são uma conquista histórica da sociedade civil, e que ao longo dos últimos 12 anos têm se tornado mais participativas, efetivas e inovadoras, contemplando temáticas relacionadas aos direitos e demandas de minorias e grupos em situação de vulnerabilidade social.

Hoje a PNPS se materializa por meio da atuação de instâncias como os mais de 40 colegiados (conselhos e comissões nacionais), as conferências, ouvidorias, mesas de diálogo, audiências e consultas públicas, que são fundamentais para garantia de direitos no âmbito da sociedade brasileira.

Alguns exemplos: Estatutos do Idoso, da Juventude, da Igualdade Racial, da Criança e do Adolescente; o Sistema Único de Saúde (SUS); o Sistema Único de Assistência Social (SUAS); a Lei Maria da Penha e os três Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres; a criação do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de LGBT; a criação da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República e as três edições do Programa Nacional dos Direitos Humanos, dentre inúmeros outros.

Ainda este ano está prevista a realização de três conferências nacionais: a 2ª edição da Conferência Nacional de Educação (CONAE), com o tema central “O PNE na Articulação do Sistema Nacional de Educação: Participação Popular, Cooperação Federativa e Regime de Colaboração”, que terá mais de quatro mil participantes em Brasília; a 3ª Conferência Nacional de Economia Solidária, com o tema “Construindo um Plano Nacional da Economia Solidária para promover o direito de produzir e viver de forma associativa e sustentável”; e a 4ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, cujo tema será “Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, Direito de Todos e Todas e Dever do Estado” (coordenada e organizada pelo Conselho Nacional de Saúde).

Todas apresentarão contribuições importantes para a sociedade e demonstram a efetividade da participação social no País. Importância e efetividade reconhecidas e premiadas internacionalmente em junho deste ano pela ONU, que concedeu o prestigiado United Nations Public Service Awards (UNPSA) ao Brasil, pelo “Fórum Interconselhos”, mecanismo criado para garantir a participação da sociedade na elaboração dos Planos Plurianuais, sob a articulação do Ministério do Planejamento e da Secretaria-Geral da Presidência da República.

As conferências e conselhos nacionais estão no cerne do debate atual sobre a Política Nacional de Participação Social, mas pouco se tem discutido acerca da articulação e da necessária relação de dependência entre eles.

Uma discussão que é fundamental, pois é um equívoco primário considerá-los instâncias autônomas uma em relação à outra, cabendo um profundo debate sobre o tema, tendo em consideração os avanços da democracia participativa no Brasil e a atual visibilidade que assumiu.

Nesta direção, acreditamos poder caminhar para o desenvolvimento de uma relação mais orgânica entre os conselhos e as conferências nacionais como base estrutural da PNPS. Nesta nova articulação, caberia às conferências nacionais – por serem instâncias mais amplas, participativas, inclusivas e democráticas – constituírem-se em espaço de formulação e deliberação no que tange aos conselhos nacionais, quanto à eleição de seus representantes, estrutura e funcionamento e planos de ação a serem desenvolvidos por um determinado período.

Assim, os conselhos nacionais, ao serem reflexo político e orgânico das conferências nacionais, legitimam-se como espaço representativo e qualificado na organização destas, além de atuarem na formulação e execução de políticas públicas, no controle social e no monitoramento das propostas aprovadas nos respectivos processos conferenciais.

Dentre os desafios ora em tela para aproximar os conselhos nacionais dos princípios da participação social estão:

– promover a interação, articulação e intersetorialidade como bases para uma relação institucional e mais qualificada entre os próprios conselhos, com outros mecanismos (sobretudo as conferências, mas também ouvidorias, mesas de diálogo, audiências públicas, etc.) e com o governo federal;

– estimular o debate nos conselhos nacionais sobre a necessidade de reformas políticas internas abordando temas como representação versus representatividade, inovações no processo de escolha de conselheiros (como por exemplo, a eleição de conselheiros na respectiva conferência nacional), rotatividade de entidades e de representantes na composição do conselho, coordenação e organização das respectivas conferências nacionais, bem como monitorar o acompanhamento das propostas aprovadas;

– responder aos desafios relacionados à formação política dos conselheiros, principalmente os da sociedade civil;

– assegurar a institucionalização dos conselhos e conferências, isonomizá-los quanto a estrutura e funcionamento, recursos, procedimentos administrativos, composição, entre outros;

– integrar todos os conselhos às novas tecnologias para que se valham de excelentes ferramentas disponíveis, indispensáveis para o diálogo com a sociedade na atualidade; promover uma campanha de “ocupação dos conselhos municipais”, fortalecendo a articulação e institucionalização entre conselhos nacionais, estaduais e municipais;

– valorizar as conferências como um PROCESSO e não como um evento nacional, estimulando maior participação da sociedade civil nas etapas preparatórias; e assumir a compreensão de que os processos participativos são investimentos e não custos.

A materialização da PNPS por meio das centenas de conferências e ouvidorias, de dezenas de conselhos nacionais e de inúmeras audiências e consultas públicas não significa que não tenhamos desafios a serem enfrentados e superados.

O fortalecimento e aperfeiçoamento de instâncias e mecanismos de participação são imprescindíveis para a implementação do Decreto 8.243.

As conferências nacionais estão entre as mais vivas e efetivas expressões da democracia participativa no Brasil e representam uma evolução do método de formulação e controle social de políticas públicas por parte da sociedade civil, pois requerem o diálogo com o poder público e assim demonstram o amadurecimento político e a solidez da nossa democracia.

Comentários

4 respostas para “Conferências nacionais: uma invenção brasileira que deu certo”

  1. Avatar de Luiz Carlos Bresser-Pereira
    Luiz Carlos Bresser-Pereira

    Artigo muito bom, sobre um tema importante, mas o autor deveria escrever um outro com exemplos de debates e talvez de decisões qua foram tomadas no nível de uma determinada conferência nacional.

    1. Avatar de Marcelo Pires Mendonça
      Marcelo Pires Mendonça

      Sinto-me honrado pela crítica do ilustre professor Bresser-Pereira. Quanto à sugestão de outro artigo, comunico está em construção… Obrigado.

  2. Avatar de Manuela
    Manuela

    Prezado Marcelo, o Decreto 8.243 ainda não foi aprovado pelo Congresso Nacional. Gostaria de notar que a participação popular é bem vista dentro de uma democracia. No entanto, na ditadura bolivariana atual, em que vivemos, essa prática se torna apenas mais uma manobra para o controle do poder. Tendo o MST, a CUT e todos os grupos aliados participando seria o suficiente para a aprovação das matérias propostas pelo governo.

  3. Avatar de Carlos Tramontina
    Carlos Tramontina

    Manuela,
    Assim você só demonstra sua ignorância… Que ditadura você está falando? No Brasil, no Uruguai ou na Bolívia? Ora, ora… Quando se perde eleição vira ditadura? São países democráticos e como tal reconhecidos pela OEA, ONU e quaisquer instituições internacionais.
    Bolivariana, o que é isso? Você sabe quem foi Bolívar, sua importância latino americana e sua relativa pouca importância brasileira? Na Colômbia todos sabem quem foi Bolívar, mas aqui no máximo a maioria pensará em alguma moeda de país vizinho.

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