Banco Central independente ou autônomo?
22/09/2014
O tema da independência do Banco Central está no âmago da disputa eleitoral. Há aí confusão. Primeiramente, deve-se distinguir entre independência e autonomia do Banco Central (BC).
Atualmente, no Brasil, o BC conta com autonomia operacional: seu presidente é indicado pelo presidente da República, podendo ser demitido; e o BC não define metas, como a meta de inflação, mas tem liberdade para definir as políticas e o prazo para alcançar as metas.
No caso da independência do BC, esta é garantida por lei e seu presidente e diretores definem as metas e não podem ser demitidos, salvo em circunstâncias excepcionais. Dilma e Aécio defendem a autonomia do BC e Marina sua independência.
Os argumentos favoráveis à independência do BC são:
i) a necessidade de blindá-lo da ingerência do Executivo, com seus interesses particulares – o BC seria pressionado a adotar políticas favoráveis ao crescimento econômico, porém, inflacionárias no médio prazo, quando o governo já estaria (re)eleito;
ii) o BC teria mais credibilidade, o que eleva sua eficiência em coordenar as expectativas dos agentes formadores de preços e reduz a inflação;
iii) a moeda é exógena – este argumento, mais denso, deixarei para o final.
Os argumentos contrários à independência do BC são:
i) seus dirigentes não estão acima do bem e do mal e estão sujeitos à cooptação por interesses específicos, como os do sistema financeiro. Blindar o BC aumentaria a facilidade de cooptação dos seus dirigentes que tenderiam, por exemplo, a aumentar a taxa de juros para favorecer interesses dos rentistas à custa do Tesouro Nacional;
ii) é legítimo o presidente do país e seus colaboradores (ministros etc.) atuarem em conjunto com o BC nas escolhas de políticas, pois foi aquele e não os dirigentes do BC o eleito pelo povo. Mas, e a credibilidade requerida para a coordenação pelo BC das expectativas de inflação? A credibilidade se constrói a partir da coerência entre os objetivos externados pelo BC e as medidas que este adota no dia a dia, mesmo quando discute com o Executivo tais medidas. Um BC independente também pode não ser crível se, devido a sua independência, atuar com viés em direção a interesses de grupos privados;
iii) de nada adianta um BC independente para o alcance de metas se suas políticas não são coordenadas com aquelas adotadas pelo Executivo. Exemplo: política fiscal expansionista concomitante à política de aumento de juros gera desperdício de recursos do Tesouro e mitiga a eficiência da política econômica;
iv) se as políticas do BC não derem bons resultados, seus dirigentes não poderão ser substituídos.
Vamos ao argumento mais técnico. Embora não tenha sido explicitado pelos candidatos à Presidência, quer por conveniência, quer por desconhecimento, argumenta-se que a exogenia da oferta de moeda justifica a independência do BC.
Na economia, a moeda é exógena se sua velocidade de circulação é constante. Trocando em miúdos, isto quer dizer que o BC controla sozinho a quantidade de moeda que circula para girar a economia e os negócios.
Nesta visão, os agentes (empresários, trabalhadores etc.) têm “expectativas racionais”: conhecem em termos de probabilidades o futuro da economia e sabem de antemão escolher no leque presente de todas as opções possíveis aquela que se mostrará no futuro ter sido a melhor opção.
Isto leva a um quadro onde no longo prazo (futuro) há uma única trajetória para a economia – aquela que maximiza o bem-estar individual e social. Assim, o BC deve seguir uma regra de política monetária, pois se no longo prazo a trajetória da economia é única, só há uma decisão ótima de política monetária compatível com esta trajetória. Para seguir a regra, nada melhor do que a independência do BC para insulá-lo das pressões do Executivo.
Os que acreditam na moeda endógena não defendem regras para a política monetária. Para o economista inglês J.M. Keynes, a moeda é endógena porque pode ser retida pelos agentes. Quando estes alocam sua riqueza em moeda e ativos financeiros em detrimento de ativos menos líquidos (compra de uma máquina ou fábrica), a velocidade de circulação da moeda torna-se instável, a moeda torna-se endógena e a demanda e o crescimento econômico são inibidos. Esta é a Teoria da Preferência pela Liquidez de Keynes que confere endogenia à oferta de moeda.
Por que os indivíduos demandariam ativos mais líquidos em detrimento dos menos líquidos? Por que eles não conhecem o futuro, nem mesmo em termos de probabilidades. Keynes questionou se sabemos qual será a taxa de juros daqui a 1 ano ou o preço do aço em 20 anos.
Se sua resposta é que simplesmente não sabemos, então provavelmente você irá acreditar que os agentes, quando estão inseguros, pessimistas e incertos quanto ao futuro, fogem para a liquidez, pois esta lhes dá flexibilidade para protegerem sua riqueza e/ou acessar as melhores oportunidades de lucro.
Assim, a moeda é endógena, os agentes não têm “expectativas racionais” e não há uma única trajetória futura para a economia. O futuro está aberto e as trajetórias possíveis dependem das ações dos agentes no presente, inclusive das políticas do governo. A política monetária deve ser discricionária: o BC deve atuar em sintonia com o mercado, provendo a liquidez necessária para alcançar suas metas.
Mas, se a política monetária é discricionária, então o BC não deve ser independente? Há aí confusão. O BC não deve sofrer pressão de interesses ilegítimos, seja a moeda endógena, ou exógena. Suas políticas sempre devem se voltar apenas para os interesses da sociedade.
De outro lado, mesmo se a moeda é exógena, não há nenhuma garantia de que a regra de política monetária do BC independente será a que maximiza o bem-estar social, pois o BC pode adotar regra distinta se for cooptado por grupos privados exatamente por ser independente.
A dicotomia entre moeda exógena/BC independente e moeda endógena/BC com autonomia é falsa. O argumento da moeda exógena para justificar a independência do BC não é válido e só cria confusão. Embora o BC não deva sofrer pressões ilegítimas, dar-lhe independência não é a solução. Seria como dar independência aos ministros e transformar o presidente da república em Rainha da Inglaterra.

Bom dia, gostaria de saber em que circunstâncias o presidente e diretores do Banco Central da Inglaterra podem ser demitidos.
Muito obrigado
Claudio
Cabe evitar o corporativismo dos funcionários do Banco Central. Eles não podem ser servidores públicos autônomos com estabilidade no emprego sem prestar contas e voltados para seus próprios interesses particulares.
O risco de sua autonomia absoluta em relação ao governo é seus diretores tornarem-se dependentes de apoio de O Mercado para a nomeação e, depois, contratação após a demissão ou a aposentadoria.
Vejam quantos ex-diretores do BCB trabalham em bancos privados. Para ser um Poder autônomo não eleito, a quarentena não deveria se alongar, evitando essa promiscuidade com a rede de contatos internos e/ou vazamento de informações privilegiadas? Nesse caso, ex-funcionários do BCB seriam contratados pelos bancos privados?
Olá Fernando Nogueira,
seria sim, muito bom, que a quarentena se alongasse.
Cordialmente,
Marco F C Resende
O lado oculto no debate sobre autonomia do Banco Central
“Risco de recursos humanos e autonomia financeira e administrativa são temas mais urgentes que independência”.
O debate posto pelos candidatos sobre a independência do Banco Central é pobre por uma série de motivos. Um deles é ocultar a questão da falta de autonomia financeira e administrativa do BC, a qual impede, por exemplo, que o banco possa repor seu quadro de funcionários sem precisar de chancela do Ministério do Planejamento (MPOG). Essa mesma falta de autonomia levou o ministro presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, a se deslocar até o MPOG para expor a iminência de uma verdadeira crise de recursos humanos na instituição e pedir a contratação de 1730 servidores, mas lá ouvir um “não” como resposta, e em seguida uma autorização de apenas “250”.
Para ter uma ideia da gravidade da questão, é só imaginarmos uma empresa sem autonomia financeira e administrativa, como uma filial que depende de aprovações da sua matriz. Ou um filho que mora sozinho e responde pelos seus atos, mas depende dos pais para pagar suas contas. O Banco Central é uma autarquia que conquistou a autonomia operacional, mas sem autonomia financeira e administrativa o governo continua com uma mão na sua gestão.
Lembramos que somente a independência através de lei com mandato fixo para presidente não garante esse aspecto da autonomia que defendemos. No Estado brasileiro, há que se observar, por exemplo, o caso das agências reguladoras.
No caso internacional, bancos centrais como o FED, Banco Central Europeu e Banco Central do Chile possuem um orçamento que independe do orçamento anual do governo e têm autonomia para contratar mão de obra no mercado. Já o Banco Central do Brasil tem um orçamento administrativo que integra o orçamento geral do executivo e depende desse orçamento e priorização do MPOG para contratar servidores.
O sistema de seleção no Brasil também é diferente, mas que pode gerar vantagens. Enquanto naqueles países a contratação é livre no mercado, assim como é feita pelas empresas privadas, no Brasil temos o sistema de concursos públicos. Para um Banco Central, este sistema tem grandes vantagens, e parte do princípio que a formação principal do trabalhador ocorrerá dentro da instituição, o que é similar à justificativa de uma empresa ou banco para ter um programa de trainee. Uma vez que o BC já possui um corpo técnico de excelência, a formação dos funcionários se torna somente uma questão de alocação interna de recursos. O resultado é que a formação é direcionada, além de criar-se uma identidade com o banco e a sua cultura organizacional. Mais do que um mandato fixo e quarentena para a diretoria, essa é a melhor vacina contra a “captura” pelo mercado.
No entanto, este sistema pressupõe uma gestão racional e harmoniosa dos recursos da instituição, repondo com planejamento as aposentadorias e vacâncias e investindo em ampliação quando necessário. Infelizmente, isto não vem sendo feito no Brasil. Em 2012, o Relatório de Auditoria Anual de Contas da Controladoria Geral da União (CGU) realizado no BCB, chegou à seguinte conclusão: “dado o número atual de servidores e mantido o ritmo de aposentadorias hoje existente, a instituição poderá vir a enfrentar dificuldades para cumprir sua missão institucional”. Naquele ano, o BC pediu ao MPOG a autorização para realizar um concurso de 1730 vagas. Deste pedido, e com 1035 aprovados, o mesmo MPOG autorizou, em 2014, a contratação de apenas 250 servidores.
A formação interna dos servidores, a gestão do conhecimento e a memória institucional precisam ser planejadas com cuidado. Os dados mostram que 1700 servidores se aposentaram nos últimos cinco anos, período após a crise de 2008 quando instituições multilaterais recomendavam o fortalecimento dos bancos centrais. E pelo menos mais 600 servidores devem sair no curto-prazo, mostrando a gravidade do quadro. Por outro lado, o número de atribuições vem aumentando, assim como a complexidade das funções.
Portanto, o lado oculto desse debate sobre o BC é sua iminente crise de recursos humanos, e sua falta de autonomia financeira e administrativa para lidar com a situação. 785 aprovados no concurso passaram três semanas em Brasília em fevereiro de 2014 fazendo curso de formação dado pelo BC e estão prontos para serem nomeados. O BC já manifestou o desejo de contratar 1720. É uma necessidade urgente a liberação pelo Ministério do Planejamento desses 785 aprovados. Sua postergação só trará mais importância aos temas ainda ocultos nesse debate: “risco de recursos humanos” e “autonomia financeira e administrativa”.
Olá Rafael,
concordo com você e obrigado pelas informações, que são muito úteis.
Cordialmente,
Marco F C Resende