As pessoas com deficiência – que numa definição mais ampla podem ser entendidas como aquelas com diferentes níveis de limitação física, sensorial (ouvir ou enxergar) e cognitiva (mental) – foram historicamente relegadas a uma posição segregada na estrutura social. Consideradas, durante muito tempo, como “inválidas” ou “incapazes”, merecedoras apenas da caridade privada e/ou do assistencialismo do Estado.
Paulatinamente, tanto em nível internacional como no Brasil, este “status social” foi se alterando com a percepção de que tais indivíduos podem e devem estar inseridos nos ambientes sociais comuns a todas as pessoas, além de, com os suportes e adaptações necessárias, terem plena capacidade de trabalho.
Naturalmente, este processo não se deu de forma linear e homogênea, sendo que, mesmo na atualidade, ainda persistem exemplos de tratamentos inadequados e até mesmo discriminatórios em relação à pessoa com deficiência.
Mas, sem dúvida, numa perspectiva histórica mais geral, é possível afirmar que houve tanto um amadurecimento civilizatório na forma de lidar com este contingente populacional, como o reconhecimento da sua condição de segmento social detentor de direitos e deveres de cidadania, assim como outros grupos historicamente discriminados e socialmente excluídos.
Impulso inicial nos anos 1980
No Brasil, o tema da deficiência passou a ser objeto de políticas públicas mais efetivas somente no início da década de 1980. Isso ocorreu, em grande medida, pelo impulso inicial e pressão do movimento social, que já vinha se organizando e ganha força a partir da proclamação, pelas Nações Unidas, do “Ano Internacional da Pessoa Deficiente”, em 1981 – que buscava chamar atenção para situação de marginalização em que se encontravam tais pessoas.
Assim, ao longo da década de 1980, o movimento social das pessoas com deficiência se articula institucionalmente e vai conquistando espaços de participação. Felizmente, este processo coincide e é estimulado pelo momento de redemocratização vivido pelo País, culminando com a proclamação da Constituição de 1988 (que estabelece uma série de direitos para as “pessoas portadoras de deficiência”, terminologia utilizada na época).
A primeira legislação de caráter nacional que busca estabelecer diretrizes para políticas públicas na área é a Lei 7.853, de 1989, que, um ano após a Constituição, definiu a “política nacional de integração da pessoa portadora de deficiência”. Esta legislação cria também a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Deficiente (CORDE), vinculada ao então Ministério da Ação Social.
A mudança no status institucional deste órgão, hoje Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, vinculada à Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SNDH), é reveladora do movimento pelo qual passou a temática da deficiência na esfera pública, entendida inicialmente como “ação social” e hoje tratada pela ótica da cidadania e dos direitos humanos.
Cotas de emprego
Mas vale retornar à trajetória histórica que está sendo aqui brevemente apresentada para observar que, no início da década de 1990, em sintonia com o disposto na Constituição, e de forma pioneira em relação a outros grupos populacionais, previu-se a adoção de cotas de emprego a serem cumpridas no setor privado e vagas reservadas para pessoas com deficiência em concursos públicos (Leis 8.213/91 e 8.122/90, respectivamente).
Porém, a regulamentação desses direitos só foi feita quase que dez anos depois, por meio do Decreto Federal 3.298/99, que estabeleceu definições sobre os tipos de deficiência e a responsabilidade do Ministério do Trabalho para o acompanhamento e fiscalização da Lei. Esta demora sinaliza que, também para as pessoas com deficiência, os anos 1990, período da hegemonia neoliberal, foram tempos em que direitos garantidos na Constituição cidadã de 1988 foram protelados.
Mobilização por cidadania
Os anos 2000 marcam a ampliação das possibilidades de participação e controle social pelas pessoas com deficiência nas políticas públicas que lhes dizem respeito. Embora tenha sido criado pelo Decreto 3.298 de 1999, o Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência (CONADE) teve uma atuação mais efetiva a partir de 2003, quando passou a compor a estrutura do governo, vinculado à Secretaria de Direitos Humanos (Lei 10.083/03).
Nos anos seguintes, foram organizadas, pela primeira vez, as Conferências Nacionais dos Direitos das Pessoas com Deficiência, em 2006, 2008 e 2012, com ampla participação do movimento social e entidades representativas.
Assim como o “Ano Internacional da Pessoa Deficiente”, em 1981, foi um marco histórico no processo de luta pela cidadania deste segmento populacional, a “Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência”, também aprovada no plenário das Nações Unidas, em 2007, representa um novo patamar neste percurso.
Discutida durante quatro anos e com participação destacada da delegação brasileira, a Convenção consolida o chamado “paradigma da inclusão” para lidar com as questões relacionadas às pessoas com deficiência, afastando-se definitivamente de uma abordagem paternalista, piedosa e assistencialista.
Ao longo dos seus 50 artigos, são definidos princípios norteadores a serem seguidos pelas legislações nacionais, além de um Protocolo Facultativo que permite o monitoramento das ações e políticas implementadas nos países signatários.
Deve-se destacar que no Brasil a Convenção e seu Protocolo Facultativo foram internalizados com o status de emenda constitucional, o que ocorreu em 2008 através da sua aprovação em dois turnos no Congresso Nacional por mais de três quintos dos votos. Desta forma, ela consolidou-se em nosso ordenamento jurídico, o que foi ratificado por meio do Decreto Legislativo n° 186, de 09 de Julho de 2008, promulgado pelo presidente do Senado Federal.
No âmbito do Executivo, o Decreto 6.949 de 25 de Agosto de 2009, da Casa Civil da Presidência da República, determinou que a Convenção e seu protocolo facultativo “serão executados e cumpridos tão inteiramente como neles se contém” (art. 1º).
Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência
Por fim, é preciso mencionar o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Viver Sem Limite, lançado pelo Governo Federal em Novembro de 2011 (Decreto 7.612/11). Tendo como objetivo desenvolver novas iniciativas e intensificar programas que já estão em andamento, o Plano prevê investimentos de R$ 7,6 bilhões a serem executados até o final de 2014, estando estruturado em quatro eixos: I. Acesso Educação; II. Inclusão social (inserção no trabalho); III. Atenção à Saúde; IV. Acessibilidade.
Vale destacar que a execução das ações do Plano podem ser acompanhadas na página do Programa de Assistência a Pessoa com Deficiência, inclusive, o que foi realizado em cada município.
Diante do exposto, fica claro que foi desenvolvido pelo País, nos últimos anos, um arcabouço jurídico-institucional para construção e acompanhamento das políticas públicas nesta área.
Porém, isto não significa dizer que as condições de vida das pessoas com deficiência no Brasil, de modo geral, são plenamente satisfatórias. Os dados do último Censo Demográfico, por exemplo, que apontou uma população com deficiência de 45,6 milhões pessoas (quase ¼ do total de brasileiros, embora em critérios mais amplos), mostram a persistência de barreiras no acesso à formação escolar, como também participação limitada deste contingente populacional no mercado de trabalho formal.
Ademais, na vida cotidiana dos municípios continuam existindo barreiras tanto para mobilidade física como para comunicação plenamente acessível entre as pessoas com e sem deficiência. É fato que, entre 2000 e 2010, são registrados avanços, mas ainda há um longo caminho a ser trilhado para que se construa uma sociedade inclusiva e que respeite a diversidade humana.
Para tanto, além do aprimoramento das políticas públicas específicas, é preciso enfatizar que, obviamente, as pessoas com deficiência também serão beneficiadas pela melhora das condições econômicas e sociais do País. Avanços na distribuição de renda, crescimento econômico, serviços públicos universais de qualidade e programas sociais eficazes, dentre outros aspectos, são benéficos para todos, inclusive para aqueles com algum tipo de limitação física, sensorial ou cognitiva.
Por mais que existam especificidades, não há um mundo “específico” das pessoas com deficiência. Elas também sentirão os efeitos da melhora social mais geral, por isso que as políticas específicas – gratuidades, cotas, isenções, benefícios etc. – não podem ser um fim em si mesmo, mas parte de uma estratégia mais ampla na qual, equiparando oportunidades, todos possam construir um país mais justo e humano.
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