Austeridade e a ofensiva ideológica

O economista é o tipo de profissional cuja opinião deve ser considerada somente após inúmeras ressalvas. Para cada recomendação de um economista deveria haver uma estrelinha, daquelas de preço promocional, que remete a uma longa explicação sobre suas condições de aplicação.

No caso dos economistas ortodoxos, predominantes na mídia brasileira, essa estrelinha deveria esclarecer que as opiniões carregam pressupostos inerentes a uma formação teórica que defende que o egoísmo do indivíduo é virtude social, a desigualdade é um incentivo para o crescimento, a economia é regida por leis naturais e que o ativismo estatal perturba o bom funcionamento da economia. Essas informações permitiriam identificar que nessas opiniões, aparentemente técnicas, há juízo de valor, ideologia e uma determinada concepção de justiça social.

Nesse artigo, a estrelinha diria que o economista acredita que o capitalismo é um sistema inerentemente instável, a economia não é regida por leis naturais, o livre funcionamento dos mercados leva a crises recorrentes e à concentração da renda e da riqueza e o Estado tem um papel fundamental para estabilizar o sistema, mediar a luta de classes e alocar os recursos de forma mais justa.

Partindo desses pressupostos, tem-se uma leitura sobre a austeridade e o papel da política fiscal diferente daquela que predomina no debate público brasileiro.

Ao contrário do que dizem alguns, um ajuste fiscal não é sempre bom para uma economia, tampouco é sempre ruim. A política fiscal é um instrumento para manejar a demanda e sustentar o crescimento, para isso, o Estado deve gastar mais nos momentos de desaceleração e fazer ajustes fiscais nos momentos de aceleração do crescimento.

Entender isso é simples e intuitivo: como o crescimento depende do gasto, se as variáveis de gasto (investimento, consumo, demanda externa) desaceleram, cabe ao Estado gastar. Nesse sentido, o Estado tem a função estratégica de sustentar o crescimento, influenciando a demanda agregada por meio da política fiscal.

Nesse contexto, o ajuste fiscal no Brasil está sendo desastroso. Em uma economia muito fragilizada, os cortes de gastos têm contribuído para a queda do crescimento. Isso reduz a arrecadação de impostos e resulta em uma piora no resultado fiscal que leva a novos cortes de gastos: entramos no ciclo vicioso da austeridade.

Contraditoriamente, o resultado do ajuste fiscal é uma piora fiscal, com o aumento da relação dívida/PIB.

                               Ciclo vicioso da austeridade

grafico pedro

Mas isso não implica ausência de lógica nas medidas de austeridade. Na verdade, há duas categorias de defensores da austeridade: aqueles que negam o efeito do ajuste fiscal sobre o PIB, e aqueles que o reconhecem, mas acham necessário.

Os primeiros estão presos a suposições teóricas irrealistas do tipo que a política fiscal é neutra ou que o setor privado compensa imediatamente a redução dos gastos públicos, podendo até aumentar o crescimento por conta da volta da confiança.

Já a segunda categoria de defensores da austeridade comemora o ciclo vicioso da austeridade e cada aumento de desemprego dele decorrente. Na lógica subjacente, a austeridade serve para colocar as coisas em seu devido lugar. Ela conduz um processo de redução do Estado e reequilíbrio da economia em que se ajustam salários (pra baixo) e lucros (pra cima), o que dará as bases para uma retomada de uma suposta trajetória de “crescimento sustentável”.

Esses argumentos, supostamente técnicos, servem a interesses de grupos sociais particulares, independentemente das boas intenções de quem os defende. Assim, o discurso da austeridade vem sendo usado – no Brasil e no mundo – como instrumento ideológico para desmontar o Estado Social e conservar privilégios.

Não por acaso, em meio à crise, cresce no debate público brasileiro a demanda pela desvinculação do gasto público obrigatório destinado à previdência, saúde e educação. Trata-se da revisão dos direitos e benefícios sociais conquistados na Constituição de 1988, removê-los é o passo seguinte da atual ofensiva ideológica.

Crédito da foto da página inicial: Antonio Cruz/ABr

Comentários

12 respostas para “Austeridade e a ofensiva ideológica”

  1. Avatar de Luiz Parussolo
    Luiz Parussolo

    Consultei meu gênio instrutor e orientador de como mudar o país e ele ser um estado livre. Ficou pensativo e nada respondeu no momento e desapareceu. Voltou depois e sugeriu para que haja uma intervenção constitucional e que seja feito expurgo total nos três poderes e nas instituições e depois seja transformado o país em uma confederação onde cada estado seja independente porque a falta de evolução impede que o país seja administrado de forma republicana e presidencialista porque brasileiro não tem espírito e conhecimentos metafísicos e somente com a experiência poderá ser administrado de forma departamental. Disse a ele ser impossível. Então respondeu: Se tomar todos os políticos brasileiros do passado dos últimos 30 anos ainda vivos desintegrar e querer desenvolver um casal de homens e mulheres plenos e políticos evoluídos como seres humanos e plenos para vir a conduzir o país e povoá-lo como fez Deus com Abraão com o povo Hebreu não será possível, salvo se tiver a condescendência da nanociência como complemento e torcer para não haver miscigenações para as próximas décadas. O problema que poderes, burocracias, empreendimentos, trabalhadores sofrem do mesmo retardamento e bloqueio evolutivo não conseguindo a plenitude evolutiva começada há quase 500 anos e até hoje mantém-se radicada nos primeiros rebentos aqui radicados. Só um processo a partir dos 4% ou 5% evoluídos como aconteceu entre 1964 e 1984 poderia restabelecer o desenvolvimento racional e metafísico exigente para países evoluídos. Caso contrário sempre viverão do conhecimento, das receitas econômicas, sociais e administrativas ministradas por estrangeiros e ao mesmo tempo suas ideologias, sua tecnologia, seus insumos, sua política, sua exploração do território e dos entes aqui habitantes em troca de seus conhecimento e bens. Isto foi dito pelo gênio protetor e não sei se real, mas sempre foi íntegro e não pode ter sido corrompido pelos americanso e pelos russos.

    1. Avatar de ary pontes
      ary pontes

      entao voce conclui que de alguma forma, deve-se beneficiar um grupo já provido de riquezas e meios, em detrimento de uma vasta população de baixas renda e formação profissional?
      creio ser um grande exageiro pesar para esse lado; tem sim que haver investimentos e reformas e construir estruturas fisicas e sociais que atendam às necessidades da população.
      da população, de forma democrática, beneficiando à ordem e abundancia de forma especifica, que é a via democrática. temos conflitos a resolver, varios, mas acho que o sr. não possui uma resposta apropriada e sofre de profundo desconhecimento dos fatos economicos e das consequencias que podem resultar.
      descordos absolutamente, exceto no diagnóstico de que sim, temos problemas a resolver.
      agora, sua proposta é um lixo, uma posição covarde, fruto de uma concepção limitada.

  2. Avatar de josé carlos santana
    josé carlos santana

    Não adianta, hoje a economia é global e ponto. Por mais malabarismos ideológicos que se faça, estamos submetidos às regras financeiras internacionais, o que dá pra chico, dá pra francisco, o economês muita vez erra assustadoramente com as previsões apocalípticas, seja de direita, de centro ou de esquerda, cada uma com as suas teorias combatendo o outro lado e apresentando soluções malabarísticas para o mundo. As economias mundial não tem lado, o lado dela é o lucro, por outro lado os países capitalistas estão recebendo o troco das suas atitudes predatórias, egoísticas, individualistas, centradas no ter mais do que no ser e a humanidade corre atrás de quimeras, querem a qualquer custo imitar ou chegar no mesmo patamar dos “ricos” senhores do mundo e nas bolsa de valores, nos corredores dos governos dos países ricos o escrúpulo ha muito tempo ou aliás nunca existiu e não medem esforços para colocar a mídia mundial a seu favor com boatos, intervenções, etc. a fim de não deixar que outros países em desenvolvimento ou que reza fora da sua cartilha alcance o sucesso, as riquezas do mundo ficam concentradas nas redes, o chamado dinheiro virtual que ao menor sinal trilhões de dólares descem pelo ralo e as crises na Europa, oriente médio, nos tigres asiáticos e no próprio EUA que ainda se acha um dos xerifes do mundo, tem o seu preço muito alto cobrado dos pobres da terra quando o esgotamento dos recursos naturais se avizinha com as mudanças climáticas trazendo dissabores gigantescos para todo o planeta. Finalizando fico com o efeito borboleta, ou com a teoria do Ponto de Mutação de Firitoj Capra para quem e eu concordo existe uma necessidade de solidariedade global, até por que por bem ou por mal sem ela qualquer movimento individualista afeta todo o sistema, como vivemos num mundo de um sistema econômico global, não tem jeito; as soluções para os problemas econômicos todos temos que resolve-los globalmente, senão seria o caos.

    1. Avatar de César Rocha
      César Rocha

      Ohh José… que comentário obtuso: acusa o articulista de ideológico, mas teu comentário é simplório e pré-conceituoso. Qualquer iniciante em estudos de Economia entende que a economia de qualquer nação é global, sistêmica… Citar Capra como “argumento de autoridade” é passar atestado de ignorância quanto a lógica econômica do Capitalismo (sistema social). A argumentação do articulista mostra a obviedade que “políticas econômicas recessivas” são contrárias à logica da acumulação capitalista. O ministro Levy está a serviço (a soldo) do rentismo internacional e seu braço nacional, os bancos – que vivem à sombra da endividamento do Tesouro Nacional e da escorchante taca SELIC, QUE NÃO TEM nenhum “fundamento” da dinâmica da economia “real”. Tua alusão à “dinâmica da economia globalizada” é comentário tosco de jornalista, desconhecedor dos processos econômicos em suas efetividades históricas. A expressão ‘ajuste fiscal” é mais da muitas “frases” para o desdizer os efeitos perversos sobre realidade social decorrentes de “políticas econômicas” que preservem o rentismo parasitário. Antítese da “eutanásia do rentista” propugnada por Keynes. Paz e bem.

  3. Avatar de Augusto Oliveira
    Augusto Oliveira

    Simplesmente, excelente texto. Tudo em poucas linhas.

  4. Avatar de Augusto Oliveira
    Augusto Oliveira

    Tudo sobre economia em poucas linhas. Excelente.

  5. Avatar de Sérgio Almeida
    Sérgio Almeida

    Artigo mostra com nitidez a quem interessa a política de austeridade. Parabéns ao autor pela linguagem utilizada, acessível a não especialistas em Economia (na verdade, a maioria das pessoas), quase contrariando a tendência de outros profissionais que, com textos rebuscados, terminam por tornar incompreensíveis as questões econômicas, de interesse geral.

  6. […] Por: Pedro Rossi | Do Brasil Debate […]

  7. […] se indicassem que o discurso da austeridade que prevalece no noticiário econômico do Brasil é o único caminho. Como se ter um perfil a […]

  8. Avatar de Érica
    Érica

    Excelente texto!

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