Publicado no Jornal do Brasil em 25-4-2017
As nove entidades nacionais do movimento sindical dos trabalhadores, que abrangem todas as centrais sindicais reconhecidas pelo Estado brasileiro e outras organizações sindicais de âmbito nacional, estão organizando uma inédita greve geral unificada para a próxima sexta-feira, dia 28 de abril, contra as reformas da Previdência e da legislação trabalhista e contra a Lei nº 13.429/2017, recentemente sancionada, que instituiu a terceirização. Essas mudanças são estruturais e ameaçam direitos históricos dos trabalhadores, que remontam às decisões tomadas a partir da Revolução de 1930, como a criação naquele ano do Ministério do Trabalho, seguida pela ampliação das caixas ou institutos de aposentadorias e pensões para as mais diversas categorias profissionais e o decreto-lei instituindo a Consolidação das Leis do Trabalho, em 1º de maio 1943. A presença dos trabalhadores no meio urbano e a necessidade de organizar o mercado de trabalho para a modernização do país ajudam a explicar tais decisões, ampliadas mais ainda com a Seguridade Social da Constituição de 1988. Agora o governo as quer restringir intensamente, para prosseguir colocando o fardo da crise nas costas dos mais vulneráveis, enquanto mantém privilégios inaceitáveis para minorias corporativas, como juízes, militares e políticos, e enquanto a dívida das empresas privadas com o INSS é gigantesca.
Em documento conjunto, tornado público em 27 de março, a Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), a Central Sindical e Popular (CSP-Conlutas), a Força Sindical (FS), a Intersindical, a Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST) e a União Geral dos Trabalhadores (UGT) afirmam o seguinte: “As centrais sindicais conclamam seus sindicatos filiados para, no dia 28, convocar os trabalhadores a paralisarem suas atividades, como alerta ao governo de que a sociedade e a classe trabalhadora não aceitarão as propostas de reformas da Previdência, Trabalhista e o projeto de Terceirização aprovado pela Câmara, que o governo Temer quer impor ao País. Em nossa opinião, trata-se do desmonte da Previdência Pública e da retirada dos direitos trabalhistas garantidos pela CLT. Por isso, conclamamos todos, neste dia, a demonstrarem o seu descontentamento, ajudando a paralisar o Brasil”.
A oposição a essa agenda de reformas regressivas, que operam no sentido de tentar superar a crise sacrificando o salário direto (desemprego, que rebaixa a remuneração do trabalho, e retirada da legislação trabalhista das relações de contratação de mão de obra) e o salário indireto (políticas sociais, como é o caso da Previdência e dos serviços públicos, hoje submetidos à restritiva lei do teto), é ainda mais ampla, tendo outros apoios na sociedade civil. Em relação especificamente à reforma da previdência, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Ordem dos Advogados do Brasil, o Conselho Federal de Economia (Cofecon), a UNE, o MST, entre outras organizações, a apoiam. Segundo a CNBB, a PEC 287/2016 (reforma da Previdência), “escolhe o caminho da exclusão social”. O arcebispo da Paraíba, dom Manoel Delson Pedreira da Cruz, convocou a população do estado a aderir à greve geral.
Criticando o recém-aprovado regime de urgência na tramitação da reforma trabalhista na Câmara dos Deputados, assim se pronunciou Claudio Lamachia, presidente nacional na OAB: “aprovar uma reforma trabalhista controversa, de modo açodado, significa assumir o risco de esfacelar completamente a solidez das instituições e os direitos conquistados pela cidadania, a duras penas, nas últimas décadas”.
Com a urbanização e a industrialização, as cidades brasileiras cresceram, passaram e concentrar a maior parte da população e a abrigarem uma estrutura social com três classes fundamentais: os capitalistas de diversos setores (finanças, indústria, comércio, serviços etc), os trabalhadores e a classe média. Em linhas gerais, no processo do impeachment, os políticos que o apoiaram associaram-se a certas elites da burocracia pública, aos capitalistas em geral e às camadas médias urbanas, sobretudo seus estratos ideologicamente mais conservadores. Com as reformas regressivas em curso, as forças hoje na oposição, nucleadas em torno da classe trabalhadora, vão reconquistando apoio nas camadas médias, cujos interesses estão sendo contrariados com as reformas da Previdência e nas relações de trabalho. É como se os trabalhadores da linha de produção e do escritório estivessem se aliando para enfrentar a conjuntura de ataques aos seus interesses. Nas duas manifestações nacionais ocorridas em março, preparatórias à greve geral do dia 28 de abril, a adesão significativa às ruas, a partir do chamado das lideranças de centro-esquerda e esquerda, já indicou essa tendência, que tende a se acentuar na ação dessa semana.
Há uma intensa crise no Brasil, tanto econômica quanto política, e ocorre uma ofensiva imensa do governo, com o apoio dos empresários, contra os salários indiretos e diretos, visando reverter o processo de combate à desigualdade que vinha ocorrendo nos governos de Lula de Dilma. A novidade recente é a tendência de certa reconfiguração da coalizão entre trabalhadores e estratos médios para se defenderem das reformas orientadas para o mercado, implementadas sob a batuta de Temer e Meirelles. A paralisação do dia 28 parece prometer ser mais um capítulo importante da conturbada situação nacional.
* Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), realizou estágio de pós-doutorado na Universidade de Oxford e estuda as relações entre Política e Economia
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