A República de Weimar consiste no governo que se instaurou com a introdução de um regime semi-presidencialista e, portanto, de representatividade democrática proporcional, no Império Alemão em 1919, tanto como resultado da derrota na Primeira Guerra Mundial quanto como conclusão dos conflitos civis revolucionários de 1918. Mais interessante, porém, que sua origem e sua periodização histórica, é a correlação de forças e de interesses de classe que tornou possível sua existência.
Sua estabilidade política se escorava, em grande medida, em uma delicada aliança ao longo do espectro de lideranças políticas, principalmente entre o Partido Social Democrata, SPD, representante da esquerda moderada, e o Partido Popular Alemão, DVP, nacionalista-liberal. Tal aliança só foi possível, por sua vez, com o recrudescimento de posições mais radicais, entre as quais se destaca o USPD, Partido Social Democrata Independente, defensor do projeto de uma economia planificada próxima dos conselhos deliberativos russos, os sovietes.
Aliada ao USPD, vale lembrar, fora a Spartakusbund, movimento revolucionário cujos dois proeminentes líderes, Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg, tiveram suas posições políticas definitiva e permanentemente recrudescidas por ação da organização paramilitar voluntária Freikorps.
Ademais, fundamental para o arrefecimento destes extremismos foi a formação da GroßeKoalition – a “Grande Coalizão” –, em 1923, movimento de unificação de esforços de enfrentamento à hiperinflação por parte dos quatro maiores partidos democráticos do recém-reestruturado Reichstag: o SPD, o DVP, o Partido Democrático Alemão, DDP, liberal, e o Partido Alemão do Centro, Zentrum, católico. Os dois principais resultados desta atuação conjunta foram o apaziguamento das tensões sociais e dos surtos de violência espalhados pelo país e a recuperação da economia, a qual concedeu à Alemanha os seus roaringtwenties: os GoldeneZwanziger.
O descontentamento civil, especialmente face às injustiças impostas pelo Tratado de Versalhes, e os efeitos da crise inflacionária em si levaram a longas e severas greves nos principais centros industriais do país, bem como a enfrentamentos armados entre organizações de diferentes matrizes ideológicas nos primeiros cinco anos da República – dentre as quais se destaca o Bürgerbräu-Putschde 1923, quando um jovem, Adolf Hitler, em nome do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, NSDAP, e inspirado na Marcha sobre Roma de Benito Mussolini, tentou, sem sucesso, tomar o poder em Munique.
Ao conseguir restringir a influência de partidos e movimentos de extrema direita e de extrema esquerda, a coalizão tornou possível o restauro de relativa estabilidade civil. Mas o período de grave recessão, resultante desta profusão de fatores, também criou espaço para intensificação de movimentos de concentração e centralização de capital, cuja figura mais notável fora Hugo Stinnes, fundador do DVP e posteriormente membro do Reichstag, onde defenderia a cooperação entre industriais e sindicalistas.
Por outro lado, o subsequente período de prosperidade, fruto da recuperação da economia e da relativa estabilidade monetária conquistadas com a introdução do Rettenmarke, a proposição do Plano Dawes com os Estados Unidos, foi marcado também por um amplo espectro de avanços sociais e conquistas trabalhistas, bem como por um renascimento cultural, conjunto que rendeu ao principal líder do período, Gustav Stresemann, o Prêmio Nobel da Paz em 1923.
Entre as conquistas sociais desde 1918 estão a jornada de trabalho de 8 horas e a semana de 48 horas, leis de proteção ao trabalhador, reformas tributárias progressistas, o estabelecimento de um sistema nacional de seguro-saúde e de programas de seguridade locais e, mais significativamente, o estabelecimento do sufrágio universal. O mesmo período testemunhou surgimento do movimento expressionista alemão, especialmente no cinema, e da escola Bauhaus na arquitetura.
Com a crise de 1929, contudo, a maré econômica se reverte e a frágil aliança perde sua sustentação. Posições políticas dos dois extremos do espectro passam a conquistar maior relevância, e se instaura em definitivo a polarização da sociedade. Com a deterioração das condições econômicas e repetidos impasses políticos e eleitorais, e na ausência de fortes lideranças de esquerda, hostilizadas e criminalizadas – inclusive pelo desvairamento anticomunista, para o qual contribuíram fortemente os grandes veículos midiáticos, o Reichstag literalmente se incendeia.
O crime, imputado pelo já então Chanceler Adolf Hitler a militantes comunistas, foi motivo determinante para Lei Habilitante, aprovada com participação fundamental dos partidos de direita que outrora compuseram a Koalition, especialmente o Zentrum. A lei de concessão de plenos poderes tem como nome formal GesetzzurBehebung der Not von Volkund Reich: lei para retificar a adversidade do Povo e do Estado. Em 1933, com aprovação de dois terços do Reichstag, pós-incêndio, o país novamente muda de regime político e se encaminha para exibir ao mundo a quem pertencia a vitória.
Notavelmente, Max Weber, em meio aos primeiros esboços da República de Weimar, em “Parlamentarismo e Governo numa Alemanha reconstruída”, de 1918, escrevia:
Há meio século, os conservadores prussianos não têm conseguido mostrar nenhum “caráter” em seu comprometimento com grandes objetivos políticos ou com quaisquer outros ideais (…). Somente quando seus interesses financeiros, o monopólio dos benefícios de seu cargo, seu patronato de cargos públicos ou – e o que é a mesma coisa – seus privilégios eleitorais entravam em jogo, só então é que sua máquina de votação governamental entrava em funcionamento, mesmo contra o rei. Então todo o triste mecanismo de palavrório “cristão”, “monárquico” e “nacional” era posto em movimento – o mesmo tipo de frases feitas que aqueles cavalheiros agora condenam como jargão profissional dos políticos anglo-saxões.
Disclaimer: este texto não necessariamente se refere à República de Weimar.
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