Desde meados da década de 1970, verificamos um movimento contraditório de reafirmação da hegemonia norte-americana sustentada por meio da vinculação da globalização econômica com a financeirização do capitalismo.
Esta “nova ordem” internacional, marcada pela livre mobilidade de capitais e pela acirrada concorrência capitalista e interestatal, descortinou um processo de profundas transformações na divisão internacional do trabalho, em que as grandes empresas transnacionais assumiram posição central no que diz respeito a suas capacidades de comando e centralização do desenvolvimento tecnológico, produtivo e financeiro.
Nas últimas duas décadas, o Brasil passa a se integrar de maneira muito específica a esse processo mundial, tendo como consequência inevitável o aprofundamento do capitalismo no País.
Uma vez enfrentado o período de fortes turbulências e crises no plano internacional e nacional, observado nos anos 1990 e, ao mesmo tempo, implantado um conjunto de reformas liberalizantes no País, o Brasil assistiu a mudanças importantes do ponto de vista político, econômico e social a partir dos anos 2000, mesmo com a crise internacional de 2008.
Acontece que, no contexto dos anos 2000, especialmente a partir de 2004, foi possível ao País promover uma série de ações conjunturais que repercutiram na retomada do crescimento econômico, com melhorias nos indicadores do mercado de trabalho e com certa tentativa de retomada do protagonismo do movimento sindical na sociedade, a despeito de sua maior fragmentação, institucionalização e acomodação política.
Desta forma, o mercado de trabalho não apenas revelou maior capacidade de absorção da PEA (População Economicamente Ativa), como também maior aumento da taxa de participação, da formalização das empresas e dos contratos de trabalho e do nível geral de empregos formais criados.
Sem embargo, observamos ainda que, do ponto de vista das relações de trabalho, tal período esteve marcado pelo arrefecimento de algumas das tendências flexibilizadoras constituídas nos anos 1990, que rumavam no sentido da retirada dos direitos sociais e da precarização do trabalho.
Assim, a partir desse campo de correlações de força mais favorável aos trabalhadores, passou a ocorrer uma reconfiguração do tempo de trabalho no Brasil entre os anos de 2004-2009, comparados à década anterior.
Conforme se verifica no gráfico 1, os dados nos indicam, em relação à duração do trabalho, o surgimento de uma tendência de redução das sobrejornadas no País, acompanhado por um processo de padronização das horas trabalhadas segundo os parâmetros designados pela legislação constitucional, principalmente após o ano de 2007.
Por um lado, ocorre uma queda relativa da faixa correspondente entre as 45 horas semanais ou mais (passando de 37,8% em 2004 para 31,8% em 2009) como ainda se nota um aumento relevante daqueles situados no nível das 40 às 44 horas semanais (que sai de 33,6% em 2004 para alcançar 40,3% em 2009).
Entretanto, seria relevante levarmos em consideração outros elementos que sugerem uma relativização da tendência de redução e padronização da jornada efetiva de trabalho no Brasil.
Apesar do contexto mais favorável, a tendência tomada no País foi na direção de ajustar a distribuição das horas laboradas de acordo com os interesses das empresas, por meio de distintos métodos de gestão e de recursos tecnológicos que despertam a sensação nos trabalhadores de não conseguiram se desconectar do trabalho e, especialmente, de causar certo constrangimento ao desfrute do “tempo livre”.
Além disso, por meio da introdução de novas formas de organização do processo de produção e de trabalho, aliadas aos novos (e somadas aos velhos) mecanismos utilizados pelas escolas de gestão capitalistas, a classe patronal continuou a imprimir um ritmo de trabalho mais intenso, com exigências cada vez maiores aos desempenhos dos trabalhadores.
Em grande medida, elas culminaram num controle mais sofisticado sobre a força de trabalho e contribuíram, sobremaneira, para um aumento dos casos de adoecimento laboral.
Portanto, nas sociedades capitalistas, a redução da jornada de trabalho, sempre em doses homeopáticas, apresenta aparentemente uma forte relação com a política econômica e o modelo de desenvolvimento adotado por um país.
Tal modelo se mostra mais adequado à obtenção de ganhos de produtividade que podem ser incorporados aos salários dos trabalhadores e ao fundo público do Estado, e/ou ainda à diminuição das desigualdades de rendas promovidas por um conjunto de políticas redistributivas.
Dizemos aparentemente, pois reduzir o tempo de trabalho no sentido de se alcançar a sociedade do tempo livre não significa simplesmente perseguir a resolução de um “problema econômico”. Implica, necessariamente, a construção de um projeto político e social que se contraponha a toda e qualquer forma de dominação política e social apoiada pelos aparelhos ideológicos e pelos mecanismos gerais de exploração do trabalho.
Afinal de contas, o nível atual de desenvolvimento alcançado pelo sistema capitalista já nos permitiria constituir jornadas de trabalho infinitamente menores e, no entanto, verificamos surpreendentemente uma situação em que poucos (e cada vez menos) trabalhadores trabalham e trabalharão até o final de suas vidas. No longo prazo, poucos trabalharão muito.
Desta forma, a proposta no Brasil de redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, sem redução salarial e com maior oneração das horas extraordinárias, apesar de se apresentar de maneira limitada e, talvez, até mesmo ineficaz, traz consigo, por sua vez, um papel fundamental para o processo de consciência da classe trabalhadora, ao revelar uma das mais incessantes disputas inscrita na relação entre o capital e o trabalho.
Crédito da foto da página inicial: EBC
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