A nova CPMF: espada de Dâmocles sobre a economia e a sociedade

Após uma manobra politicamente mal feita para a criação de uma nova CPMF, com o nome de CIS (Contribuição Interfederativa da Saúde), o governo recuou diante da reação negativa do Congresso e do empresariado e, aparentemente, sepultou a luminosa ideia que lhe permitiria arrecadar, com uma alíquota de 0,38%, mais R$ 80 bilhões e tornar o ajuste fiscal primário, em curso, mais confiável.

Sem os novos recursos da nova CPMF, terminou encaminhando para o Congresso o orçamento de 2016, com um déficit primário de R$ 30,5 bilhões (0,5% do PIB), o que aguçou o sentimento (ou as expectativas) do mercado de que nem este resultado seria atingido, pois dependente de receitas extraordinárias, e que as contas públicas continuariam em progressiva deterioração, com a relação dívida bruta/PIB podendo ultrapassar a casa dos 70%.

Um convite para a perda do grau de investimento pelo país, que acabou se concretizando com a retirada do selo de bom pagador pela agência Standard &Poor’s (S&P), e para o aumento de suas dificuldades.

Como consequência, os mercados financeiros viram aumentar sua instabilidade e, enquanto a bolsa de valores aprofundou sua trajetória de queda, o Real foi na direção contrária, acentuando sua desvalorização frente ao dólar.

Este quadro agravou-se com a sinalização dada pelo ministro do ajuste fiscal, Joaquim Levy, que vinha perdendo a maioria das batalhas neste campo para o Congresso e para os membros mais próximos do governo, sobre sua saída.

Para evitar isso, a presidente Dilma Rousseff recuou na proposta que endossara de apresentar a geração de um déficit primário no orçamento, em 2016, e manifestou sua disposição de se empenhar para obter um superávit de 0,7% do PIB, sugerindo que não abriria mão de uma nova rodada de aumento de impostos, não descartando a recriação da nova CPMF.

Atendido em sua reivindicação, o ministro passou a falar, de forma mais convicta, sobre a necessidade de um novo tributo “temporário” para fazer a “travessia” e evitar a perda do grau de investimento por outra agência. Mais para frente, segundo ele, este novo imposto poderia ser retirado, como se, no Brasil, “provisório” não fosse sinônimo de “permanente”.

Assim, na mesma velocidade com que foi retirada de cena ante a reação de alguns setores da sociedade à sua criação, essa possibilidade retornou com igual força e continuou pairando como a espada de Dâmocles sobre a economia, a produção, os investimentos e a sociedade, especialmente após a perda do grau de investimento pela S&P.

Não surpreende, dessa forma, que, novamente, tenha sido incluída no mais novo pacote fiscal do governo, ainda que com uma alíquota mais reduzida de 0,2%.

Alguns economistas têm defendido sua criação, por ela ter uma base de incidência muito ampla, ser um imposto invisível, que ninguém sente pagar, e servir, ao mesmo tempo, como um instrumento de combate à sonegação, considerando-a, também, a melhor solução para o ajuste fiscal.

São argumentos razoáveis na defesa do ajuste fiscal, mas que não resistem à análise de suas características. E sua criação para viabilizar este ajuste representa a confissão de que, no Brasil, a maior taxação sobre os ricos continua constituindo um pecado capital.

De fato, a base de incidência da CPMF é muito ampla por incidir sobre todas as movimentações financeiras, apresentando uma estimativa de arrecadação de algo em torno de 0,8% do PIB com a nova alíquota. Por trás delas, escondem-se, no entanto, seus verdadeiros fatos geradores, que são o consumo, o investimento, o crédito, os salários dos trabalhadores em geral, as aplicações financeiras etc.

Ou seja, trata-se de um imposto indireto que recai basicamente sobre a produção e o consumo e que, por essa razão, deverá aprofundar o processo recessivo em que o país se encontra. E, se invisível, isso não significa que este não tenha impactos negativos sobre o orçamento do trabalhador, além de ser altamente regressivo.

Além desses efeitos, a nova CPMF é um tributo cumulativo, significando que incide em cascata em todas as etapas do ciclo de vida do produto, encarecendo-o por não dar direito ao recebimento de seu crédito, como ocorre com o imposto sobre o valor agregado. Uma alíquota legal de 0,2%, como proposto, pode, ao final deste ciclo, se revelar, em termos efetivos, bem mais elevada, dependendo de sua extensão.

Isso implica uma diminuição do grau de competitividade da produção nacional, já altamente penalizada por uma política econômica que tem se mostrado hostil e perversa para essa questão, como ocorre com relação à taxa de juros, ao câmbio, à precária infraestrutura, à qualificação da mão de obra etc.

Quanto à sua importância para o ajuste fiscal, pela significativa arrecadação que pode propiciar, cerca de R$ 32 bilhões, parte da estimativa de seus ganhos pode ser perdida pelo próprio avanço da recessão, para o que sua cobrança inevitavelmente contribuirá. Pelos efeitos negativos que este tributo, com essas características, pode causar para a economia e a sociedade, essa opção nem deveria estar em discussão.

Mais recomendável para este objetivo seria o governo começar a desviar seu olhar para os grupos de renda mais elevada e dos detentores de riqueza no país, que ou têm sido subtaxados ou praticamente imunes à tributação.

Além de propiciar uma base de incidência mais justa socialmente e mais reduzidos impactos macroeconômicos, dada a mais baixa propensão a consumir dessas camadas sociais, este campo apresenta um potencial pouco explorado pela tributação.

A bem da verdade, apenas a utilização da nova CPMF como instrumento de combate à sonegação e a crimes de lavagem de dinheiro aparece como defensável entre os argumentos apresentados. Para isso, no entanto, uma alíquota de 0,01% é mais do que suficiente. Sua criação nas condições propostas representa um retrocesso na área da tributação, da economia, da equidade e da justiça social. Por tudo isso, foi extinta em 2007.

Se retornar, a carga tributária pode caminhar mais rapidamente para a casa dos 40% do PIB, e, se incluído o déficit nominal de 8-9% do PIB que o governo tem incorrido com a carga de juros, ultrapassar a barreira dos 45%. Isso, em um país no qual não existe um Estado de bem-estar social decente.

Comentários

5 respostas para “A nova CPMF: espada de Dâmocles sobre a economia e a sociedade”

  1. Avatar de Fernando Vilmar Palha
    Fernando Vilmar Palha

    Olá Fabrício.
    Parabéns pela explicação didática dos males causados pela CPMF.

  2. Avatar de Fernando Nogueira da Costa
    Fernando Nogueira da Costa

    Prezado Fabrício,
    concordo que a CPMF padece de cumulatividade, regressividade, e representa mais carga tributária. Porém, é de difícil sonegação, alcança o setor informal, combate a sonegação de outros impostos, e sua arrecadação independe de ciclo.
    Para ser uma crítica construtiva, devemos colocar no lugar da proposta da CPMF a do fim da isenção do imposto de renda sobre lucros e dividendos? Esta medida tem capacidade de arrecadar mais R$ 50 bilhões e cobrir o déficit orçamentário?
    Abraço,
    Fernando

    1. Avatar de Fabrício Augusto de Oliveira
      Fabrício Augusto de Oliveira

      Meu caro amigo Fernando,
      Não tenho a menor dúvida sobre a necessidade de se começar a lançar um olhar mais tributário para os detentores da renda e da riqueza no país, o que até hoje não foi feito por nenhum governo, mesmo pelos de esquerda.É a tal política da conciliação, onde pretendem que todos saiam ganhando, incluindo os mais ricos. Nenhuma política redistributiva dá certo sem envolver os ricos nestes custos e sem se criar condições consistentes para o crescimento econômico, que dá forças e alimenta este processo.
      Tenho escrito em vários artigos sobre essa questão de que taxar os ricos neste país foi e continua sendo um pecado capital e, aí, não há política de redução das desigualdades que consiga se manter por muito tempo, pois boa parte destes custos termina sendo bancada pelo Estado, que, além de não ser criador de riqueza, encontra limites fiscais claros para isso, o que o conduz inevitavelmente a ter de se envidar ao persistir com essa equação.
      Só para você ter uma ideia, de acordo com os dados da Receita Federal,em 2013, os contribuintes do imposto de renda do topo da pirâmide (71.440 contribuintes, ou 0,27% do seu total), se apropriam de 14% de toda a renda gerada, mas o imposto de renda incidiu apenas sobre 13% de toda essa renda, sendo que o restante foi taxada exclusivamente na fonte (aplicações financeiras) ou isenta (nesta estão os lucros e dividendos). Por isso, a carga tributária destes contribuinte não passou de 6,5%, aí incluído o imposto retido das aplicações financeiras) a mais baixa de todos os estratos, enquanto a da classe média (30 a 40 salários mínimos)foi de 12%, sobre a qual tem sido lançado, digamos, o maior ônus deste imposto.
      Só a taxação sobre lucros e dividendos, que, me parece, o Bresser tentou lá em 1987, mas o Sarney foi contra, seria capaz de arrecadar, de acordo com alguns cálculos do Gobetti e Orair, mais de R$ 50 bilhões, sem falar num maior gravame sobre as aplicações financeiras e também sobre o patrimônio.
      Como se quer um sistema mais progressivo e uma redução das desigualdades sem querer desagradar os mais ricos?
      Quanto à CPMF, para mim é um dos piores impostos, pelas suas características de incidência, incidentes. Bom para arrecadação, mas péssimo pelo seus efeitos sobre a economia. Apenas como instrumento de combate à sonegação e à lavagem de dinheiro seria importante. Mas, isso, uma alíquota de 0,01%, como coloco no texto, é mais do que suficiente.
      Abraço,
      Fabrício

  3. Avatar de Fabrício Augusto de Oliveira
    Fabrício Augusto de Oliveira

    Caro amigo Fernando,
    Já lhe enviei uma extensa resposta sobre o seu comentário, mas esta se perdeu, não sei como, por aí.Portanto, segue, agora, um pequeno resumo da mesma.
    1) Sim, acho que a taxação sobre a renda dos mais ricos e também sobre as grandes fortunas é uma alternativa muito melhor não somente para fortalecer as bases de financiamento do Estado como para tornar o sistema tributário mais progressivo ou, pelo menos, menos regressivo;
    2) Neste país, parece que cobrar impostos sobre os ricos sempre foi e continua sendo um pecado capital, até mesmo pelos governos de esquerda, já que nenhuma proposta é, sequer, apresentada com este propósito. É a tal política de conciliação, onde todos saem ganhando, mas quem paga essa conta?
    3) Só para se ter uma ideia da montanha de dinheiro dos muito ricos que escapa da tributação, de acordo com os dados da Receita Federal de 2013, os que ganharam, em média, R$ 4,2 milhões no ano, só tiveram como renda tributável, meros 13% deste total, sendo o restante taxado exclusivamente na fonte ou isento, principalmente com rendimentos de lucros e dividendos recebidos pelas pessoas físicas. Sua contribuição para o fisco, foi menor até mesmo em relação aos que ganhavam entre 5 e 10 salários mínimos. Um absurdo.
    4) Cálculos feitos pelo Gobetti e Orair indicam que só com a taxação dos lucros e dividendos pode arrecadar mais de R$ 50 bilhões, o que é um valor apreciável nessa época de ajuste;
    5)Quando os custos de uma política redistributiva é bancada apenas pelo Estado, essa tem limite, pois este não é criador de riqueza, mas apenas intermediário em sua distribuição. E, sem o crescimento econômico, que pode gerar também estes frutos enquanto está em curso, essa política termina se inviabilizando;
    6) O argumento de que a CPMF do que o IR é mais rápida na geração de recursos também é questionável. Por ser uma Emenda Constitucional, que tem todo um ritual demorado para ser aprovada, ainda depois terá de esperar por mais 90 dias para começar a ser cobrada (noventena);
    7) A defesa da CPMF, pelas suas características de incidência, só se justifica pelo fato que você menciona: funcionar como instrumento de controle e combate à sonegação e à lavagem de dinheiro. Mas, para isso, uma alíquota de 0,01% é suficiente.
    Abs,
    Fabrício

  4. Avatar de Leandro Paim
    Leandro Paim

    Incrível! Excelente explicação. É muito difícil encontrar um texto sem viés. Claro, o “viés” é puramente inclinado ao bem-estar social, e que bom que é. Inadmissível que a metade da renda mundial seja centralizada em apenas 1% da população. Falando em século XXI isso é absurdo! E aqui no Brasil, somado a tudo isso, um país refém do mercado financeiro. Excelente análise Fabrício, mantenha sempre esse viés, não sendo comentários do tipo, nós x eles, esquerda x direita, deixamos esses comentários para filosofia, até pelo fato, economia não tem ideologia, vimos isso na Restauração Meiji, o que tem, está enraizado no bem-estar social, mais política social e desconcentração de renda. Grande abraço. Att, Leandro Paim.

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