Em entrevista recente sobre o Projeto de Lei nº 30 de 2015, que regulamenta a terceirização sem limites no Brasil e permite a terceirização na atividade fim, Hélio Zylberstajn afirmou que “A Súmula 331 proíbe nossas empresas de evoluir e se transformar em redes produtivas. Condena-as a permanecer no século 20…”
As entidades patronais, que pressionam para uma precipitada aprovação, afirmam que buscam segurança jurídica às empresas que, então, finalmente, poderiam fazer o que mais desejam: “modernizar o mercado de trabalho brasileiro”.
O que se sabe sobre a terceirização no Brasil?
Não existem estatísticas exatas sobre terceirização. No que tange às chamadas atividades meio é possível se fazer cálculos aproximados: seriam cerca de 12 milhões de terceirizados no Brasil ou um quarto do mercado de trabalho formal.
O certo é que, em estimativas de diferentes fontes, constatou-se nos setores terceirizados discriminação salarial, desrespeito a direitos, maior incidência de acidentes e relação intrínseca com a ocorrência de trabalho escravo. Isso sem falar nas inúmeras empresas fantasmas que “somem” sem pagar os direitos devidos aos trabalhadores.
Quando se trata de informações sobre as atividades fim, a despeito de uma constatação empírica da degradação das condições de trabalho, a medição global é árdua, pois envolve o desmascaramento de contratos de emprego escamoteados em relações comerciais, além de diversas formas de fraudes e burlas à legislação trabalhista.
Há, entretanto, importantes medições setoriais que nos ajudam a elucidar o impacto que a aprovação do PLC 30/2015 poderá ter no mercado de trabalho brasileiro.
Terceirização no setor financeiro: exemplo notório de fragmentação e burla de direitos
Os bancos, mestres na arte das práticas terceirizantes, “inovaram” uma vez mais nesse campo nos anos 2000, por meio da distorção de um preceito de flexibilização da prestação dos serviços bancários, contida na circular 220/1973 do Banco Central. Esta concebeu a figura do correspondente bancário, inicialmente, para possibilitar pagamento de títulos em localidades não assistidas por agências bancárias.
Correspondentes são convênios firmados entre estabelecimentos do setor de comércio e serviços – tais como estabelecimentos varejistas do setor de moda, supermercados, ou até mesmo pet shops e açougues – com uma instituição financeira para prestação de um rol de serviços bancários – como saques, extratos, encaminhamento de propostas de concessão de cartões de crédito, financiamentos e operações de câmbio.
Trata-se, portanto, da prestação de serviços bancários por trabalhadores dos setores de comércio, sem que, contudo, recebam remuneração, treinamento e aparatos de segurança adequados. O modelo é explícita terceirização de atividade fim e expressa notória piora das condições de trabalho, conforme tabela abaixo.
Os correspondentes cresceram 929% em dez anos e superam em quinze vezes o quantitativo de agências no país. Pode-se imaginar seu impacto para o emprego bancário e para o lucro das instituições financeiras, dado que criaram uma nova categoria de empregados – composta de quantos milhares de trabalhadores? – fora dos bancos.
Embora as justificativas para a existência dos correspondentes bancários no Brasil estejam envoltas em argumentos que ressaltam a importância da inclusão financeira, o desenvolvimento real do modelo demonstra um novo contrato de terceirização, ilícito, porque contraria a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), fere o princípio do Valor Social do Trabalho, não realiza o correto enquadramento sindical dos trabalhadores do setor financeiro e, espúrio, pois além de fragmentação, gera desemprego no setor bancário.
O projeto
A principal disputa em torno do projeto está ao redor de seu artigo 4º, que estabelece que “É lícito o contrato de terceirização relacionado a parcela de qualquer atividade da contratante…”, permitindo, portanto, a terceirização na atividade fim.
Ademais, o projeto permite que as contratadas possam ser associações ou cooperativas e possibilita a criação de outra categoria econômica, a de prestadores de serviços, o que facilita a transferência de trabalhadores formais celetistas para contratos como pessoas jurídicas (PJ), implicando perda de direitos.
O argumento da “especialização” é colocado à prova, à medida que o projeto autoriza a quarteirização, ou seja, que a empresa contratada, ou terceira, contrate, ainda, outra empresa para a execução dos serviços. No caso específico do setor bancário, há, no artigo 20, texto contrariando a premissa da especialização, pois se defende que, no caso dos correspondentes bancários, não há obrigatoriedade de objeto social único.
“A face oculta da modernização”: realidade da terceirização no Brasil
O discurso de “modernização” oculta uma realidade de ilegalidades, burlas de direitos trabalhistas, fraudes, interposição de mão de obra e vínculos profundos com o trabalho escravo. A terceirização que aqui se pratica configura-se como interposição de mão de obra; vínculos de emprego escamoteados, que visam ao pagamento de menores salários, imposição maiores jornadas e fragmentação de categorias sindicais e, consequentemente, debilitar convenções e acordos coletivos de trabalho.
A classe patronal brasileira nunca foi afeita ao respeito da legislação trabalhista e viu no PLC 30/2015 a possibilidade de jogar no lixo a gama de proteção social constituída ao redor do trabalho.
A convenção coletiva nacional dos bancários, por exemplo, síntese de 20 anos de luta, é hoje burlada pela contratação dos correspondentes. Joga-se fora a jornada de 30 horas, os ganhos salariais e a proteção à vida dos trabalhadores em atividades bancárias.
Por que se tornou tão central permitir a terceirização nas atividades fim em 2015?
Em meio à crise, a política para o mercado de trabalho, expressa em nova rodada de flexibilização, com a edição das “MPs do ajuste”, e na tentativa de regulamentação da terceirização, revela o papel funcional da redução dos custos do trabalho no Brasil: a mão de obra cada vez mais explorada se configura como “vantagem comparativa”.
Se há quem afirme que a não aprovação do PLC 30/2015 prende as empresas ao século 20: devemos ser categóricos ao afirmar que, na verdade, sua aprovação pretende fazer-nos caminhar para o século 19 em termos de proteção ao emprego.
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