A elite mal informada: réplica às fabulações de Monica de Bolle

Este artigo é uma réplica ao texto de Monica Baumgarten de Bolle (“Mentira tem perna curta”), recentemente publicado na página 3 da Folha de S. Paulo.

Acreditando nos “princípios, valores e missão” que orientam a redação deste jornal – onde se lê, por exemplo, “defesa da liberdade de expressão, independência, espírito crítico, pluralismo e apartidarismo” –, submeti esta réplica aos crivos da Coordenação de Artigos e Eventos da Folha de São Paulo. “infelizmente, não nos será possível publicá-lo, diante da nossa disponibilidade limitada de espaço”, foi a resposta recebida.

Para não privar os leitores desta modesta contribuição ao debate democrático de ideias, num momento crucial em que dois projetos antagônicos para o país estão em disputa, resolvi publica-lo neste espaço.

As fabulações da diretora da Casa das Garças, em seu contorcionismo para defender a indefensável política econômica e social do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), inicia-se com a afirmação: “há quem ache que mentira repetida à exaustão torna-se verdade absoluta”.

De forma correta, afirma que nos anos 1990, o país fez o Plano Real, que levou a inflação de “inacreditáveis 900% ao ano para um dígito”. Mas, essa é apenas uma das faces da verdade. A outra, omitida, são os abissais custos econômicos e sociais implícitos no referido programa de estabilização.

Na época, a opção passiva pelo modelo liberal era justificada pela convicção de que “There Is no Alternative”. O Estado nacional foi demolido em consequência das privatizações e do endividamento crescente.

A abertura comercial e a valorização do câmbio destruíram a indústria e desequilibraram as contas externas. A saída foi privatizar o patrimônio público e atrair o capital financeiro especulativo e volátil para acumular reservas cambiais. Para isso também elevaram os juros básicos da economia para patamares obscenos (superior a 40% ao ano em alguns momentos), ampliando o regozijo dos donos da riqueza que detêm os títulos públicos indexados à taxa Selic.

Os gastos com juros chegaram a patamares superiores que 8% do PIB (hoje está em torno de 4,5%) em alguns anos. Para o leitor ter uma ideia da inviabilidade de qualquer política social, observe-se, por exemplo, que isso representa quase 10 vezes mais que os gastos federais realizados pelo governo federal em saneamento ao longo dos oito anos dos governos de FHC.

Entre 1996 e 2003, a participação do gasto social federal na despesa total do governo central declinou dez pontos percentuais (de 60 para 50%), enquanto a participação das despesas financeiras cresceu 16 pontos (de 17 para 33%).

A dívida pública líquida dobrou em oito anos (de 30 para 60% do PIB). O aumento das despesas com juros motivou elevação da carga tributária (de 27% para 32% do PIB, entre 1995 e 2002). Sim, a carga tributária sobe significativamente na gestão FHC e não na gestão do PT, como se quer fazer crer.

Políticas econômicas e sociais são faces da mesma moeda. É fabulação pretender que “nos anos 1990, o Brasil instituiu os programas sociais que, junto da estabilização macroeconômica, começaram a tirar milhões de pessoas da miséria”. É verdade que com a estabilização monetária, entre 1994 e 1995, a pobreza extrema caiu de 13,6% para 9,3% da população total. Mas o contorcionismo tucano não informa que a taxa de pobreza permaneceu próximo desse patamar até 2002. Em 2013 chegou a 3,6%, quase três vezes menor que a herança da “social democracia” democrata-tucana.

Para a doutrina neoliberal, a “política social” se restringe aos programas focalizados nos “pobres”, pois são baratos (0,5% do PIB) e, portanto, funcionais para o ajuste macroeconômico. A busca do “bem-estar” social prescinde da geração de emprego, valorização do salário mínimo e políticas sociais que assegurem direitos na direção de uma sociedade homogênea.

Adepta desta visão, a diretora da Casa das Garças não menciona a destruição de 1,2 milhões de empregos formais entre 1995 e 1999. Ou ainda que, durante os governos de FHC, a taxa de desemprego subiu de 8,4 para 12,3%; a participação dos salários no PIB declinou de 35,2 para 31,4%; e a renda domiciliar per capita, a desigualdade social e o PIB real per capita ficaram estagnados.

Também não há menção aos retrocessos impostos nos direitos trabalhistas, sindicais e previdenciários, para citar dois exemplos. Nesse último caso, para abater os ditos “vagabundos”, o Brasil passou a ser o campeão mundial no quesito severidade das regras de acesso da previdência social.

“E a história de o país ter quebrado três vezes?” Sua leitura é dissimulada e maledicente. Em 2001, quando a campanha eleitoral apenas engatinhava, culpa o “efeito Lula” pela quebradeira. Mas mentira tem perna curta. Basta ver que o chamado “Risco Brasil” durante os governos FHC foi sempre superior a 523 pontos, atingindo 1248 e 1445 pontos em 1998 e 2001. Em 2003 caiu para 468 e hoje está em torno de 201. Fica a pergunta: quando um país pede socorro ao FMI, o que significa? Que navega em céu de brigadeiro ou que quebrou? O leitor que julgue.

Finalmente, a autora afirma haver “quem subestime a capacidade de reflexão das pessoas” e fazendo “troça da inteligência alheia”. E sentencia: “o Brasil verdadeiro sabe pensar por si”. Embora não seja ponto pacífico dentre as lideranças do PSDB, nesse ponto concordamos. E foi o que fez o Brasil nos últimos anos.

Comentários

4 respostas para “A elite mal informada: réplica às fabulações de Monica de Bolle”

  1. Avatar de L DALTON
    L DALTON

    PARABÉNS PROF. EDUARDO!
    MOSTROU COM CLAREZA A VERDADE DOS FATOS.
    ATENCIOSAMENTE,
    L. DALTON, BRASÍLIA.

  2. Avatar de ADAUTO SILVA
    ADAUTO SILVA

    parabéns, por essa bela informação.
    pena que essa elite mal informada, continua mal informada….

  3. Avatar de Bruno
    Bruno

    Perdão professor, mas essa análise está direcionada. Não estão aí todos os fatos (como, por exemplo, o reconhecimento de dívidas pelo Estado brasileiro… eram contabilidades “milagrosas”). Para pagamento da dívida, quanto mais rápido você paga, menor é o juros (essa é uma aula básica de matemática), principalmente naquele momento em que o Brasil precisava ganhar credibilidade no mercado internacional, ainda mais após as crises do México, Argentina e Tigres Asiáticos (todos emergentes). A taxa de juros de 40% foi pontual e para desfazer a âncora cambial, esse sim o erro da política econômica (manteve por tempo demasiado). E de novo, pare de demonizar a privatização. O Estado brasileiro não possui recursos para todos os desejos. A telefonia é o maior exemplo: só nos dois últimos anos o governo federal poderá arrecadar mais de 10 bilhões de reais na concessão do 4G. E crescer a economia com gastos governamentais é mole, quero ver sustentar no longo prazo 🙂

  4. Avatar de Alberto Figueiredo
    Alberto Figueiredo

    Professor, infelizmente para a sua condição de mestre, optou por associar-se aos que entendem o debate de ideias ao “nós contra eles” o que, objetivamente, retira a condição de isenção na contraposição de argumentos pela via racionalidade, substituída pela paixão. Opção que retira do debate a discussão do melhor caminho, mas pela(s) autoria(s)desses. Como economista sabe perfeitamente bem o que significa conjuntura e a relatividade dos dados, pois quem está com 40º de febre está bem melhor do que estava a 60º. E que por sua vez, é um ganho maior do que passar dos 40º para 38º.

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