No Brasil, a corrupção transcende os partidos e envolve o sistema político como um todo, derivado em grande medida de traços culturais de nossa sociedade que aparecem no dia a dia da maior parte de seus cidadãos[1].
Como bem define a filósofa Marilena Chaui, a discussão não deveria ser sobre a ética na política, que equivale a “transposição dos valores do espaço privado para o espaço púbico”, mas sim sobre a ética da política, que são os “valores propriamente públicos (…), ética que não depende das virtudes morais das pessoas privadas dos políticos, e sim da qualidade das instituições públicas enquanto instituições republicanas”. Não estaríamos, desta forma, discutindo pessoas ou partidos, mas sim como transformar as instituições políticas (e sociais, de uma maneira mais geral) em algo mais virtuoso e menos propenso a se envolver em casos de desvios éticos.
Pensando a partir deste prisma, é perfeitamente possível separar os políticos quando o tema é corrupção: Existem aqueles que aprimoram e fortalecem as instituições, particularmente aquelas ligadas a investigação e controle, com o objetivo de coibir práticas ilegais no conjunto do Estado e do sistema político; e existem aqueles que ou bem não se preocupam com o fortalecimento institucional, ou bem aparelham as instituições de controle e investigação para beneficio próprio e de seus aliados.
O caso mais evidente de tal aparelhamento na história recente do Brasil talvez tenha sido o mandato de Geraldo Brindeiro a frente da Procuradoria Geral da República durante o governo FHC, onde sua atuação fez valer o apelido de “Engavetador Geral da União”, dado que engavetava todos os processos de investigação que pudessem envolver o governo.
Na outra ponta, o fortalecimento da Polícia Federal a nomeação do Procurador Geral segundo lista indicada pelo Ministério Público e não preferência do governo de plantão, a criação da Controladoria Geral da União como mecanismo de controle dos gastos em todas as esferas federativas, a lei de acesso à informação que permite a qualquer cidadão solicitar dados dos negócios públicos, a criação do portal da transparência que publiciza todos os gastos do governo, permitindo a investigação de qualquer cidadão, dentre tantas outras iniciativas, são exemplos de como o fortalecimento das instituições do Estado democrático pode produzir efeitos importantes na identificação, investigação e combate a corrupção.
Como mostra a tabela, extraída de um artigo do GGN, a corrupção foi mais combatida nos governos Lula e Dilma onde a Polícia Federal fez 2226 operações e 24881 corruptos foram presos, já no governo FHC foram 48 operações e 536 corruptos presos. Apesar disso, a sensação de corrupção na população foi muito maior nos governos petistas do que tucanos.
Neste processo, a imprensa joga um papel decisivo ao selecionar as pautas e definir a exposição de cada tema, dando mais centralidade e importância aos temas de corrupção do partido que não coaduna com seus valores, e menor importância aos escândalos do partido que apoiam. A corrupção, no centro do debate eleitoral, cria uma cortina de fumaça no campo moral que tenta impedir o eleitor de confrontar os dois projetos de país em disputa.
Esse moralismo seletivo dos meios de comunicação e de parte da elite brasileira tem um objetivo específico: esconder os projetos políticos e induzir as pessoas a votar por motivações morais, para assim vencer um projeto nacional que enfrenta os privilégios instituídos.
Se o seu voto é contra a corrupção, repense.
[1] Antonio Prata, em recente artigo, questiona exatamente “nossa capacidade de se indignar com a corrupção alheia ao mesmo tempo em que ignoramos completamente nossos próprios desvios”, apontando para as origens do Brasil e da cultura brasileira como fatores explicativos para a corrupção cotidiana.
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