A contração do PIB no 1º trimestre e o risco de recessão em 2019

Por Pedro Paulo Zahluth Bastos, Arthur Welle e Gabriel Petrini

O risco de uma recessão em 2019 é evidente. A queda do PIB no primeiro trimestre exige uma recuperação muito significativa nos trimestres seguintes apenas para que a variação do PIB em 2019 seja igual às expectativas do mercado. Como ocorre há muitos anos, de novo é pouco provável que a atual previsão do governo ou do mercado financeiro para o PIB se verifique.

O motivo fundamental para a retração do PIB é a contração dos itens de demanda. O consumo das famílias continua desacelerando de trimestre a trimestre, sob o peso do elevado desemprego, a desaceleração do crédito e a elevação dos spreads bancários (a despeito da queda da taxa de inadimplência).

As exportações de bens e serviços tiveram forte recuo (-1,9%), refletindo a desaceleração mundial e regional. Muito significativa é a contração da Formação Bruta de Capital Fixo (-1,7%) a despeito do imenso crescimento da confiança empresarial com a eleição de Jair Bolsonaro.

Se o investimento fosse determinado pela confiança empresarial na política econômica e no governo, teria apresentado grande recuperação ao invés da queda significativa no primeiro trimestre do governo.

A demanda interna foi prejudicada pelo reforço da austeridade fiscal em 2019. Embora a promessa de novos cortes estimule a confiança empresarial, seu impacto sobre a demanda agregada dificulta a redução dos altos níveis de capacidade ociosa e desemprego que limitam o investimento e o consumo privado.

Como previmos na nota nº 2 do Cecon (julho de 2017), a economia que saiu da maior crise da história é menos dinâmica do que a que entrou nela, por causa do novo regime fiscal, do grande nível de capacidade ociosa deixado pela crise e do aumento da desigualdade e da incerteza na renda dos trabalhadores.

O que indica o PIB do primeiro trimestre?

O resultado do PIB do primeiro trimestre de 2019 é frustrante em todos os aspectos, considerando que a previsão média do mercado financeiro no final de 2018 era de um crescimento de 3% para 2019.

A queda de 0,2% é pequena, mas aponta para o desapontamento não apenas das previsões feitas em dezembro de 2018, mas também para as da semana passada. No último boletim FOCUS de 24 de maio, a mediana das previsões de crescimento era de 1,23% em 2019.

Será preciso um crescimento de 0,7% a cada trimestre sobre o imediatamente anterior para que a última previsão do FOCUS se concretize (1). Passar de contração de 0,2% para crescimento de 0,7% em cada um dos três trimestres seguintes é pouco provável pelos motivos elencados a seguir.

Qual o motivo fundamental da retração do PIB?

Como o Cecon-Unicamp aponta há muitos anos, o erro sistemático de previsões resulta da subestimação da importância da demanda efetiva e de sua dinâmica cíclica.

O consumo das famílias desacelerou nos últimos dois trimestres. E em nenhum momento desde a recuperação em 2017 chegou perto das taxas verificadas antes da crise.

Como previmos na nota nº 2 do Cecon em julho de 2017 (2), haveria a partir de 2017 uma recuperação do consumo para recompor estoques depreciados de bens duráveis depois do esforço de redução do endividamento das famílias. No entanto, a recuperação seria limitada pelo alto desemprego, pela pequena recuperação do rendimento médio real e pelo medo da perda de emprego formal com a reforma trabalhista (segundo os surveys na época).

É pouco provável que o consumo das famílias acelere no ritmo necessário para atender à previsão do FOCUS, dado o aumento da taxa de desemprego e da desigualdade dos rendimentos do trabalho identificada na última pesquisa PNAD Contínua Trimestral.

Também limitará o crescimento do consumo a desaceleração do crescimento do crédito para as famílias, a despeito da queda da taxa de inadimplência, assim como o aumento dos spreads bancários. É improvável que os bancos revertam a postura cautelosa diante dos dados recentes de desemprego, de desigualdade de rendimentos e de endividamento das famílias.

As exportações, por sua vez, foram essenciais para a recuperação em 2017, dada a fraqueza da demanda interna. Nos primeiros cinco meses de 2019, sua retração colabora com a debilidade da demanda interna para a contração do PIB registrada pelo IBGE. O forte recuo trimestral (-1,9%) reflete a desaceleração mundial e regional. Por esta razão, é pouco provável que venha do setor externo a salvação do PIB de 2019, dada a desaceleração das principais economias e as incertezas provocadas pelo Brexit e pela guerra comercial entre EUA e China.

Por que o aumento da confiança empresarial não recuperou o investimento?

A eleição de Jair Bolsonaro provocou grande aumento da confiança empresarial (20% entre outubro e novembro), boom da cotação das ações de empresas de capital aberto (Ibovespa) e, pouco tempo depois, grande otimismo a respeito do crescimento do PIB em 2019. O otimismo resultava do fato de que Bolsonaro propunha radicalizar os cortes no gasto público, nos benefícios previdenciários (líquidos das contribuições) e nas proteções do emprego formal (carteira verde-amarela).

O aumento do otimismo com o PIB de 2019 foi ainda mais surpreendente (à luz dos impactos contracionistas da austeridade desde 2015) porque a dinâmica da demanda efetiva não justificava o aumento da confiança empresarial verificado entre outubro e novembro de 2018. Afinal, a demanda desacelerava no último trimestre de 2018.

Tamanho otimismo com o PIB de 2019 só pode resultar da crença que o aumento do investimento privado provocado pela explosão da confiança empresarial compensaria eventual efeito negativo dos cortes propostos na demanda pública e no consumo dos assalariados e aposentados.

Contudo, o erro de previsão sobre a “austeridade expansionista” foi novamente espetacular. A formação bruta de capital fixo caiu fortemente (-1,7%) a despeito do imenso crescimento da confiança empresarial anterior. Se o investimento fosse determinado pela confiança empresarial na política econômica e no governo, teria apresentado grande recuperação. A confiança só caiu no segundo trimestre. 

De todo modo, a última pesquisa do BTG Pactual apontou que, na opinião dos empresários, a fraqueza da demanda é o principal obstáculo aos investimentos, acima da incerteza política. Esta também não é favorecida com a enorme dificuldade de cumprir as regras rígidas do novo regime fiscal (como explicado na nota nº 2 do Cecon) em ambiente econômico recessivo e arrecadação fiscal estagnada ou em queda.

É recomendável que os economistas consultados pelo boletim FOCUS prestem mais atenção à dinâmica da demanda efetiva e da capacidade ociosa ao fazerem previsões sobre o impacto positivo da austeridade. Aquilo que aumenta a confiança e a cotação de ativos financeiros transacionados em mercados secundários pode ter efeitos contrários sobre a demanda e os fluxos de vendas que determinam o grau de capacidade ociosa do capital imobilizado e os incentivos para o investimento produtivo e para a geração de empregos.

O IBGE não capta o impacto da austeridade fiscal sobre o PIB trimestral

Por motivos cuja explicação foge ao escopo desta nota, a metodologia de cálculo do IBGE capta melhor a oferta de serviços públicos do que o dispêndio público e seu impacto sobre a demanda agregada.

Para isto, é melhor recorrer às fontes que captam a evolução do gasto público, ou seja, o Tesouro Nacional para o governo federal e o Banco Central para os demais entes do setor público.

Felizmente os dados para o primeiro trimestre estão disponíveis. Em março, o gasto federal (cerca de 20% do PIB) caiu 3,2% em relação ao mesmo mês do ano anterior. No acumulado do primeiro trimestre (contra o mesmo trimestre do ano anterior), o corte é de 1,2%, o que subtrai o PIB em cerca de 0,24%.

O corte nos governos regionais foi muito profundo segundo o Banco Central, gerando um superávit de cerca de 1% do PIB. Neste caso, saímos de déficit de R$ 10,5 bilhões no último trimestre de 2018 (cerca de 0,6% do PIB trimestral) para um superávit de R$ 17 bilhões.

O anúncio dos cortes, como se sabe, estimulou a confiança de gestores financeiros e ganhos de capital na bolsa de valores e no mercado de títulos. É bom que se reconheça que o custo disto se paga em termos de perda de qualidade de serviços públicos e contração de vendas de bens e serviços do setor privado para o setor público, com impacto negativo sobre o crescimento econômico e sua qualidade.

Como previmos na nota nº 2 do Cecon, a economia que saiu da maior crise da história é menos dinâmica do que a que entrou nela, por causa do novo regime fiscal, do grande nível de capacidade ociosa deixado pela crise e do aprofundamento da desigualdade e do risco de perda de renda de assalariados e aposentados.

A menos que a economia mundial frustre positivamente as expectativas de desaceleração e se recupere a ponto de puxar magnificamente as exportações brasileiras, o cenário da demanda interna e, portanto, do PIB e do emprego é mais do mesmo, sobretudo se o governo dobrar a aposta na “austeridade expansionista”.

Referências

Bastos, P.P.Z. “Austeridade permanente? A crise global do capitalismo neoliberal e as alternativas no Brasil.” In: Belluzzo, L. G. & Bastos, P. P. Z. (2015) Austeridade para quem? Balanço e perspectivas do Governo Dilma Rousseff. São Paulo: Carta Maior e FES, 2015

[https://goo.gl/WnWZ7r]

__________ (2016) A “fada da confiança” não vai resolver a crise, Carta Capital, 16/12/2016 [https://goo.gl/Eo5y7C]

________ (2017) Macroeconomia e mercado de trabalho: as principais teorias e o Brasil contemporâneo. In: Revista Ciências do Trabalho – Nº 7, abril de 2017 [https://goo.gl/xDxjfD]

________ (2019)A loucura da austeridade e o grande salto para a recessão. Carta Capital, 23/05/2019[http://bit.ly/2WhKoxN]

Bastos & Belluzzo (2016) Uma crítica aos pressupostos do ajuste econômico, Folha de São Paulo, 09/10/2016 [https://goo.gl/ox6BXC]

Bastos, P.P.Z.; Welle, A.; Oliveira, A.L.M. (2017) Há uma recuperação sustentada da economia brasileira? O PIB de 2017 e o peso da austeridade. Campinas, 11 jul. 2017. Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica – IE/UNICAMP: Nota do Cecon, n.2, julho de 2017.

Mello, G.; Welle, A.; Oliveira, A.L.M. (2018) A crise prossegue: baixo crescimento e alta desigualdade no Brasil pós-recessão. Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica – IE/UNICAMP: Nota do Cecon, n.3, 9 maio 2018. [http://bit.ly/2Wl6Ar7]

Rossi, P. & Mello, G. (2017) Choque recessivo e a maior crise da história: A economia brasileira em marcha à ré. Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica – IE/UNICAMP: Nota do Cecon, n.1, abril de 2017.

Rossi, P., Mello, G. & Bastos, P. (2019) Economic Growth under the Worker´s Party Administrations in Brazil: a Furtadian View on the Limits to Development. Latin American Perspectives (no prelo).

Notas:

1. A partir da série encadeada do índice do volume trimestral com ajuste sazonal fornecida pelo IBGE, a média do índice para o ano de 2018 é de 166,9. Para que a taxa média de 2019 seja 1,23% (expectativa Focus) maior que a do ano anterior, é necessário que os trimestres subsequentes cresçam 0.7%. Aplicando o mesmo raciocínio para que a taxa média seja 1%, os demais trimestres de 2019 precisam crescer 0,55%.

2. Ver Bastos, P.P.Z.; Welle, A.; Oliveira, A.L.M. (2017)[http://bit.ly/2M6FCyr].

3. A partir do 4º trimestre de 2015 houve mudança de conceito na subutilização da força de trabalho por insuficiência de horas trabalhadas. Anteriormente, considerava-se no cálculo do indicador as horas efetivamente trabalhadas e, a partir do referido trimestre, as habitualmente trabalhadas. Por conta disto, equalizamos o patamar da série até 2015 para manter a comparação com a série na atual metodologia.

Acesse a nota em versão PDF aqui.

Crédito da foto da página inicial: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

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