A condenação de Lula
12/05/2017
Qualquer pessoa mais atenta e que acessou as gravações do depoimento de Lula dia 10 de maio vai perceber que Sergio Moro já deu sinais de quais argumentos vai usar e como procederá para condenar Lula. Quando o juiz justifica por que as perguntas fora dos autos são importantes e quando o advogado observador da OAB-PR, Rene Ariel Dotti, que representa a Petrobras na acusação, se destempera sobre os protestos da defesa que queria delimitar o interrogatório aos limites dos autos, e parte das elites jurídicas reacionárias dentro do direito se veem representadas pela fala de que a análise do caráter do réu é parte fundamental da análise do juiz, dão pistas do que está por vir.
É o argumento de Rene Dotti que vai justificar a condenação a Lula. Dotti é professor de direito penal na UFPR, não por acaso a mesma instituição em que Sérgio Moro é professor.
Pelo depoimento de ontem, baseado nas perguntas do juiz Moro e no destempero de René Dotti, posso antecipar a sentença a Lula? Esse artigo é uma tentativa de leitura do depoimento a partir das perguntas dirigidas ao ex-presidente por parte do juiz Sérgio Moro e se fundamenta em uma tese muito difundida por críticos aos abusos cometidos pela 5ª Vara de Curitiba: Lula nunca foi réu, nunca teve sua defesa garantida, nunca se supôs sua inocência e, quando indiciado, já estava condenado – as investigações são apenas para justificar sua condenação e não para decidir se há provas para isso. Nesse sentido, frágeis ou não, os argumentos para a condenação são apenas pró-forma, estágio necessário para a teatralidade que toda operação que se realiza em torno do ex-presidente se concretize.
Lula obviamente não estava sendo analisado a partir dos seus atos, ou seus atos não dão argumentos para condenação. Então, será preciso ampliar o escopo para argumentar em favor da sentença. E o argumento da condenação obedecerá a mais retrógrada das doutrinas jurídicas: a análise do caráter.
Justifica o juiz: em 2005 o então presidente Lula dizia se sentir traído por membros do governo que cometeram desvios e foram condenados pelo processo do mensalão. Já em 2014, Lula tinha outro discurso, conivente com os condenados e repulsivo à justiça. O eminente juiz dá a entender que há evidente desvio de caráter em Lula, que aquele presidente que era a favor das investigações e das condenações ao longo do seu mandato e fora da presidência tornara-se parte conivente e interessada da corrupção. Nesse argumento, Lula será condenado porque se somam os indícios (não comprováveis) de desvio de função e tráfico de influência com a personalidade destorcida pela mudança do caráter do ex-presidente.
Em claro português: Lula será condenado primordialmente por preconceito de classe, depois por desentendimento do que é política e total incompreensão do que é uma gestão pública e o papel de um presidente da república ou de um político. Para isso, a necessária materialidade do crime se torna desnecessária.
Moro analisou, portanto, o caráter de Lula e tem provas de sua mudança para uma mentalidade criminosa, deduzirá isso do depoimento e das declarações de Lula à imprensa. Condenará sem laudo psicológico ou materialidade, mas a partir da relação entre as evidências: desvio de caráter do réu e indícios de crime apontados pelas testemunhas. Se é possível estabelecer uma relação causal entre as coisas? É como se supor que uma carteira que estava em cima da mesa foi roubada por alguém que estava próximo. Por quê? Você estava perto, é possível e porque seu caráter demonstra que em algum momento da sua vida você proferiu a frase: “achado não é roubado”. Essa é mais ou menos a lógica do criminalista René Dotti ao se contrapor à defesa e dizer que a análise do caráter de Lula orienta o interrogatório de Moro.
O argumento positivista de que o caráter ou a origem inata do criminoso é argumento suficiente para a condenação sumiram do direito contemporâneo por um motivo muito simples: a história mostrou a quantidade de erros e condenação de inocentes, o que desmonta a tese das análises inatas e adquiridas da personalidade. É aquele argumento que leva a supor que judeu tem tendências a desvio de caráter, que negro é propenso à baixa inteligência, que cigano é predisposto à bandidagem. É o argumento que supõe que petista não sabe governar ou que governa desonestamente, mas que governa bem e com mais honestidade que outros? Impossível pelas possibilidades da determinação positivista do direto.
Parece uma ideia estúpida, mas é essa a linha de interrogatório que seguiu Moro. Recortar e colar os discursos de Lula fora de contexto só mostra que o juiz precisava de uma “materialidade” (declarações soltas de Lula à imprensa) de que ele teria mudado de posição quanto à corrupção para dizer que o caráter do ex-presidente é ou tornou-se corrupto e que isso associado à atitude leniente com criminosos do seu partido leva a supor que Lula desviou-se da conduta moral de um réu inocente. O argumento parte do suposto jurídico de que o juiz é capaz de analisar (como um profissional do divã – neste caso, sem laudo técnico) o caráter de um réu.
No melhor estilo positivista lombrosiano, Moro já determinou no seu interrogatório que Lula é uma figura perigosa e de caráter corrupto. Não tem provas, mas suas convicções mostram que um filho de retirante nordestina, que foi engraxate e se tornou torneiro mecânico nas fábricas do ABC não pode ter caráter de presidente, não pode desempenhar essa função corretamente. Por trás disso, existe o preconceito sempre presente nas elites brasileiras de que Lula não pode dar certo e, se deu, é preciso condená-lo e recuperar as rédeas da história.
Crédito da foto da página inicial: Paulo Victor Chagas/Agência Brasil

[…] A condenação de Lula […]
Ainda não tinha lido um texto tão bem escrito e com a minha linha de pensamento.
Luiz,
Então Lula é um santo.
Vamos deixar essa falácia de perseguição…
Nunca antes na história deste país se roubo tanto.
Vai me dizer que ele não sabia de nada… de novo?????
Muito bom Luis. Este aspecto da condenação pela análise do caráter não estava claro.
Concordo plenamente: “Por trás disso, existe o preconceito sempre presente nas elites brasileiras de que Lula não pode dar certo e, se deu, é preciso condená-lo e recuperar as rédeas da história”
Excelente posição. Pena que a própria classe trabalhadora, com seu discurso de que o melhor é o da elite, do progresso, dos intelectuais, concorde com o posicionamento repugnante de desmerecer aquele que tem seu mérito, mostrou que o povo detém o poder, que a pirâmide pode mudar. Triste com a conjuntura atual, que restringe até nosso direito de discordar com a mídia nacional, claramente tendenciosa. Discordar do que é imposto pelos jornais mais populares ganha a denotação de que queremos “adotar Lula”! Pobre de nós, humanidade, que não aprendemos com a história.
Vocês não tem mais nada o que fazer. Quem autorizou a me mandarem emails deste informativo tendencioso, em todos os parâmetros, de defesa da esquerda brasileira. Para ficar bem claro não torço pela direita. Torço pela justiça e pela democracia que os dois lados se esqueceram dos seus mais primitivos conceitos.
Otima análise, Luis. Realmente o juiz poderá proceder como vc indica. Porém:
Sua tarefa ou seus designios poderão ser interrompidos se soubermos contra-atacar, resolvendo de outra forma os dilemas colocados. Já que se trata de identificar uma organização criminosa, não é possível, com as informações disponíveis, elaborar uma outra alternativa? Eu penso que sim. Para mim já está começando a ficar claro quais são os partidos, os individuos, e os apoios internacionais, que deram o pontapé inicial, jogaram o jogo praticamente sem adversários, e produziram o triste resultado que vemos hoje. Porque não apontá-los? Porque não elaborar em grupo esta outra hipótese? E jogar para a sociedade uma narrativa mais honesta e conforme aos fatos?
dulcebaptista@uol.com.br
Muito boa sua análise Luís!
Realmente Lula não é mais aquele filho de retirando nordeste no, engraxar, operário, infelizmente o tosco analfabeto, contituiu-se um grande político corrupto e enganador, porém ainda tem um monte de pessoas que o seguem e aprovam suas tramas. De outro lado o juiz justiceiro, preocupado em moralizar a pátria amada, a mando de quem?