A cidade de São Paulo na contramão do mundo

Na contramão das maiores cidades do mundo, a cidade de São Paulo tomou uma decisão que poderá aumentar o seu número de acidentes. A recente decisão do atual prefeito da cidade de elevar os limites da velocidade em suas principais vias arteriais, marginais Tietê e Pinheiros, passando de 50 para 70 quilômetros por hora, na pista local, e de 70 para 90 quilômetros por hora, na expressa, fere recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de limites de 50 km/h em vias arteriais e 30 km/h para áreas pavimentadas de circulação de pedestres e ciclistas.

Essa política chama a atenção da sociedade quando os maiores centros urbanos do planeta estão debruçados no desenvolvimento de formas eficientes para o deslocamento urbano com segurança, ou seja, que reduzam os congestionamentos e acidentes a partir da redução do limite da velocidade. A atual gestão paulistana parece regredir em relação à tendência global de uma gestão do tráfego viário mais eficiente.

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A mudança atual da gestão viária da cidade traz grande preocupação local e nacional, já que, em última instância, a cidade de São Paulo é um farol para outros grandes centros urbanos do país e o seu modelo de gestão tende a ser copiado pela grande maioria dos municípios. Um exemplo foi a abertura das avenidas aos pedestres aos domingos, política reproduzida por quase todas as capitais. Dessa forma, a cidade de São Paulo é um grande parâmetro para as demais grandes cidades.

Segundo a organização internacional World Resources Institute (WRI), o Brasil é o 4º no ranking entre os países que mais matam no trânsito e uma das principais causas para essa colocação é o limite da velocidade estabelecido nas regiões do país. Na América Latina, o Brasil é um dos países que apresentam um dos maiores limites de velocidade do continente, em conjunto com a Colômbia, México e Guatemala (ver mapa I).

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Em contrapartida, atualmente 114 países do mundo têm limites iguais ou inferiores a 50 km/h em vias urbanas. Tal quadro foi estimulado pelos efeitos deletérios em termos econômicos e sociais dos acidentes de trânsito nos respectivos países, visto que esse acometimento atinge principalmente a população em idade ativa, os jovens, ocasionando incapacidade laboral e insegurança social no trânsito.

Para se ter uma ideia, no ano 2000, a Austrália reduziu em 10 km/h a sua velocidade – de 60 para 50 km/h – e o impacto estadual (South Austrália) foi de 100 vidas salvas e uma economia de mais de US$ 1 bilhão com despesas decorrentes dos acidentes de trânsito, entre os anos de 2003 e 2013, o que representou queda de 40% do número de fatalidades.

Outro caso a ser destacado foi o de Nova York. O projeto “Green Light for Midtown” trouxe mudanças do desenho viário e redução das velocidades nos bairros adjacentes da Broadway, e os resultados foram: redução do tempo de viagem de 15%; queda de 63% dos feridos na modalidade condutores e passageiros; e redução de 35% feridos na modalidade pedestre. Com o sucesso das medidas, em 2014, a proposta foi ampliada para toda a cidade, reduzindo o limite “padrão de velocidade urbana em 30 milhas/h (48 km/h) para 25 milhas/h, o equivalente a 40 km/h”.

No Brasil, o custo estimado, considerando custos médicos/hospitalares, danos materiais e prejuízo de produtividade devido ao acidente, alcançou R$ 39 bilhões em 2012, sendo os jovens entre 15 e 29 os mais atingidos. Em outras palavras, o trânsito mata parte não desprezível da nossa população, capacidade produtiva e geração de riqueza.

Em São Paulo, em média, após o acidente, 94% das vítimas necessitam de ajuda de terceiros para realizar suas atividades diárias e 18% param de trabalhar em decorrência das lesões, além daqueles que buscam indenizações por invalidez (WRI, 2015).

Hoje, é mais do que nítido que o limite de velocidade tem forte associação com os custos em saúde, pois um acidente de trânsito provocado a uma velocidade entre 60 e 90 km/h exige cuidados em Pronto Socorro (PS) com custo mais elevado, enquanto a ocorrência na faixa dos 10 a 50 km/h tende a acarretar atendimento mais básico por Unidade Básica de Saúde (UBS) e custos/danos menores. Nesse sentido, o perfil da demanda hospitalar dos acidentados no trânsito irá depender do padrão do limite de velocidade viário adotado.

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Em 2015, o advento da política de redução da velocidade nas vias arteriais foi o fator que mais contribuiu para segurança do trânsito em São Paulo. Ao se analisar a série histórica da gestão, verifica-se que é a partir daquele ano que as tendências básicas dos números mudam significativamente. O que resultou ao longo do período na diminuição de 257 mortes, 8.980 feridos e uma economia de aproximadamente R$ 143 milhões. Ademais, em termos operacionais, teve efeito direto no nível de utilização da capacidade instalada hospitalar, com 147 leitos hospitalares liberados por dia, reduzindo a demanda pelo SUS e os seus custos.

Nesse contexto, é temerário o regresso aos limites anteriores de velocidade da cidade, ainda mais sob o slogan “Acelera São Paulo”. Além dos efeitos sociais (segurança social no trânsito) e econômicos (custos trabalhistas e de saúde), a mudança de trajetória tem fortes impactos no padrão educacional e político da gestão das cidades. As contradições da democracia permitem a vitória de agendas diversas no campo político, todavia, todo cidadão espera do novo gestor avanços em relação à gestão precedente, alcançar níveis melhores em políticas exitosas e desenvolver áreas as quais não se obteve resultado satisfatório. Independentemente do partido, existe uma expectativa da gestão municipal focada na cidade e, principalmente, para as pessoas que vivam nela, dela e para ela.

Referências

PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Com menos feridos em acidentes, redução dos limites de velocidade libera 147 leitos hospitalares por dia. São Paulo: Notícias, 01 out 2016. Acesso em: 26 jan 2017. Disponível em: <http://capital.sp.gov.br/noticia/com-menos-feridos-em-acidentes-reducao-dos-limites-de-velocidade-libera-147-leitos-hospitalares-por-dia>.

WRI.BRASIL. Impactos da redução dos limites de velocidade em áreas urbanas. São Paulo: Embarq.Brasil,  maio 2015. Acesso em: 26 jan 2017. Disponível em: <http://wricidades.org/research/publication/impactos-da-redu%C3%A7%C3%A3o-dos-limites-de-velocidade-em-%C3%A1reas-urbanas>.

Crédito da foto da página inicial: Oswaldo Corneti/Fotos Públicas

Comentários

6 respostas para “A cidade de São Paulo na contramão do mundo”

  1. Avatar de Patrick
    Patrick

    Bom dia, qual a natureza do eixo X do primeiro gráfico?

  2. Rafael da Silva Barbosa
    Rafael da Silva Barbosa

    Patrick,

    é a taxa de mortes no trânsito a cada 100 mil habitantes em cidades com diferentes limites de velocidade.

    A fonte e elaboração do gráfico é do relatório “Impactos da Redução dos Limites de Velocidade em Áreas Urbanas” do World Resources Institute (WRI).

    Att.
    Rafael

    1. Avatar de Patrick
      Patrick

      Obrigado!

  3. Avatar de Widson Alves
    Widson Alves

    Bom dia
    Concordo como prefeito Dória, atualmente os veículos estão cada vez mais seguros, não faz sentido reduzir o limite de velocidade. E como reduzir o limite vai diminuir o congestionamento, se você tem um numero de 3x de veículos pra passar na via, não tem como alargar a via,o único jeito de esses veículos passar mais rápido é aumentando a velocidade. E outra os pedestres tem lugar para atravessarem, se eles não atravessar em local irregular o risco de serem atropelados cai bastante.

    1. Avatar de Steiger
      Steiger

      Concordo. Lugar de pedestre não é atravessando a marginal. O que causa acidente é o desrespeito à legislação não a velocidade. Pedestre na calçada, ciclista no parque e carros na marginal. A 90km! Tenho 52 anos e dirijo a 35. Carro e moto. Nenhum acidente no período.

      1. Rafael da Silva Barbosa
        Rafael da Silva Barbosa

        A educação individual de cada condutor no trânsito é fundamental para o desenvolvimento do sistema viário urbano da cidade, entretanto exitem outros componentes condicionantes para melhoria do sistema, tais como: redesenho viário; ampliação dos modais (trem, metro, Ônibus, aquaviário, bicicleta e etc) e limite de velocidade. A eficiência do sistema viário urbano depende de um conjunto de políticas públicas voltado a redução dos acidentes e congestionamentos.

        As recentes pesquisam mostram que no curto prazo, dentre as medidas condicionantes da melhoria do trânsito, a que mais possibilita resultado positivo é a redução do limite de velocidade. Isto porque, não se trata apenas da colisão entre condutor (carro) e pedestre/ciclista (pessoa), mas, também, entre os diversos tipos automóveis. A alta velocidade limita em termos de reflexo o grau de liberdade do condutor para evitar colisões com automóveis, estrutura viária (prédios, muros etc) e pedestres.

        Sem mencionar que reduz os custos com sequelas laborais e de saúde, pois uma batida a baixa velocidade tende a resultar em desfecho clínico menos complexo, logo com custos menores para o indivíduo e o sistema de trânsito. Por isso, a análise deve ser feita em todas as escalas, ou seja, na escala individual e coletiva do condutores, passageiros, pedestres e ciclistas.

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