‘A Caixa 100% pública é o que poderá permitir que continue a desempenhar seu papel social’

Mattoso1okO Brasil Debate reproduz a entrevista ao jornal João de Barro, publicação dos funcionários da Caixa Econômica Federal do Rio Grande do Sul, edição de fevereiro de 2015, concedida por Jorge Mattoso, ex-presidente da Caixa  (2003-2006). Nela, o professor aposentado do Instituto de Economia da Unicamp e também ex-secretário municipal em São Paulo (2001-2002), fala sobre a importância da empresa para a sociedade brasileira, avalia o processo de reestruturação financeira e patrimonial realizada em 2001, durante o governo FHC; explica por que acredita que a Caixa deve se manter 100% pública; e lamenta o silêncio dos movimentos sociais e dos partidos da base aliada.

Por que o senhor se posiciona contra a abertura de capital da Caixa através de um IPO?

Jorge Mattoso – Não se trata de um posicionamento contrário em abstrato. Mas dada a financeirização ocorrida mundialmente e a repetição e longevidade das crises internacionais, considero que o Brasil continua necessitando de bancos públicos eficientes e capazes de assegurar a implementação de políticas inovadoras, criar novos mercados, favorecer ações sociais e alavancar políticas anticíclicas quando do agravamento de crises econômicas e financeiras no mundo. E a Caixa tem se mostrado uma competente e eficiente implementadora dessas políticas.

Pode-se afirmar afirmar que é importante para o país que a Caixa se mantenha 100% pública?

Sem dúvida. Preservar o caráter 100% público da Caixa é o que poderá permitir que esta longeva instituição nacional continue a desempenhar seu papel. Com a abertura de capital, os interesses de curto prazo dos acionistas minoritários precisarão ser considerados, o que fará com que os interesses públicos e de mais longo prazo sejam menosprezados. Vejam, por exemplo, o que tem ocorrido com as empresas de abastecimento de água, que precisavam desempenhar um papel público e fazer investimentos, visando a enfrentar o crescimento populacional e problemas climáticos, e claramente deixaram de fazê-lo para garantir dividendos e demandas de curto prazo de seus acionistas minoritários.

O senhor entende que, com a reestruturação financeira e patrimonial realizada em 2001, durante o governo FHC, a Caixa estava sendo preparada para a privatização? Quais foram as principais dificuldades e/ou perdas da empresa nessa época?

Desde a incorporação do BNH, em 1986, a Caixa veio se debilitando. Este processo se acentuou com a implementação das políticas neoliberais e com as privatizações levadas a cabo desde os anos 90. Em 2001, esse processo visando à privatização da Caixa foi ainda mais acentuado e só não foi efetivado porque o governo precisou utilizar-se dos recursos da Funcef para assegurar outras privatizações, que o setor privado demonstrou desinteresse.

A partir de 2003, quando o senhor assumiu a presidência da Caixa, o banco passou por um processo de reestruturação. O que o senhor considera como as principais medidas tomadas em sua gestão para o fortalecimento da Caixa, tanto em ativos, como em sua atuação como banco público?

Em primeiro lugar, abandonou-se a proposta de sua privatização. Mas isso não seria suficiente para garantir que a Caixa pudesse retomar seu papel de banco público. Para que viesse a desempenhar sua função pública, foi necessário que se voltasse também a valorizar seu papel enquanto banco, recuperar sua imagem junto à população, disputar um mercado bancário crescentemente competitivo, voltar a recuperar sua parte física – agências superlotadas, lotéricos desmotivados e escassos correspondentes bancários –, valorizar seu pessoal e assegurar a geração de produtos e serviços com tecnologia e qualidade, voltando a valorizar tanto o cliente quanto o negócio de crédito comercial, que era visto até então como secundário – ou até mesmo desnecessário – nas operações da instituição.

Assim, a Caixa pôde – pouco a pouco – garantir a elevação de sua rentabilidade (passando a contribuir cada vez mais com dividendos ao Tesouro), assumir crescente participação no mercado bancário e agir como banco público, participando de forma exemplar de um conjunto de políticas como a criação do crédito consignado, a ampliação do crédito para PF e PJ, além do financiamento habitacional (mesmo antes do Minha Casa Minha Vida), a bancarização e ampliação do acesso aos bancos, os pagamentos mensais aos beneficiários do Bolsa Família, a realização de Feirões e as políticas de redução do spread bancário e de sustentação do crédito no país, quando do agravamento da crise internacional.

O que pode ser feito para que a Caixa contribua ainda mais com a sociedade?

Mantida a Caixa como banco público, este processo – iniciado em 2003 e até hoje mantido – não terá fim. Mas terá que incorporar ainda mais inovações, garantir sua competitividade em um mercado crescentemente disputado e ser capaz de tornar as políticas públicas de que participa cada vez mais reconhecidas pela sociedade. O Brasil passou por um período de mais de uma década de melhorias nos planos do combate à pobreza, da distribuição da renda e da expansão dos mercados de crédito e consumo. Mas muito mais precisa ser feito, com a colaboração da Caixa como instituição pública.

O senhor afirmou que a manutenção da Caixa como banco 100% público deveria ser uma luta de todo o Brasil. O senhor acredita que campanhas como a que a APCEF/RS está realizando podem reverter a intenção de abertura de capital? Que outras iniciativas a sociedade brasileira poderia adotar para tentar barrar essa medida?

Antes de mais nada, parabéns à iniciativa da APCEF/RS. Mas penso que para reverter efetivamente a intenção de abertura de capital da Caixa seria necessária também uma mais ampla discussão e posicionamento por todo o Brasil. Lamentavelmente, o silêncio dos movimentos sociais e dos partidos da base aliada tem sido dominante. E surpreendente…

Comentários

2 respostas para “‘A Caixa 100% pública é o que poderá permitir que continue a desempenhar seu papel social’”

  1. Avatar de luiz philippe torelly
    luiz philippe torelly

    A possível privatização da CAIXA deixará o governo na dependência do crédito fornecido pelos bancos privados. O que vimos na crise internacional de 2008 para cá? O encolhimento do crédito especialmente o de longo prazo pela banca privada e a expansão do público pela CAIXA, BB, BNDES e Banco do Nordeste. Caso isso não ocorresse a crise seria muito pior e os empregos não teriam sido garantidos, como o foram, sendo que o Brasil apresenta das menores taxas de desemprego do mundo.

  2. Avatar de Carlos Tramontina
    Carlos Tramontina

    Parabéns. Excelente entrevista.
    Mas melhor ainda foi seu artigo também publicado no Brasi Debate.
    Deveriam tê-lo linkado à entrevista.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.