O fim do pacto sociopolítico
22/06/2015
Warning: count(): Parameter must be an array or an object that implements Countable in /home/brasilde/public_html/wp-content/themes/brdebate/functions.php on line 380
A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de outubro de 2002 marcou a emergência ao executivo brasileiro de forças políticas alinhadas à esquerda. Entre 1999 e 2002, houve duas crises cambiais, a inflação se elevou, o desemprego aumentou, o salário real reduziu e o Brasil foi submetido aos ditames do Fundo Monetário Internacional. Contudo, isso não era suficiente para que um sindicalista se tornasse presidente da República.
A emersão tornou-se factível devido à aliança capital-trabalho, através da figura do vice-presidente da República, José Alencar, representando o capital industrial. A “Carta ao povo brasileiro” estendeu o pacto ao setor financeiro: Lula se comprometeu a manter a política econômica conservadora (metas de inflação, superávit primário e câmbio flutuante).
A primeira gestão Lula foi marcada pela manutenção da política econômica, de um lado, e pela ampliação de políticas sociais e distributivas, de outro. A despeito da constante resistência à figura presidencial, o modelo de conciliação de interesses foi vitorioso. Na segunda gestão de Lula, outras políticas sociais foram criadas, a ponto de marcar seus oito anos de governo.
Com a crise de 2008, o superávit primário foi flexibilizado a fim de manter o crescimento econômico. A elevação das reservas internacionais, o crescimento do emprego e da renda, a redução das desigualdades distributivas e o crescimento econômico desse período garantiram ao então presidente popularidade suficiente para eleger sua sucessora, Dilma Rousseff.
O quadro econômico mudou bastante desde então. Os preços dos principais produtos que o Brasil exporta caíram, o governo elevou o superávit primário em 2011 e flexibilizou o tripé da política macroeconômica. O Banco Central passou a atuar para elevar a taxa de câmbio e o governo passou a tolerar a inflação acima do centro da meta, por entender que parte dessa inflação tinha relação com a elevação do salário mínimo. Isso porque o componente da inflação que se acentuava era de serviços, os quais possuem mais trabalhadores nessa faixa salarial.
Em maio de 2012, houve uma ruptura importante: o governo pressionou os bancos privados a reduzirem as taxas de juros e seus spreads através da concorrência imposta pelo Banco do Brasil e pela Caixa Econômica Federal. O Banco Central reduzia persistentemente a taxa SELIC, chegando a 7,25% ao ano, ao passo que em janeiro de 2003 era de 25,5%. Taxa essa que remunera a dívida pública. Essa conta não é diminuta, drenou entre 5,5% e 8% do PIB ao ano.
Dilma, em cadeia nacional de rádio e televisão, disse que “é inadmissível que o Brasil, que tem um dos sistemas financeiros mais sólidos e lucrativos continue com um dos juros mais altos do mundo. Estes valores não podem continuar tão altos. O Brasil de hoje não justifica isso. Os bancos não podem continuar cobrando os mesmos juros para empresas e para o consumidor […]. O setor financeiro, portanto, não tem como explicar esta lógica perversa aos brasileiros”.
A essa altura, entre regular e ótimo, sua popularidade somava 93%, o que lhe garantia o bônus de poder retirar o capital financeiro do grande pacto sociopolítico. A maior tolerância com a inflação, em linha semelhante, feria os interesses do capital financeiro, pois reduzia mais ainda o juro real. Não por acaso, o maior banco privado do País financiou a campanha eleitoral de Aécio Neves e Marina Silva, e não financiou a de Dilma Rousseff, em 2014.
Nesse momento, Dilma refundou seu pacto com o capital industrial. Reuniu os maiores empresários no palácio do planalto e atendeu as antigas pautas da Fiesp. Além do decréscimo no juro, o governo elevou a taxa de câmbio, reduziu impostos sobre a folha de pagamentos, reduziu o custo da energia, ampliou a oferta de crédito subsidiado e anunciou pacotes para melhorar a infraestrutura.
Para os industriais, esses eram os entraves que emperravam o crescimento econômico. O governo absorvia a necessidade de reduzir o “custo Brasil”. O executivo abriu mão dos impostos, na expectativa de que os empresários aumentassem os investimentos. O crescimento econômico, em um segundo momento, elevaria a arrecadação. Além disso, a redução da taxa de juros abriu um espaço fiscal não desprezível. Em meio a tudo isso, o salário real e o emprego continuariam crescendo.
Contudo, os investimentos não vieram, a economia não cresceu e as desonerações fizeram falta nas contas do governo. As manifestações de junho de 2013 derrubaram a popularidade da presidenta em 35 pontos percentuais.
Com o capital financeiro claramente contra o governo e o ambiente criado nas manifestações, os grandes grupos jornalísticos do País perceberam que chegava a hora de findar com os governos próximos da esquerda. Desde então, se dissemina a constante perspectiva pessimista da realidade, o enfoque em problemas pontuais sem uma análise ampla das questões, a seletividade na ênfase de denúncias de corrupção, o diagnóstico de que o governo federal intervém demais e, no limite, a forte distorção dos dados.
A estratégia de seguir a pauta do capital industrial não deu certo. Isso já estava claro em 2014. Adicionalmente, as principais empresas do País assistiram seus rendimentos no mercado diminuírem. Já que a esfera do capital industrial não é tão dissociada à do capital financeiro.
Na eleição de 2014, os lados se redefiniriam: o capital financeiro estava na oposição, e grande parte do capital industrial estava descontente com a flexibilização do pacto macroeconômico conservador. Os grandes grupos de imprensa foram mais explicitamente de oposição. A aliança formada em 2002 estava nitidamente fraturada. Na eleição de 2014, a estratégia da campanha de Dilma foi centrar o discurso em sua base. Saiu vitoriosa.
Após a reeleição, Dilma tenta repactuar as forças políticas, escolhendo um ministro da fazenda vinculado ao sistema financeiro, uma ministra da agricultura representante dos latifúndios, para o ministério do desenvolvimento, escolheu um ex-presidente da Confederação Nacional da Indústria. Na política econômica, retomou a perspectiva conservadora, progressivamente abandonada ao longo de sua primeira gestão.
O grande pacto sociopolítico, entretanto, não parece resgatável. A fissura reverbera nas diversas instituições sociais. O PMDB assume mais independência, o conservadorismo se reaglutinou e domina cada vez mais o governo que representaria a esquerda do País. A direita venceu perdendo.
Crédito da foto da página inicial: EBC
[…] Por Róber Iturriet Avila, no Brasil Debate […]
[…] Por Róber Iturriet Avila, no Brasil Debate […]
A análise econômica procede, e não seria diferente, considerando a inserção do país na economia global. Na visão política, me permito discordar quanto a quê a ascensão de Lula “marcou a emergência ao executivo brasileiro de forças políticas alinhadas à esquerda”, pois, desde a tal da Nova República, 1985 em diante, as “esquerdas” já se encastelavam nas estruturas do poder, marcando presença no “ideário” da carta de 1988, e que, um dos “gurus” do lulopetismo – José Sarney, sim, José Sarney – chegou a afirmar que essa constituição o país seria ingovernável, e não acredito que essa carta esteja sendo desmontada pelas sucessivas emendas (84, já), mas, pelo contrário, ajustada ao sentimento de negação de quê tudo o que houve antes de 1985, não valeu a pena.
[…] Por Róber Iturriet Avila, no Brasil Debate […]
[…] Por Róber Iturriet Avila, no Brasil Debate […]
Em primeiro lugar parabenizo pela excelente analise, em segundo , pergunto a você:
Tenho acompanhado algumas reportagem que mostram alguns setores aumentando a oferta de empregos exemplo , setor de calçados no interior de são paulo e o alguns setores na região nordeste, como também o aumento na exportações de commodities,pois, a minha questão é : Será que isso não um sinal que as politicas implementadas pelo governo Dilma 1 estariam tento efeito agora ? Como esses setores funcionam como balizadores da politica econômica estritamente nacional ao contrario das empresas transnacionais , não funcionariam como base do movimento desse terreno em crise?
Obrigado, Rodrigo.
Aumento de emprego no setor de calçados pode ser pela elevação da taxa de câmbio, uma vez que esse foi um dos setores que mais sofreu com a apreciação cambial de mais de uma década.
quanto às commodities, os preços caíram de forma significativa no final de 2014. A perspectiva não é das melhores em termos de preços, mas em volume deve continuar aumentando por um tempo, mas nao muito longo, creio.
Algumas políticas podem estar maturando agora sim. Mas a perspectiva para os próximos 1,5 -2 anos não é boa não.
[…] 24/06/2015 – 22h57 Reprodução Artigo por Por Róber Iturriet Avila* […]
para aportar ao debate:
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/03/1596370-ricos-nutrem-odio-ao-pt-diz-ex-ministro.shtml
http://www.cartacapital.com.br/blogs/outras-palavras/dilma-reeleita-201cmuda-mais201d-nao-e-suficiente-821.html
para enriquecer o debate:
http://www.cartacapital.com.br/blogs/outras-palavras/dilma-reeleita-201cmuda-mais201d-nao-e-suficiente-821.html
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/03/1596370-ricos-nutrem-odio-ao-pt-diz-ex-ministro.shtml
Prezado Róber,
“Já que a esfera do capital industrial não é tão dissociada à do capital financeiro” é pouco, pois na atualidade são totalmente interdependentes. Por isso, apostar em fortalecer o capital produtivo como força hegemônica no bloco no poder é desconhecer a composição da atual aliança de classes. Como agravante, dissecando o ‘capital produtivo’, percebe-se que o segmento melhor posicionado é o da construção civil (grandes obras) e o exportador de commodities (mineração e agronegócio), todos fortemente associados com o ganho rentista, com a especulação imobiliária, a negação do direito às cidades e o bloqueio tanto a democratização da terra, como a um projeto não predatório de uso dos recursos naturais.
De qualquer forma, os governos petistas foram incapazes de organizar um projeto emancipatório dos trabalhadores com efetivas mudanças estruturais e ficaram reféns do grande capital (financeiro-produtivo-rentista).
Nessa estratégia, não tem passo a frente para os trabalhadores, no máximo uma aposta no mercado de commodities para continuar o saque de nossos recursos e uma política de consumo (e endividamento) de massa. Mais do mesmo!
Olá Fernando,
concordo que é mais do que “não tão dissociada”. Andam bastante juntas. E concordo com você no avanço modesto à emancipação.
Didático. Esclarecedor. Excelente!
Parabenizo a capacidade de síntese de assunto tão amplo, Roger.
Obrigado, José Júlio. Abraços
discussão dessas questôes. Poderíamos juntar forças e começar a organizar debates e grupos de estudo aqui no RS e, daqui, quem sabe, em todo o Brasil. O que achas?
Ótimo, Róber.
Que o governo Dilma tentou fazer um pacto com os industriais pela agenda declarada (a tal Agenda da Competitividade) e eles “falharam” como atores, comportando-se como rentistas (essa situação me lembra a queixa do Funaro e a turma do Cruzado). Me parece que a “falha” maior foi de falta de capacidade de governo, de entender a situação do país e do mundo, de implementar políticas desenvolvimentistas, etc Foi mais uma tentativa frustrada e agora quase todos (os ricos se protegem na remuneração dos títulos) pagamos o preço.
Abraço
Obrigado, Álvaro. Há também a dubiedade que houve em dado momento. Um abraço
Ótima análise de conjuntura.
obrigado, Jesuel
Bom texto, que explica parte das dificuldades do governo Dilma. Faltou aprofundar, no meu ponto de vista, qual seria a maneira possível de conquistar o apoio do capital industrial nacional, que também se beneficia com os ganhos financeiros e os altos juros dos títulos públicos em detrimento dos investimentos produtivos. A não adesão do capital industrial explica o fracasso das políticas anticíclicas tentadas por meio dos financiamentos concedidos pelo BNDES e da tentativa de algum controle sobre a taxa de câmbio. Não existem mais empresários industriais nacionalistas e, com isso, acabou-se o sonho de uma política de desenvolvimento nacional relativamente autônoma?
Outra questão complexa, que certamente não é de fácil resposta, sobretudo no espaço existente aqui no Brasil Debate. Creio que houve essa tentativa. O fracasso pode ter relação com outro elemento mais amplo, que é a financeirização, fenômeno mundial que se acelera desde o fim da década de 1970. Ou seja, essa questão não é brasileira. Uma saída é reduzir o tamanho do capital financeiro, seja pela redução do juro real, seja por taxação. O governo Dilma 1 tentou o primeiro e parece que perdeu essa queda de braço. Não parece haver força para tentar a segunda. Quanto ao desenvolvimento nacional liderado pelos empresários… outra questão complexa que diversos autores trataram, como o Prório Fernando Henrique Cardoso e Florestan Fernandes…. e não possuem uma visão tão otimista
Obrigado pelas considerações…
O setor financeiro parece descontente por alguns motivos: i) a ruptura em 2012, quando Dilma afrontou o capital financeiro, ii) pelo sutil abandono progressivo do tripé macroeconômico [que agora é resgatado], iii) pela elevação de preços que fez o juro real cair, em meio à obtenção de títulos pré-fixados por parte dos credores, iv) pela elevação da massa salarial na distribuição funcional do PIB, o que inclui um desconforto dos capitalistas em geral.
quanto à saída, é uma questão difícil a problemas bastante complexos. O governo apostou na repactuação e na cedência de poder para garantir a estabilidade institucional. É uma aposta moderada. A outra seria manter a linha vencedora da eleição e arriscar um fratura social mais intensa. Ou seja, o governo apostou no “um passo atrás, dois à frente”. O Passo atrás foi dado, esperemos se virá ou não os dois à frente.
Excelente artigo e complemento!
obrigado, anita
E qual a saída?
Excelente análise.
obrigado, abraços
Mesmo com grandes lucros, por que os Bancos estão descontentes?
Ótimo texto, Róber!
obrigado, abraços